ME entrevista Alice Silva de Castilho, diretora do SGB

Operação de 17 sistemas de alerta beneficiando 84 municípios e cerca de 8 milhões de pessoas: uma das muitas atribuições do SGB

Alice Silva de Castilho, Diretora de Hidrologia e Gestão Territorial no Serviço Geológico do Brasil (SGB)

O Serviço Geológico do Brasil – SGB/CPRM, antiga Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, tem como missão gerar e disseminar conhecimento geocientífico com excelência, contribuindo significativamente para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável do Brasil. Para isso, é composto pela presidência e por quatro diretorias principais: Geologia e Recursos Minerais (DGM), Hidrologia e Gestão Territorial (DHT), Infraestrutura Geocientífica (DIG) e Administração e Finanças (DAF).

As atividades do SGB estão alinhadas com diversas políticas públicas, como a Política Nacional de Mineração, a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, a Política Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, a Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Política Nacional de Meio Ambiente.

Alice Silva de Castilho, como diretora da DHT, fala sobre a atividade desenvolvida e os benefícios para a sociedade, principalmente em época como esta, em que os efeitos das mudanças climáticas são cada vez mais presentes e impactantes.
Confira!

M&E – Como se estrutura a DHT e qual o seu papel na estrutura do SGB?
Alice Silva de Castilho –
Na estrutura organizacional do SGB, cada Diretoria desempenha papel vital em suas áreas de atuação. A DHT, em especial, dedica-se à ampla gama de atividades cruciais para o desenvolvimento do conhecimento hidrológico, planejamento territorial e prevenção de desastres. No Plano Plurianual 2024/2027, a DHT contribui para programas estratégicos como Mineração Segura e Sustentável, Gestão de Risco e de Desastres e Recursos Hídricos.
No âmbito específico da DHT, são quatro grandes áreas: Hidrologia, Hidrogeologia, Geologia de Engenharia e Geologia Ambiental, cada um com atividades específicas. A área de Hidrologia se concentra no monitoramento hidrometeorológico, na operação de sistemas de alerta de eventos críticos, como cheias e estiagens, e na realização de estudos e pesquisas hidrológicas. Essas atividades são essenciais para avaliação da disponibilidade hídrica e de seu uso sustentável e prevenção de desastres naturais, protegendo vidas, alertando cidadãos, o patrimônio e infraestrutura do País.
Na Hidrogeologia, a DHT realiza o monitoramento integrado de águas subterrâneas por meio da Rede Integrada de Monitoramento de Águas Subterrâneas (RIMAS) e gerencia o repositório de dados de poços perfurados no Brasil, conhecido como Sistema de Informações de Águas Subterrâneas (SIAGAS). Além disso, a área é responsável pela cartografia hidrogeológica e por estudos e pesquisas que visam também a avaliação da disponibilidade hídrica subterrânea e uso sustentável, um recurso vital para inúmeras atividades econômicas e para a sobrevivência humana.
A Geologia de Engenharia foca no mapeamento de riscos geo-hidrológicos, desenvolvendo cartas geotécnicas de suscetibilidade a movimentos de massa e inundações, de aptidão à urbanização e de perigo. Essa área também oferece capacitação em percepção de risco e prevenção de desastres, colaborando diretamente com a Defesa Civil e outros órgãos de gestão de riscos para mitigar os impactos de desastres naturais.
Já a Geologia Ambiental abrange a avaliação da geodiversidade e a geoquímica de baixa densidade, além da recuperação ambiental de áreas degradadas pela mineração de carvão em Santa Catarina. A DHT também atua na locação de aterros sanitários e no fomento ao geoturismo, promovendo a valorização das riquezas geológicas do Brasil e incentivando o turismo sustentável.

