As notícias não são alentadoras para o Brasil, quando a atenção concentra-se em Eficiência Energética (EE). Pelo último ranking internacional elaborado pela American Council for an Energy Efficient Economy (ACEEE), conselho sediado em Washington D.C. e que avalia os países sob o prisma da eficiência com que consomem suas alternativas energéticas, o Brasil ocupava o extremo final das duas últimas listagens oficiais da entidade. Em 2014, de acordo com o International Energy Efficiency Scorecard, ranking que leva em consideração quatro pilares – Políticas Públicas; Edificações; Transporte; e Indústria – o Brasil classificou-se em 12º lugar entre treze (13) nações avaliadas. Em 2016, o Brasil saltou para a 22ª posição, entre 23 nações analisadas.
Tal desempenho implica reconhecer que o Brasil – como o conjunto da sua sociedade civil e suas atividades públicas e privadas – não presta a devida atenção na forma como consome suas inúmeras alternativas energéticas para transformação final em ‘facilidades’ como iluminação; combustão; recursos para higiene, limpeza e consumo humano (no caso da água); produção de vapor industrial e ar comprimido; aquecimento e refrigeração; acionamento mecânico etc. No Brasil as alternativas energéticas e as opções de geração variam enormemente em ‘quantidade’ e ‘qualidade’ cobrindo praticamente todo o espectro das fontes renováveis e não renováveis. Distribui-se fartamente dos derivados de combustível fóssil (petróleo e seus derivados e gás natural), à energia elétrica (gerada por fontes hídrica, eólica, solar e térmicas a óleo, carvão, ou nuclear), passando pelo biocombustível e inúmeras biomassas.
E é provavelmente por dispor de fontes praticamente inesgotáveis – renováveis e não renováveis – e viver sob a ineficácia das políticas públicas, que a nação brasileira não ocupe posições mais elevadas no International Energy Efficiency Scorecard, da ACEEE. Essa, ao menos, corresponde a uma das primeiras análises feitas sobre o uso/consumo racional dos insumos energéticos no Brasil pela Associação Brasileira de Empresas de Serviço de Conservação de Energia (Abesco), entidade civil, sem fins lucrativos, que representa oficialmente o segmento de eficiência energética brasileiro. Entidade, aliás, que não chega a desempenhar papel semelhante ao da ACEEE, nos Estados Unidos, muito embora tenha como meta praticamente os mesmos objetivos.
Mas, é bom que se esclareça de imediato: ‘Eficiência Energética’ não significa a simples redução do consumo de energia elétrica, embora também compreenda essa prática. Eficiência Energética significa, em última instância, a utilização não perdulária das várias alternativas energéticas ofertadas aos vários tipos de consumidores. Por definição, ‘Eficiência Energética’ representa a melhor relação – a mais racional, inteligente, eficiente e sustentável – entre a ‘quantidade’, o ‘volume’, do insumo energético ofertado para a realização de determinada atividade e a ‘quantidade’, o ‘volume’, efetivamente consumido para realização da tarefa em questão.
Meia Itaipu Binacional
De maneira ilustrativa e direta, comenta Alexandre Sedlacek Moana, presidente da Abesco, “somente em termos de energia elétrica o Brasil perde, anualmente, mais de 50.000 GWh, algo equivalente à metade da produção da usina hidrelétrica Itaipu Binacional, que atingiu geração da ordem de 103.000 GWh no ano passado”. Subdividida por rubricas, essa perda nacional espraia-se pelos setores Residencial (11% das perdas totais), Industrial (10%), Comercial (13%) e Outros, incluindo serviços e setor público (11%). Transformada em valores, essa perda nacional supõe um potencial de economia “da ordem de R$ 14 bilhões anuais”, calcula o presidente da Abesco levando em consideração percentuais e valores do custo de energia (sem impostos) médios para os últimos anos. Tal perda ganha expressão e produz impacto quando comparada aos consumos por unidades da Federação. Neste caso, “as perdas nacionais registradas ao longo de toda a cadeia da energia elétrica, incluindo geração, transmissão, distribuição e usos finais, equivalem aos consumos de energia elétrica dos Estados de Pernambuco e Rio de Janeiro juntos, durante um ano”, compara Alexandre Moana.
As perdas registradas pelo setor ‘Indústria’ até que não são propriamente alarmantes, quando comparadas aos demais segmentos consumidores de energia elétrica. E mais. Dentro desse segmento os percentuais de perda variam, de acordo com o tipo de consumidor final, em torno dos 10% médios registrados pela pesquisa da Abesco em parceria com Empresa de Pesquisa Energética, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Há modelos de indústria e segmentos produtivos no Brasil, explica o presidente da Abesco, “onde as perdas são mais sensíveis, da mesma forma que há outros mais atualizados, modernos, cujas perdas são inferiores ao patamar médio mencionado”. Por exemplo, o segmento compreendido pelas indústrias dos Plásticos e das Borrachas, “ao mesmo tempo em que não registram perdas tão consideráveis assim, expõem características de modularidade interna que permitem a implantação de certos arranjos nas linhas de produção e flexibilidade da carga horária de trabalho que acabam por resultar em ganhos imediatos quando atodam programas relacionados à Eficiência Energética”, explica Alexandre Moana.
