Entrevista: Ministério das Comunicações e o diálogo com o setor industrial

O setor industrial desempenha papel primordial na sociedade brasileira, gerando empregos e valor à economia nacional. Desta forma, o Ministério das Comunicações considera de fundamental importância a manutenção do diálogo com o setor industrial com vistas ao aperfeiçoamento constante das políticas públicas relativas ao setor.

Vitor Meneses, secretário de Telecomunicações do Ministério

Atual secretário-executivo de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Vitor Elisio Góes de Oliveira Menezes, nesta entrevista exclusiva para Máquinas & Equipamentos, fala sobre o andamento da licitação para o 5G pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, que, após consulta pública finalizada em 17 de abril, está revisando a proposta de edital, que deverá sair no primeiro semestre de 2021. Entre outros temas, enfoca as ações da Câmara Brasileira da Indústria 4.0. Também confirma que o Ministério das Comunicações considera fundamental “que haja disponibilidade de espectro para aplicações por parte da indústria”, assim como que seja mantido “diálogo com o setor industrial com vistas ao aperfeiçoamento constante das políticas públicas relativas ao setor”.

Advogado e Pós-Graduado em Regulação Avançada de Serviços Públicos de Telecomunicações (INATEL/UIT) e em Direito Administrativo e Gestão Pública (UNIEURO), Vitor Menezes é especialista em Regulação da Anatel (aprovado em concurso público de provas e títulos em 2007), tendo ocupado no órgão regulador os cargos de assessor da Presidência e superintendente de Outorga e Recursos à Prestação.
Boa leitura!

Máquinas & Equipamentos – Tecnologia na indústria de bens de capital mecânico é fundamental para aumento da produtividade e da qualidade. Realidade virtual, Machine Learning, digitalização das plantas, acesso e manutenção remotos são tecnologia cada vez mais presentes que, no entanto, dependem de conectividade e de avanços na área de telecomunicações. Qual o plano do Ministério das Comunicações para a implantação da tecnologia 5G?
Vitor Menezes –
A licitação de frequências para a telefonia móvel de quinta geração (5G) deve ocorrer no primeiro semestre de 2021, e as operadoras que as adquirirem devem ativar os serviços nessas novas frequências num prazo de até um ano. No entanto, essas mesmas operadoras já operam em outras frequências os serviços 4G, que podem ser atualizados para a tecnologia 5G. Algumas operadoras já estão começando a realizar essa atualização, com a possibilidade de oferta de serviços 5G ainda em 2020.

M&E – A quinta geração das redes celulares (5G) abre caminho para a próxima era na produção industrial, conhecida como “Indústria 4.0”, que visa a melhorar significativamente a flexibilidade, a versatilidade, a usabilidade e a eficiência das futuras fábricas inteligentes. Como está evoluindo esse assunto no âmbito governamental?
Menezes –
Em 2019, o então Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), formalizou, em parceria com o Ministério da Economia (ME) e outras instituições de governo, a criação da Câmara Brasileira da Indústria 4.0 (I4.0), com o objetivo de aumentar a competitividade e a produtividade da indústria brasileira através da manufatura avançada. A criação da Câmara da I4.0 insere-se no Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT), objeto do Decreto n. 9.854, de 25 de junho de 2019.
Além dos órgãos de governo e do setor público, participam da Câmara da I4.0 representantes dos setores empresarial e acadêmico. A Câmara da I4.0 está organizada em quatro grupos de trabalho, que possuem ampla participação do setor industrial: (i) desenvolvimento tecnológico e inovação (GT-Inovação); (ii) capital humano; (iii) cadeias produtivas e desenvolvimento de fornecedores; e (iv) regulação, normalização técnica e infraestrutura.
O Plano de Ação 2019-2022 da Câmara da I4.0 possui 12 ações estratégicas, subdivididas em 40 iniciativas cujas estratégias de implementação são estabelecidas e monitoradas pelos grupos de trabalho.

M&E – Como está o encaminhamento do edital de licitação para 5G, após a Consulta Pública nº 09, de 17 de fevereiro de 2020, pela Anatel, com as diretrizes para o leilão das faixas de radiofrequências previsto para ser lançado neste ano?
Menezes –
A Consulta Pública nº 9/2020 da Anatel, acerca do Edital de Licitação para redes 5G, foi encerrada em 17 de abril. Após passar por Consulta Pública, a proposta de Edital segue na Anatel para revisão, com base nas contribuições apresentadas, e modelagem econômica. Após isso, o Edital deverá passar por aprovação no Conselho Diretor da Agência e pelo parecer do Tribunal de Contas da União, para então ser publicado.

“Além dos órgãos de governo e do setor público, participam da Câmara da I4.0 representantes dos setores empresarial e acadêmico. A Câmara da I4.0 está organizada em quatro grupos de trabalho, que possuem ampla participação do setor industrial: (i) desenvolvimento tecnológico e inovação (GT-Inovação); (ii) capital humano; (iii) cadeias produtivas e desenvolvimento de fornecedores; e (iv) regulação, normalização técnica e infraestrutura.”