M&E – Quais os benefícios gerados pelas atividades desenvolvidas pelo SGB via DHT?
Castilho –
O SGB atua na área de operação de sistemas de alerta de cheia há 30 anos, e de estiagem há 10 anos, sendo que há mais de 50 anos tem sob sua responsabilidade grande parte da operação da Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN), gerenciada pela ANA.
Os produtos e serviços do SGB são essenciais para uma variedade de clientes, incluindo a Defesa Civil, o Centro de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), o Ministério das Cidades, governos estaduais e municipais e diversas instituições de planejamento territorial.
Atualmente, opera 17 sistemas de alerta, beneficiando diretamente 84 municípios e cerca de 8 milhões de pessoas, com previsões dos níveis e vazões dos rios que serão atingidos.
Na operação dos sistemas de alerta, o SGB acompanha a previsão meteorológica e climática elaborada por instituições no Brasil, tais como INMET, CPTEC, bem como centros de meteorologia internacionais.
Especificamente na área de hidrologia e hidrogeologia, a sociedade em geral se beneficia com os dados fornecidos pela RHN e pela RIMAS. Esses dados são fundamentais para a avaliação da disponibilidade hídrica, dimensionamento de estruturas hidráulicas, navegação, lazer e operação de sistemas de alerta de eventos críticos.
Todas as informações coletadas e produzidas são disponibilizadas no site do SGB no Sistema de Alerta de Eventos Críticos (SACE) e enviado por e-mail para instituições parceiras (ANA, Cenaden, Cenad, Defesa Civil Estadual e Municipal, órgãos gestores) de acordo com protocolo estabelecido, com interação do SGB diretamente com as defesas civis municipais, auxiliando nas decisões.

M&E – O monitoramento hídrico pode evitar tragédias como a que ocorreu recentemente no Rio Grande do Sul?
Castilho –
A definição de manchas de inundação é outro trabalho de extrema relevância, pois, por meio do levantamento da área atingida por uma grande inundação e modelagem hidráulica, é possível reproduzir a área inundada para diversos níveis e períodos de retorno.
Importante destacar que os sistemas de alerta não são capazes de evitar a cheia ou seca, logo, não evitam danos às estruturas, especialmente em cheias extraordinárias, como aquelas que foram registradas recentemente no Rio Grande do Sul.
O SGB, por meio da DHT, não age diretamente, mas promove o mapeamento das áreas de risco geológico no Brasil, de forma complementar aos municípios e estados e entrega aos municípios produtos resultantes do mapeamento das áreas de risco geológico no Brasil, cabendo aos municípios as ações para retirada das populações de forma definitiva ou antes das precipitações intensas.

M&E – Nesse contexto, qual o papel dos sistemas de alerta sobre os riscos existentes?
Castilho –
Os sistemas de alerta de eventos críticos são medidas não estruturais utilizadas para diminuição de prejuízos econômicos e para evitar perdas de vidas humanas. A operação dos sistemas de alerta é composta pelas etapas: acompanhamento da previsão meteorológica (cheias) e climatológica (secas); verificação da previsão meteorológica/climatológica por meio de monitoramento de chuva e de nível/vazão dos rios; elaboração de previsão hidrológica de níveis e vazões dos rios que serão atingidos; divulgação das informações do monitoramento de previsão por meio de boletins e auxílio às defesas civis na tomada de decisão.
No monitoramento hidrológico e operação de sistemas de alerta observa-se o reflexo das precipitações e vazões em função da sazonalidade do clima; da variabilidade interanual decorrente de processos atmosféricos e oceânicos (exemplos são El Nino e La Nina, Oscilação do Pacifico e Atlântico) e estamos observando um aumento da frequência de eventos extremos, especialmente na última década no Brasil, que pode estar associado aos efeitos das mudanças climáticas.
Da mesma forma que para cheias, os sistemas alertam quanto à estiagem, sendo que neste caso, de modo geral, é possível prever os acontecimentos com muitos meses de antecedência, favorecendo a preparação para o enfrentamento.
No caso específico do Pantanal, no final de fevereiro de 2024, o SGB enviou o primeiro alerta em relação à estiagem severa, para que autoridades nacionais e locais, além do setor produtivo, pudessem adotar medidas preventivas. Essa estiagem é similar às de 2020 e 2021, que afetaram a navegação, aumentaram os incêndios e dificultaram o acesso à água,