Produtos mais baratos
Quando se analisa a questão da Eficiência Energética nacional, a primeira pergunta que emerge é: “quanto o consumidor economizaria na compra dos produtos finais, caso as empresas fabricantes realizassem programas eficientes de redução de suas perdas energéticas?” Segundo a Abesco, no caso particular da indústria de máquinas e equipamentos (e sem considerar as indústrias eletrointensivas), estudos já realizados dão conta de que “existe a possibilidade de reduções da ordem de 1,5%, na média, do valor do produto”. Colocada diante dos preços finais, diz o presidente da entidade, “essa redução média, da ordem de 1,5%, não representa algo digno de nota, capaz de ser ‘realmente sentido’ pelo consumidor na hora da aquisição do produto”.
Entretanto, “existem certos aspectos, que nós aqui da Abesco chamamos de ‘colaterais’, que resultam em benefícios diretos para a empresa/indústria que adote programa de eficiência energética”. Essas empresas, continua ele, “passam a ter maior e melhor controle sobre os vários consumos internos, resultando em programas de gestão energética muito mais efetivos e proveitosos”. Essas indústrias “passam a ter noção de como se comportam suas células consumidoras de energia (elétrica, principalmente) e como podem melhorar a gestão desse consumo ao longo de uma jornada de trabalho”.
Para ilustrar Alexandre Moana lembra-se do caso de uma indústria do setor de Plásticos atendida por uma associada da Abesco. Conta ele: “depois de análises internas chegou-se à conclusão que o simples ‘deslocamento’ do horário do almoço dos mais de 800 funcionários da empresa para 15 minutos mais tarde resultaria em ganhos diretos. O almoço foi transferido de horário e a empresa passou a economizar R$ 60 mil mensal na sua conta de energia elétrica”. Com o singelo deslocamento no horário do almoço houve a possibilidade de ‘desligamento’ da energia elétrica em locais e linhas que não precisavam ficar conectadas diretamente à rede e, com isso, a empresa acabou economizando os R$ 60 mil mensais. Que acabaram sendo transformados em melhorias internas, incluindo o aumento da qualidade dos serviços de alimentação. Em síntese, a redução média de 1,5% nos preços finais dos produtos confeccionados pelas ‘Indústrias’ pode não ser – aparentemente – tão significativa assim. Porém, a adoção de programas, projetos e planos que resultem em aumento da ‘eficiência energética’ permitem às empresas melhorar a gestão dos usos/consumos dos seus vários insumos energéticos, culminando com outras economias e reduções de custos, estas sim, dignas de nota.
Mercado potencial
Pelos cálculos da Abesco, o mercado brasileiro de ‘eficiência energética’ tem potencial estimado de negócios da ordem de R$ 60 bilhões. Em outras palavras, entre as perdas, correções e melhorias que podem (e devem) ser feitas pelos brasileiros em todas as diversas categorias de consumos de fontes de energia, existe um mercado estimado em R$ 60 bilhões a ser explorado. Não com esse objetivo – mas, também para atender essa demanda – a Abesco, cujo principal objetivo reside em fomentar o mercado de eficiência energética no país, decidiu entrar na luta pelo consumo mais racional das fontes de energia disponíveis no País.
Entre as várias atividades realizadas pela entidade, uma ação em particular acabou por gerar a possibilidade de elevar o Brasil ao topo das referências globais quando o assunto for ‘eficiência energética’. Trata-se do ‘selo’ QualiESCO, que qualifica a empresa portadora da certificação como consumidora consciente, racional e sustentável das fontes de energia disponíveis. O Brasil, explica Alexandre Moana, “sempre comportou-se como ‘importador’ de soluções, no caso dos programas e projetos de redução dos custos pela eliminação dos desperdícios no consumo das várias alternativas energéticas disponíveis”.
No exterior, em nações que enfrentam dificuldades para suprir as demandas internas de energia, todo projeto industrial que se transforma em realidade traz embutido a obrigatoriedade de apresentar número relativo de profissionais contratados exclusivamente para comandar e controlar programas de gestão de energia. É o caso, por exemplo, do Japão, onde essa exigência é mandatária. No Brasil, a legislação não fixa pontos tão rígidos assim. Até porque exigências draconianas, comuns em alguns países, representariam mais gastos, mais custos, mais impostos incidentes sobre o projeto, sem que todas essas condicionantes resultassem em efetivos ganhos em termos de redução dos desperdícios das energias.
