Uma década caracterizada por transferência de ativos e desenvolvimento

A transferência pela Petrobras para outras empresas de alguns ativos – em especial campos terrestres, em águas rasas, acumulações marginais e, no downstream, algumas refinarias – responde, na opinião daqueles que atuam no setor, por um redesenho do óleo e gás, com a entrada de novas empresas e a criação de demandas até então pouco usuais.

Na visão de Alberto Machado Neto – diretor-executivo de Petróleo, Gás Natural, Bioenergia, Hidrogênio e Petroquímica, na ABIMAQ –  essas mudanças aumentaram as oportunidades de negócios, pois, na última década, muitos investimentos estavam paralisados devido a várias ocorrências, em âmbito de mercados interno e globais.

No primeiro grupo estão vários empreendimentos que foram descontinuados, a forte recessão brasileira e os elevados níveis de endividamento e dificuldades diversas vivenciadas pela Petrobras. Agrega-se a esse cenário a volatilidade nas cotações do petróleo nos mercados internacionais, exigindo maior cautela dos investidores e provocando, em consequência, retração nos investimentos.  A pandemia e o conflito entre Rússia e Ucrânia agravaram o quadro mundial.

Atenção centrada no Brasil, é possível identificar pontos positivos gerados pelo regime de recuperação da governança da Petrobras: ao colocar foco nos empreendimentos de maior vulto e maior retorno, alocando os recursos disponíveis em áreas com potencial de grande produtividade e com menor custo de produção, como os campos do pré-sal – responsáveis por cerca de 75% da produção de petróleo e gás natural – a empresa alienou parte dos ativos, ampliando o número de empresas no setor e permitindo a retomada de investimentos paralisados há muitos anos.

Os resultados já são percebidos pelas indústrias que atuam no fornecimento de máquinas e equipamentos, assim como de partes, peças e serviços, para óleo e gás, congregadas na ABIMAQ. Para Idarilho Nascimento, presidente do Conselho de Óleo e Gás da ABIMAQ, o aumento do número de atores no mercado reordenou a distribuição geográfica, “pulverizando o leque de oportunidades ao longo de diversos pontos do território nacional. Adicionalmente, para os grandes empreendimentos, a quantidade de atores também aumentou, atraindo maior volume de investimentos de companhias internacionais de petróleo de grande porte, as chamadas IOC (International Oil Companies), tais como Shell, Total, Equinor, Exxon e outras”.

Flávio Mota – supervisor Comercial da Divisão Química, da Mayekawa do Brasil, por sua vez, agrega a perspectiva de “que ainda há muita coisa que precisa ser realizada, como aumentar a competitividade dentro do mercado nacional, como por exemplo, a parte de refino de petróleo e de produção de gás natural, que ainda possui a Petrobras como principal operador”.

Nesse rol, Mota insere um desafio como principal a ser trabalhado: “O mercado ainda é carente de regulamentações claras e procedimentos transparentes sobre regras de acesso a dutos e terminais, precificação de serviços de armazenagem e transporte, condições para importação e comercialização de petróleo e gás natural e diversas outras operações que dependem dessa infraestrutura de propriedade concentrada. É preciso avançar com rapidez na abertura efetiva do mercado do midstream para que tenhamos livre acesso à infraestrutura e valores justos e competitivos para os serviços de uso da mesma”.

Regulamentação também é citada por Norberto Padovan, gerente comercial da Apema, que relaciona a consolidação do novo desenho do mercado com regras que deem liberdade de atuação a empresas nacionais e internacionais.

 “A regulamentação é uma questão estratégica e deve se manter exigente no que tange segurança, responsabilidade social e de meio ambiente. Devido às somas envolvidas nesse segmento, as demais regulamentações que afetam a parte econômica – quotas, blocos, formato de sociedade e outras que impactam no formato de negócio – dificultam a entrada de capital estrangeiro e de empresas de médio porte. Aparentemente as exigências são menores para o investimento em campos maduros, o que possibilita a entrada de novos e menores investidores, mas ainda dificulta em campos novos e de alta produtividade”, explica o executivo da Apema.

Dilema e conscientização

A reorganização do setor no contexto nacional acontece em meio ao debate global sobre a descarbonização das fontes energéticas. É consenso que o Brasil tem tudo para ser o grande protagonista no período da transição energética. Dia a dia aumenta a conscientização da sociedade e sua exigência por clareza sobre as ações dos governos e das políticas públicas.