M&E – Listado como o país mais rico em recursos hídricos do mundo. Mesmo assim, é fundamental promover o uso responsável dos recursos hídricos. Como conscientizar e conciliar essa dualidade?
Castilho –
Por ser reconhecido mundialmente por sua vasta riqueza em recursos hídricos e minerais, o Brasil tem responsabilidade no aproveitamento sustentável desses bens preciosos.
Diante desse nosso diferencial, é importante investir na minimização do consumo e perdas dos recursos hídricos, além de maximizar o reuso, a recirculação e o tratamento de efluentes.
O desenvolvimento do País, o crescimento de setores como do agronegócio, a expansão da mineração em apoio à transição energética, a indústria em geral e o abastecimento público têm aumentado a demanda por recursos hídricos. Simultaneamente, os impactos das mudanças climáticas ameaçam reduzir a disponibilidade de água durante os períodos secos.
Para enfrentar esses desafios, é essencial que novas formas de concessão de outorgas sejam estudadas, garantindo o acesso à água para todos, especialmente em tempos de escassez.

A estrutura do SGB abrange monitoramento e gestão territorial e de recursos hídricos. Entre as atividades, controle de sistemas de alerta de cheia e de estiagem e operação da Rede Hidrometeorológica Nacional. Hoje, busca a expansão da atuação via redes dedicadas custeadas pelo setor beneficiado.

M&E – Qual a contribuição do monitoramento nesse contexto?
Castilho
– Para garantir o uso dos recursos hídricos por todos, é necessário investir no conhecimento hidrológico (monitoramento, estudos e pesquisas).
O monitoramento hidrológico em tempo real e os prognósticos de chuva e vazão são ferramentas fundamentais para auxiliar os gestores de recursos hídricos na tomada de decisões. O monitoramento destes recursos hídricos em diversas escalas, pode assegurar uma gestão mais eficaz e equitativa, beneficiando a população e o setor produtivo, contribuindo para a preservação destes recursos para as futuras gerações.

M&E – Irrigação, abastecimento humano, consumo industrial e dessedentação de animais são os setores que mais captam e consomem água no País segundo os Relatórios Anuais de Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil publicados pela ANA. Como disciplinar o uso dos recursos hídricos?
Castilho –
O Brasil, por ter dimensões continentais, tem uma diversidade climatológica, de biomas e de densidade populacional, registrando, desta forma, grande variação da disponibilidade hídrica e das demandas no País.
A água é um insumo para os setores econômicos. Existem instrumentos para disciplinar o uso da água como outorga (autorização para o uso da água), cobrança de pelo uso da água (captação/consumo/lançamento) e padrões para lançamento de efluentes. Portanto, há uma crescente conscientização quanto ao uso, em função da competição entre usos, alguns mais nobres como, abastecimento humano, especialmente durante as estiagens severas. Mas também pela questão econômica: cobrança pelo uso da água e mecanismos de comando e controle em função dos padrões de lançamento e volumes outorgados.
O setor de irrigação tem investido na eficiência da irrigação, diminuindo os volumes captados. O setor industrial, incluindo a mineração, tem investido no tratamento de efluentes, recirculação e reuso.

M&E – O Marco Legal do Saneamento pode contribuir para o uso responsável?
Castilho –
O Marco Legal do Saneamento contribuirá para a sustentabilidade do uso dos recursos hídricos basicamente de duas formas: na diminuição do consumo, em função da diminuição das perdas nas redes de distribuição, atualmente no Brasil da ordem de 40%; e na melhoria da qualidade da água em função do tratamento dos esgotos, atualmente no Brasil da ordem de 50%. Com isto haverá um aumento da oferta hídrica, quer seja pela diminuição do consumo, quer seja pela melhoria da qualidade da água.

