Ensinar, educar, para usufruir os benefícios da reciclagem

Na melhor das hipóteses, o debate sobre uso, destinação final e reaproveitamento do plástico permanecerá ativo por décadas. Foi entusiasmado no passado, permanece atualíssimo e deverá manter-se no centro das discussões das sociedades modernas por tempo não previsível. E tudo por conta de posicionamentos irreversíveis, nem sempre calcados em conhecimentos técnico e/ou científico plausíveis. Volta e meia os noticiários referem-se a um inconveniente particular, uma desaprovação específica, uma exigência pontual, que acaba por elevar o ‘plástico’ – de forma genérica – à condição de vilão de acaloradas e intermináveis discussões.

Do ponto de vista quantitativo não resta a menor dúvida que esse debate envolve totalizações surpreendentes. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), fundação pública federal vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, os resíduos sólidos tornaram-se, não sem razão, um dos principais problemas em termos de planejamento urbano e gestão pública. Estudo realizado por Sandro Pereira Silva, técnico de Planejamento e Pesquisa da fundação, inclui estimativas preocupantes. Publicado em janeiro deste ano, o trabalho informa que o Brasil gera, diariamente, 160 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos, das quais 30% a 40% “são considerados passíveis de reaproveitamento e reciclagem”. Entretanto, por ser um setor ainda pouco explorado, apenas 13% desses resíduos são encaminhados para a reciclagem.

Em termos de recursos, o potencial ambiental e econômico desperdiçado com a destinação inadequada de plástico chega a aproximadamente de R$ 6 bilhões por ano. Outro número igualmente interessante, no Brasil a coleta de lixo é realizada em pouco mais de 90% dos municípios, porém, a coleta seletiva, que recolhe o material a ser reciclado, não chega a 15% deles. Muitos dos materiais que poderiam ser reciclados no Brasil ainda são destinados a aterros e lixões, incluindo o plástico, que representa 16,5% (estudo realizado por Sandro Pereira Silva, IPEA, janeiro/2017) do total de resíduos sólidos gerados e é o principal produto reciclável enterrado e não tem destinação correta para reciclagem.

Usina de reciclagem

Atualíssimo, o tema da reciclagem do plástico (inserido no amplo contexto da sustentabilidade socioambiental) suscita ‘amor’ e ‘ódio’ quase na mesma intensidade e proporção, dependendo de qual lado estejam os debatedores. Na Feira Internacional do Plástico e da Borracha, organizada pela ABIMAQ a ser realizada no São Paulo Expo Center, entre os dias 20 e 24 de março deste ano, o tema estará presente e fará parte das discussões. Mais ainda. A feira contará com um estande de 300 m2, que, dividido ao meio, abrigará uma exposição da importância e uso do plástico na vida dos cidadãos modernos, e uma usina completa e ativa de reciclagem (não apenas do material ‘produzido’ internamente pela mostra, como também de fardos de material já separado em coleta seletiva municipal). A ousada iniciativa é a ‘resposta educativa’ do Instituto Sócio-Ambietal dos Plásticos (Plastivida) aos desafios gerados pelo uso imensurável e essencial do plástico pela sociedade moderna.

Não há dúvida alguma sobre os benefícios decorrentes da reutilização (pelo reprocessamento) dos vários tipos de plásticos consumidos. Um ‘perfil’ elaborado há algum tempo por um conjunto de entidades sobre a reciclagem de material plástico no Brasil informa que: cada tonelada de produto plástico reciclado registra benefício econômico da ordem de R$ 1.100,00; o benefício ambiental gerado é de aproximadamente R$ 60,00; consegue-se reduzir o equivalente a 1,5 toneladas de emissão de gás de efeito estufa (GEE); além de permitir a diminuição de 450 litros no consumo de água. Os usos e benefícios proporcionados pelos vários tipos de plásticos são explícitos e notórios. Tanto quanto o uso e importância da ‘energia elétrica’ para as sociedades modernas, o plástico já se incorporarou definitivamente à vida cotidiana dos cidadãos. Mesmo assim há forte rejeição aos resíduos gerados por esses materiais.