Neste quesito, para o Brasil, o quadro é favorável. “Hoje já temos alguns indicadores positivos, pois o período de limpeza da matriz energética, substituindo combustíveis fósseis por renováveis, será um fator de geração de novos negócios”, observa Nascimento, considerando que “em muitos países o gap para o atingimento das metas de descarbonização é muito maior que o nosso, gerando enorme potencial para o aproveitamento de nossas fontes primárias renováveis, não esquecendo que fomos pioneiros, na década de 1970, na produção comercial de biocombustíveis, com o nosso vitorioso Proálcool”.

No entanto, a exigência cada vez maior de “produção verde” vai exigir que cada integrante da cadeia de valor entregue e incorpore também “produtos verdes”, inclusive com os devidos certificados, o que vai levar a um esforço de descarbonização a todos os fornecedores de bens e serviços.

Como exemplo, Machado cita a demanda da indústria de máquinas e equipamentos por aço, “proveniente de um dos segmentos com maior pegada de carbono. A siderúrgicas, para serem competitivas, terão de produzir aços verdes, sendo uma das rotas substituir no alto-forno o carvão pelo hidrogênio”.

Outro aspecto a ser considerado envolve o crescente nível de exigência e reconhecimento para o consumo de produtos “certificados como green”. Neste caso, Machado apresenta um desafio: “Como a sociedade irá medir, padronizar, precificar e reconhecer esse diferencial de uma empresa que investe em produtos com menor emissão de carbono?”.

Fabricando equipamentos estáticos – radiadores, aircoolers, trocadores de calor casco e tubos para offshore e a placas desmontáveis, reatores, colunas, sistemas de vácuo e ejetores para o mercado onshore – a Apema assiste “clientes desenvolvendo soluções verdes a cada dia, com muitos desenvolvimentos em energia limpa, como hidrogênio, solar, eólica e geotérmica”, garante Padovan. Lembra, também, que “os trocadores de calor já são equipamentos que reduzem as emissões porque são muito utilizados em recuperação energética. O que temos notado nos últimos anos, é que cada vez mais processos industriais recuperam  energias e, com isso, a demanda por trocadores de calor está aumentando”.

Pulverização e suporte a novos atores

Enquanto a busca de fontes renováveis e descarbonizadas prossegue, o mercado usufrui da entrada das IOC em território brasileiro e vê os ativos de valores menos representativos atraírem inúmeras empresas de menor porte, ampliando significativamente a quantidade de interlocutores e, consequentemente, as oportunidades para fornecimento direto a esses novos demandantes.

Nessa nova estrutura, o papel do operador independente ganha relevância, pois são esperados investimentos para revitalização de ativos maduros e com acumulações marginais, muitos dos quais estavam fadados ao descomissionamento nos próximos anos. Essa descrição é complementada pela crença de Mota de que “a revitalização desses ativos, no médio prazo, terá um papel importante no contexto da transição energética, com as atividades exploratórias tendendo a ficar mais escassas. Porém, no curto prazo e no caso específico do nosso país, cumpre um papel mais importante ainda relacionado ao aumento da arrecadação de impostos e participações governamentais, movimentação da economia e geração de empregos e renda via aquecimento da cadeia de fornecedores de bens e serviços”.

Quantificando esse universo, Leandro Nunes Pinto – presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Navais, Offshore e Onshore (CSENO), da ABIMAQ – cita “179 campos maduros onshore operados por investidores privados, que aumentaram a extração em 30% com melhorias operacionais, movimentando o mercado de máquinas e equipamentos, pois quem chega precisa de fornecedores especializados locais, condição viabilizada pelo conhecimento detido pelas indústria nacional no offshore”

“Toda a cadeia de fornecimento – envolvendo tubos, bombas, válvulas, compressores etc. – detém tecnologia e experiências nesse setor. E o que vale para o offshore, vale para o onshore. Então, essa base industrial em operação também pode agregar à infraestrutura, pois em campos maduros ou em águas rasas não é só prospecção”.

Esse redesenho do setor de óleo e gás levou a CSENO a implementar um serviço de informação e apoio a esses novos players. Como explica Pinto, “há cerca de três anos, criamos um canal de comunicação a partir da unidade da ABIMAQ no Rio de Janeiro. As demandantes, sempre que têm dificuldades em encontrar materiais, equipamentos e até serviços, enviam suas necessidades e a CSENO divulga as solicitações juntos às associadas. Sabemos que vêm rendendo negócios, mas o importante é que geramos valor para as associadas e facilitamos o diálogo entre as duas partes, mostrando a capacitação da indústria nacional a essas empresas que chegam”.

“Esse é mais um caminho para gerarmos emprego e renda, mas que também precisa evoluir”, afirma Pinto, sugerindo o investimento em “triplo hélice, envolvendo iniciativa privada, academia e governo, com apoio da Petrobras, para fortalecer todos os elos e desenvolver tecnologias”.