M&E – Como é feito o monitoramento dos recursos hídricos no Brasil e quais os avanços?
Castilho –
O monitoramento hidrometeorológico é feito por equipamentos convencionais, automáticos e telemétricos. As leituras nos equipamentos convencionais são feitas pelos observadores hidrológicos. Nos equipamentos automáticos os registros são contínuos e nos telemétricos as informações são transmitidas em tempo real por celular, rádio ou satélite. Os equipamentos que medem chuva são os pluviômetros, os que medem nível são réguas linimétricas, sensores de nível e radares.
As técnicas de monitoramento estão evoluindo, especialmente com o avanço do sensoriamento remoto, que está sendo usado para obter variáveis hidrológicas tais como precipitação, evapotranspiração, turbidez, nível dos rios e umidade do solo, aumentando consideravelmente o número de pontos monitorados. No entanto, essas técnicas inovadoras precisam ser validadas com dados de campo para garantir precisão e confiabilidade das informações.
O monitoramento eficaz é fundamental para a avaliação de recursos hídricos e está integrado à Política Nacional de Recursos Hídricos, abrangendo todas as fases do ciclo hidrológico: atmosférica, superficial e subterrânea. Contudo, o País enfrenta desafios nesta área.

M&E – Quais os caminhos para entender a diversidade climática deste país?
Castilho –
A Organização Meteorológica Mundial (OMM) recomenda uma densidade mínima de estações para entender melhor a hidrologia de uma região, levando em conta o clima, relevo e condições de acesso. Atualmente, está em aprovação na Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) uma resolução que contabiliza todas as estações existentes: Estações da RHN financiadas pela União, gerenciadas pela ANA e operadas em grande parte pelo SGB; Rede do setor elétrico (resolução conjunta ANEEL/ANA); Rede climatológica do INMET; Rede de monitoramento de desastres do Cemaden; Redes estaduais e Redes setoriais (navegação, abastecimento público, entre outros). Apesar da resolução computar cerca de 23 mil estações hidrometeorológicas, muitas não estão em operação. Portanto, é essencial expandir a rede de monitoramento hidrometeorológico.
Ao mesmo tempo, é importante ressaltar que essa expansão deve muitas vezes ter um foco específico, atendendo às necessidades de setores determinados. Por exemplo, o setor de mineração precisa de uma rede dedicada nas províncias e distritos mineiros, financiada pelo próprio setor, conforme previsto no Plano Nacional de Mineração 2050 (PNM 2050).

M&E – Quais os gargalos para a montagem dessas redes dedicadas?
Castilho –
Quando uma empresa do setor mineral decide se instalar em uma região, ela avalia a disponibilidade hídrica superficial e subterrânea para atender suas demandas, considerando os usos atuais e futuros da região. Essa avaliação inclui a necessidade de construção de reservatórios e, às vezes, até a captação de água em outras bacias vizinhas. Em muitos casos, as estações de monitoramento hidrológico existentes não são suficientes para esta avaliação e dimensionamento de estruturas, devido à distribuição espacial inadequada.
Portanto, é necessário instalar uma rede setorial que promova o monitoramento em uma escala adequada, especialmente para a mineração, na qual as estruturas são dimensionadas em pequenas áreas de drenagem, frequentemente sem pontos de monitoramento da RHN.
Diante disso, para enfrentar esses desafios, é essencial criar mecanismos de colaboração entre as esferas pública e privada como padronização dos monitoramentos, testes de equipamentos de monitoramento, bem como criação de repositório dos dados de monitoramento ambiental dos empreendimentos minerários, conforme previsto no Plano Nacional de Mineração 2050.
Essa colaboração é importante para auxiliar no avanço do conhecimento hidrológico, permitindo o dimensionamento de estruturas mais eficientes e seguras utilizadas na mineração.