“A razão é simples”, explica Miguel Bahiense Neto, presidente do Plastivida: “Imagine que, pelos mais variados motivos, um hipotético cidadão decide adquirir determinado produto e dirige-se a uma loja e quanto mais se aproxima da compra final, mais entusiasmado fica pelo ‘espetáculo’ que envolve o produto desejado, seja pela embalagem, a maneira como está exposto, ou, ainda, pelo material predominante na confecção do produto desejado”, continua ele. Em todas as etapas do processo de compra “esse hipotético cidadão esteve em contato direto com vários tipos de plásticos presentes a todo o esforço mercadológico para manter o cliente atraído pelo produto desejado”, salienta.

Uma vez adquirido o produto, porém, começam as dificuldades. Em casa, ou, em qualquer outro local, o indivíduo retira o produto da embalagem. E, aquela sofisticada ‘moldura’ que envolvia o ‘objeto do desejo’, transforma-se, de um momento para o outro, em um desagradável monte de material inútil, que precisa ser descartado. Esse mesmo hipotético cidadão, que antes estava seduzido por todo o conjunto do produto, agora não sabe como dispor e o que fazer com o que sobrou da embalagem destruída, rasgada, amassada. Pior ainda. A mesma condição poderá ser replicada ao produto comprado num futuro não muito distante. Ou seja, no cotidiano da vida moderna, o cidadão comum não sabe, normalmente, o que fazer com vários materiais consumidos diariamento, incluindo os vários tipos de plásticos. “E, aquilo que, antes, era um ‘objeto do desejo’, transforma-se rapidamente em ‘peso’ para o cidadão médio (brasileiro, ou não) que não sabe como dispor dos mais variados tipos de plásticos que fazem parte de seu dia a dia”, completa o executivo da Plastivida.

Do ‘amor’, ao ‘ódio’

“Nossa relação com o plástico varia muito e percorre uma sequência tênue e inevitável, que vai do ‘amor’, representado pelo interesse, envolvimento, sedução que o produto exerce sobre o comprador em conjunto com todas as demais situações e subprodutos envolvidos (como embalagens, displays e mostruários, entre outros), ao ‘ódio’ no pós-uso por não saber o que fazer para dispor as embalagens, dispositivos, acessórios e até mesmo o produto principal, de maneira adequada”, explica o presidente da Plastivida. Tal ralação repete-se diariamente em todos os cenários possíveis e imagináveis – no calçadista, mobiliário, saúde, transporte, educação (com canetas, por exemplo), bancário, ou alimentação. Neste último caso, Miguel Bahiense traz à discussão o exemplo de um isotônico, cuja embalagem é inovadora, bem projetada, leve, resistente, ergonômica, realizada em cores incríveis, mas, que, ao final do conteúdo, passa a ser um ‘estorvo’ a ser descartado.

E de quem é a culpa por tanto descontentamento assim em relação ao pós-uso do plástico? “Em primeiro lugar, não dá para sugerir uma lista de obrigações e responsabilidades”, esclarece Miguel Bahiense. A ‘culpa’, que neste caso poderia também ser chamada de ‘responsabilidade’, “certamente está distribuída por todos os participantes da cadeia de valor, incluindo até mesmo o usuário final”, acrescenta o executivo. Espraia-se por toda a cadeia produtiva, chegando aos usuários finais dos produtos confeccionados em plástico, passando pelo poder público, escolas e a própria família. Todos, em conjunto e em particular, têm uma parcela de responsabilidade pelo entendimento não ideal sobre os benefícios, utilidades e importância de toda a cadeia industrial do plástico, finalizando com o descarte e/ou reprocessamento do resíduo.