Mais ações são desenvolvidas pela ABIMAQ na aproximação entre esses elos, para identificação dos atores e busca de informações sobre os investimentos, as empresas e os contatos dos responsáveis pelas aquisições e ou contratações.

Ao destacar que a atuação das Câmaras Setoriais e dos Conselhos de Mercado da Entidade “são de fundamental importância para melhor aproveitamento das oportunidades que irão surgir”, Nascimento cita como exemplo dois comitês em operação no Conselho de Óleo & Gás, “um voltado especificamente para a área de negócios e outro para a área de legislação tributária, que é muito complexa no Brasil e principalmente no setor de Óleo e Gás, que é afetado pelo Repetro, regime aduaneiro que vem trazendo relevantes desequilíbrios e falta de isonomia entre a indústria local e internacional uma vez que apresenta viés importador”.

Interesse crescente – Toda essa movimentação do mercado também atrai empresas, que veem oportunidades de expandir sua atuação no setor. Exemplo é a Yanmar, detentora de portfólio de motores genuinamente marítimos, com soluções para motores de propulsão marítima e de geração de bordo nas mais distintas potências para as mais variadas aplicações.

Como relata Igor Cabral, supervisor de Vendas Motores Marítimos da Yanmar, especificamente para o mercado de óleo e gás, há diversos  motores de propulsão de alta e de média rotação, com diferentes potências  destinados para embarcações de pequeno e médio portes e de médio a grande portes, respectivamente, além de grupos de geradores para a embarcação.

“Nossa expertise no segmento marítimo soma 86 anos, e embora nossa atuação no mercado de óleo e gás seja modesta, estamos investindo constantemente no relacionamento com alguns dos nossos clientes para ações futuras. O objetivo é ampliarmos nossa atuação neste mercado”, declara Cabral.

Tecnologias emergentes

No setor de petróleo e gás o desenvolvimento tecnológico “é uma prática do dia a dia, onde os novos desafios surgem a todo momento, tanto no que diz respeito a novos desenvolvimentos quanto à otimização e ao aumento de eficiência dos existentes, via redução de custos”, frisa Nascimento constatando que “nos dias atuais, quando a maioria das empresas busca reduzir o nível de emissões de gases como CO2 e outros que provocam o efeito estufa, eu diria que a busca pelo aumento de eficiência é muito relevante, ou seja, estamos falando de produzir mais, consumindo menos energia; evitar desperdícios no processo; reciclar, aumentar o uso de energias renováveis e não fósseis e captura de carbono nas operações, o CCUS, correspondente a Carbon, Capture, Utilization and Sequestation”.

Os entrevistados concordam que o setor, definido como de alta tecnologia, segue impactado pela utilização das ferramentas de tecnologia da informação, incluindo as referentes à indústria 4.0 e demais instrumentos, como IoT, block chain, inteligência artificial, realidade aumentada, metaverso, entre outras.

Para o gerente comercial da Apema, ”a indústria já passou por um choque de automação devido principalmente ao acesso a hardwares e softwares mais eficientes ao longo dos últimos anos, mas, hoje, fala-se que a nova revolução é a da indústria 4.0. A medida que o monitoramento, análise e integração de sistemas, entre outros pilares avança, a tendência é que  tenhamos processos mais eficientes que demandam equipamentos mais eficientes. É um círculo virtuoso que está acontecendo e tende a crescer exponencialmente”.

Além disso, ao longo do tempo e cada vez mais, máquinas e equipamentos dão sua contribuição ao setor de Óleo e Gás, sempre via tecnologias mais sustentáveis e eficientes, que obedecem às devidas regulamentações e normatizações dos setores afins. Entre as principais demandas do setor, definitivamente estão soluções com melhor eficiência energética e que estejam alinhadas com os temas de descarbonização”, declara o supervisor Comercial da Divisão Química da Mayekawa do Brasi.l

Citando especificamente o segmento de atuação da Mayekawa, Mota reforça que, “na área de refrigeração industrial, podemos indicar também a demanda maior por soluções que utilizem fluídos refrigerantes naturais, como o propano e o dióxido de carbono. Na área de biogás, o reaproveitamento deste gás também está tendo uma demanda maior para que seja tratado e vendido como biometano, sendo considerado um gás natural verde, podendo ser utilizado como matéria prima para muitos produtos, entre eles, fertilizantes”.

O entendimento de que a diversificação de players deixa o mercado mais competitivo e desafiador, para o gerente comercial da Apema, “proporciona crescimento de mercado. As empresas de máquinas e equipamentos têm de  adaptar seus produtos e serviços para clientes com níveis de exigência diferentes, criando um ambiente de inovação e desenvolvimento de diferentes soluções”.