M&E – A ABIMAQ encaminhou proposta à Anatel solicitando que seja regulamentada faixa de 100 MHz na banda de 3,5 GHz para redes 5G privadas, visando à conectividade da futura IIoT (Industrial Internet of Things), que será fundamental no desenvolvimento econômico, atração de investimentos e aumento da competitividade do País. Como o Ministério das Comunicações se posiciona a respeito desse assunto?
Menezes –
O Ministério das Comunicações considera que é fundamental que haja disponibilidade de espectro para aplicações por parte da indústria, utilities e redes privadas, tendo inclusive estabelecido, na Portaria MCTIC nº 418/2020, a determinação para que a Anatel considere modelos de outorga de faixa de frequências, em caráter primário ou secundário, para este tipo de operação. Cabe ainda mencionar que a proposta de regulamento de uso da faixa de 3,5 GHz atualmente em Consulta Pública na Anatel prevê a possibilidade de uso da faixa para a prestação do Serviço Limitado Privado (SLP).
De toda forma, é preciso considerar que a disponibilidade de espectro para aplicações industriais não precisa ser, necessariamente, por meio de uma reserva de espectro na faixa de 3,5 GHz, uma vez que o uso eficiente do espectro é também um dos objetivos da regulação na prestação de serviços de telecomunicações em 5G. O próprio uso secundário de espectro, bem como o uso de faixas de radiofrequências mais altas hoje não utilizadas, trarão capacidade para ampliar significativamente a conectividade na indústria. Tampouco haveria impedimentos para que as operadoras de serviços de telecomunicações prestassem serviços de conectividade às indústrias por meio da faixa de 3,5 GHz, inclusive para a implementação de redes privadas. Por outro lado, uma eventual ampliação futura da faixa de 3,5GHz poderia trazer a oportunidade de reserva de banda adicional para esta finalidade, a depender de estudos por parte da Anatel.

M&E – O que o Ministério das Comunicações está pensando em termos de segurança cibernética para a rede 5G e o modelo de negócios? Será priorizado o ARPU (Average Revenue Per User)?
Menezes –
O Governo Federal vem discutindo a abordagem de segurança cibernética a ser adotada no Brasil, com a participação de órgãos como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o Ministério das Comunicações, o Ministério da Economia, o Ministério das Relações Exteriores, coordenados pela Presidência da República. No âmbito desse diálogo, já foi editada, pelo GSI, a Instrução Normativa nº 4, de 26 de março de 2020, que dispõe sobre os requisitos mínimos de Segurança Cibernética que devem ser adotados no estabelecimento das redes 5G.
Quanto ao modelo de negócios a ser adotado, cabe às próprias empresas vencedoras do leilão 5G definirem as estratégias econômicas a serem adotadas na exploração do negócio, uma vez que o serviço é prestado em regime privado. Entretanto, a política de telecomunicações vigente determina que, nos editais de licitação de uso de radiofrequências, seja priorizada a ampliação do acesso aos serviços de telecomunicações por meio do aumento da cobertura do serviço para áreas hoje não atendidas. Em outras palavras, serão definidos compromissos de abrangência, que deverão ser cumpridos pelas empresas vencedoras do leilão, por meio do investimento na cobertura da banda larga móvel e em redes de fibra óptica, em localidades sem atendimento, para suporte à prestação dos serviços. Desta forma, evita-se a realização de um leilão meramente arrecadatório, focando os investimentos das empresas na melhoria do serviço ao cidadão.

M&E – Que contribuição o Ministério das Comunicações espera do setor industrial representado pela ABIMAQ?
Menezes –
O setor industrial desempenha papel primordial na sociedade brasileira, gerando empregos e valor à economia nacional. Desta forma, o Ministério das Comunicações considera de fundamental importância a manutenção do diálogo com o setor industrial com vistas ao aperfeiçoamento constante das políticas públicas relativas ao setor. Desta forma, esperamos que, resultado dos esforços conjuntos, o setor industrial brasileiro esteja plenamente habilitado à Indústria 4.0 e a toda a cadeia de valor em tecnologia 5G, gerando produtividade, competitividade e externalidades positivas a toda a população.

As indústrias de máquinas e equipamentos e o 5G


Em 31 de março, os presidentes da ABIMAQ – João Carlos Marchesan, do Conselho de Administração, e José Velloso Dias Cardoso, Executivo – assinaram carta endereçada ao presidente da Anatel, Leonardo Euler de Morais, declarando o posicionamento da entidade com relação à Consulta Pública Nº 09 – ANATEL – Edital de Licitação de 5G.
As recomendações da ABIMAQ, que baseiam-se nos modelos adotados em países como Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e Japão, envolvem:

  1. Definição estratégica da abrangência, segurança jurídica, previsibilidade de custos para permitir investimentos em todo o País. Para a indústria a previsibilidade é fundamental, para dimensionar e controlar a sua capacidade produtiva, manutenção e logística, entre outros;
  2. Licenciamento de redes privadas industriais na faixa de 3,5GHz e 26GHz: a ANATEL deve reservar, regulamentar e garantir o uso efetivo de redes privadas 5G na faixa de 3,5GHz (3,7 – 3,8GHz) para aplicações industriais, do agronegócio e infraestruturas críticas. Cada indústria será responsável por realizar seus projetos técnicos e por validar as conexões em suas redes privadas em seus ambientes industriais (internos e/ou externos), onde não haverá interferências com outros sistemas, similar ao modelo da Alemanha. As redes privadas permitem que sites industriais controlem e gerenciem as suas próprias redes, permitindo alta confiabilidade, baixa latência e capacidade de reconfigurar a rede para atender novas necessidades;
  3. Duração da licença de uso das frequências: os preços devem ser acessíveis e a duração da outorga deve ser longa (ex. 10 anos) e renovável;
  4. Use ou devolva: após 01 ano da concessão da licença, esta poderá ser revogada caso não seja efetivamente utilizada;
  5. Aplicação simples e não burocrática: não indo além dos requisitos do processo de aplicação para redes locais para o serviço SLP;
  6. Neutralidade tecnológica: alternativa de usar outras tecnologias de rádio além do 5G nessa faixa de frequência, como por exemplo, o 4G, para implantação imediata;
  7. Fomentar investimentos em P&D e inovação, fundamentais para a transformação digital; e
  8. Viabilizar novos modelos de negócios com a adoção do 5G.