A partir de encontros, observações e reuniões até em nível de governo federal, via Ministério de Minas e Energia, “desenvolvemos uma forma alternativa para combater o problema da má gestão das alternativas energéticas – e, consequentemente, de combate o desperdício e o mau uso/consumo das energias disponíveis – diferente das propostas internacionais”, informa Alexandre Moana. Entre as principais vantagens da ‘solução brasileira’, chamada de certificação QualiESCO pela Abesco, está o mérito de não sobrecarregar as empresas interessadas em viabilizarem programas de ‘eficiência energética’ com custos extras exorbitantes, enquadramentos em alíquotas tributárias diferenciadas, ou imposições impraticáveis.
Mais ainda. Apresenta dinâmica ágil, fácil e rápida. E o melhor de tudo, possibilita ao cliente “dividir os riscos de implantação dos projetos de eficiência energética com a empresa certificadora, também chamada de ESCO, no aporte dos investimentos”. Essa garantia, aliás, encontra-se numa das páginas do sítio que a Abesco alimenta na internet. No parágrafo “Diferencial e Capacitação de uma ESCO” pode-se ler: “A principal diferença entre uma ESCO e uma empresa de consultoria e/ou engenharia tradicional é que a ESCO conhece e tem expertise em redução de custos com energia. E assume o compromisso (com o cliente) nos resultados do projeto, podendo compromissar sua remuneração com o sucesso dos resultados obtidos na redução dos custos do consumo de energia”.
Do Brasil para o mundo
A solução da Abesco foi tão bem aceita, dentro e fora do Brasil, que na última reunião da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, ligada à ONU) a revelação do tal ‘selo’ de certificação para a chamada ‘família ISO 50.000 – Gestão de Energia’ acabou entusiasmando os principais líderes da comissão. A ponto de terem sido iniciadas conversas para transformar essa certificação brasileira, instituída pela Abesco, em parâmetro para toda a América Latina. E, quem sabe, num futuro mais distante até mundial. “Com isso inverte-se uma tendência histórica do Brasil – a de importar soluções e produtos para equacionar dificuldades internas”, pondera Alexandre Moana. Se adotada pela Cepal a certificação QualiEsco, “o Brasil estará na condição de exportador de soluções em oposição à sua posição tradicional”, arremata ele. Em tempo: no Brasil, por exemplo, o BNDES já exige essa certificação para aprovar investimentos em novas plantas industriais.
Ao invés de oferecer soluções finalizadas, que comportam demoradas auditorias, diagnósticos, análises, intrincados programas de redução dos desperdícios, aquisição de novos equipamentos para gerar a almejada diminuição dos gastos com energéticos, “a alternativa da Abesco desconstruiu o problema e passou a sugerir uma certificação quanto aos programas de eficiência energética desenvolvidos pelas empresas”, explica Moana. Algo do que a sociedade brasileira conhece e identifica, hoje, em aparelhos e eletrodomésticos na forma de ‘selo’ do Procel/InMetro, que indica o grau de ‘consumo de energia’ do aparelho em questão. Enfim, “mudamos o conceito de diagnóstico e ação quando o assunto é a elaboração de programas de ‘eficiência energética’ e nosso ‘selo’, que qualifica a empresa sob a ótica da sua eficiência energética, foi a resposta brasileira em relação aos mesmos problemas de consumo elevado de energia em indústrias instaladas no exterior”.
E, como se consegue o tal ‘selo’ de eficiência energética pelo programa QualiESCO? O primeiro passo corresponde a entrar em contato com a Abesco e acessar o portfólio de empresas certificadoras. Detalhe importante, destaca o presidente da entidade, Alexandre Moana, em uníssono com Bruno Leite, assessor Executivo da entidade: “a Abesco ‘não’ vende projetos, ‘não’ vende soluções e/ou equipamentos e impede que as empresas ESCO apresentem tais práticas”. O projeto final, a solução final apresentada por uma ESCO, acrescenta Bruno Leite, “estará, sempre, firmada sobre a melhor alternativa, independente da marca dos equipamentos, instrumentos e acessórios indicados pela empresa certificadora”.
Hoje, o universo das empresas ESCO (de Empresas de engenharia especializada em Serviços de Conservação de Energia, ou, Energy Services Company, em inglês) ligadas à associação não ultrapassa a casa de meia centena. Para ser empresa ESCO, a interessada precisa submeter-se a um rigoroso alinhamento realizado pela Fundação Santo André, entidade independente de notório saber, que qualifica a interessada como certificadora. Só depois de aprovada pela Fundação Santo André a empresa ESCO pode atuar no mercado certificando outras empresas quanto aos programas e práticas internas relativas à eficiência energética. Por força do interesse despertado, tanto o número de empresas ESCO quanto o de entidades qualificadoras, tendem a aumentar nos próximos meses. Na linha de qualificação por parte da Fundação Santo André encontra-se um número considerável em empresas em vias de aprovação. Também o número de agente qualificador, de notório saber, deverá aumentar nos próximos dias, considerando-se que a USP/SP finaliza seus ajustes para transformar uma de suas unidades em entidade certificadora.