O plástico é conhecido e largamente utilizado pelas sociedades modernas por suas inúmeras características representadas, entre tantas outras, por economia de energia, praticidade, eficiência técnica, leveza, segurança, resistência às intempéries, impermeabilidade, alto desempenho, baixo custo por peça e até sustentabilidade (em alguns casos). Apesar dessas qualidades e benefícios, todos bem conhecidos e ‘usufruídos’ diariamente pela sociedade, “o mesmo plástico que, num momento desempenha um papel especial na vida do cidadão, transforma-se, em seguida, num material indesejável pelo mesmo cidadão, quando o material atinge a fase do pós-uso”, resume Miguel Bahiense.

Informar, ensinar

“A questão essencial, que permeia toda essa sequência de distorções, concentra-se no ‘desconhecimento geral’, principalmente sobre as formas mais adequadas para o descarte daquele material feito em plástico”, explica Bahiense. E é exatamente nesse instante que se revelam os flancos que não só poderiam mas, deveriam, ser preenchidos pelos elos da cadeia, informando, ensinando, orientando sobre como, quando e onde descartar os vários tipos de plásticos. “Não há dúvidas de que as sociedades modernas já absorveram as características, propriedades, qualidades e benefícios do plástico”, continua ele. “ Essa percepção existe e está arraigada no meio das sociedades modernas”, diz Bahiense.

A questão nevrálgica, essencial e polêmica, que enfrentamos hoje todos os ‘representantes’ inseridos na cadeia do plástico, consiste em como transportar essa percepção positiva que as sociedades modernas desenvolveram sobre o plástico, para o descarte desses materiais”, acrescenta. Pois, “é exatamente nesse momento crucial, no pós-uso do plástico, que se revela a grande contradição – a mesma sociedade, que antes reconhecia e usufruía os benefícios dos materiais plásticos, no pós-uso esquece-se facilmente das vantagens proporcionadas pelas resinas plásticas transformadas e assume um sentimento negativo em relação a produtos e matérias que até bem pouco tempo eram acolhidos com simpatia”, sintetiza Miguel Bahiense.

De fato, trata-se de um paradoxo que perdura pelos anos, a contradição entre as duas fases e os dois entendimentos opostos que o consumidor final do plástico tem em relação às resinas plásticas transformadas. E não apenas Miguel Bahiense, como inúmeras outras autoridades envolvidas com os vários estágios da cadeia produtora e transformadora das resinas plásticas, insistem em afirmar que uma mudança séria de consciência em relação aos usos, consumos e descartes do plástico depende, prioritariamente, de ações isoladas, ou em conjunto, que “informe, ensine e eduque o consumidor final quanto ao destino final do plástico”, argumenta o presidente da Plastivida.

E, se nada sensibilizar a sociedade civil em relação ao destino correto que precisa dar aos seus descartes diários, talvez seja prudente reforçar uma informação bastante simples e, ao mesmo tempo, preocupante. Nos últimos anos consumiu-se no Brasil aproximadamente 2,7 milhões de toneladas em embalagens plásticas, das quais 93% são relativas às embalagens pós-consumo. No geral, calcula-se que o Brasil recicle pouco mais de 20% de todo o material plástico descartado. O Brasil produz anualmente o equivalente a 160 milhões de toneladas anuais de lixo urbano. Destas, 16,5% (como mencionado no início) representam o total do plástico incluído no lixo. Logo, o País recicla entre 4,5 milhões de toneladas e 4,8 milhões de toneladas anuais de plástico. Não apenas o percentual é sabidamente reduzido, quanto o volume total do plástico reciclado também é baixo, se comparado ao volume total de lixo urbano produzido e o de plástico nele contido (pouco mais de 22 milhões de toneladas anuais). Tal preocupação, evidentemente, decorre do crescimento projetado para a população brasileira no futuro imediato e o consequente aumento da sua produção de lixo urbano.