O Marco Legal do Saneamento é assunto antigo, mas não deixa de ser notícia, pois se mantém atual simplesmente pelo fato de parecer resolvido – o popular “agora vai” –, mas não estar equacionado.
A resposta vale a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033, como previsto pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), dependente de investimentos ao redor de R$ 35,6 bilhões ao ano apenas para construir as redes e o tratamento faltantes, capazes de levar coleta de esgoto às casas de 100 milhões de pessoas e água tratada a outras 35 milhões. Ou seja, é a garantia de que 99% da população brasileira terá acesso à água potável e 90% ao tratamento e à coleta de esgoto, reduzindo os despejos in natura em bacias e mares.
Há números ainda mais atraentes: a expectativa de que mais de R$ 700 bilhões devam ser investidos nos próximos anos em saneamento básico no Brasil, gerando cerca de 1 milhão de empregos e renda, movimentando a economia brasileira e fortalecendo a indústria nacional de equipamentos e de produtos focados nesse setor, abrindo oportunidades para o desenvolvimento de novas tecnologias e de mão de obra altamente especializada. Essa estimativa é endossada por Estela Testa, presidente do Sistema Nacional das Indústrias de Equipamentos para Saneamento Básico e Ambiental (Sindesam), do Conselho de Saneamento da ABIMAQ e do Conselho Temático do Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI.
O importante, no que diz respeito às empresas que fornecem para o setor e que há anos aguardam que o assunto se desenrole, é que o mercado começou a se movimentar e que, com veto ou sem veto, o ritmo mudou. Além disso, por parte de instituições financeiras de fomento, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) projetos começaram a caminhar e há um cronograma de licitações em andamento.
Outro movimento positivo foi a decisão do Fundo Clima de liberar para o BNDES recursos no valor de R$ 582 milhões, por meio do Ministério do Meio Ambiente, direcionados prioritariamente para investimentos em saneamento e recuperação de resíduos sólidos, com vistas à melhoria da qualidade de vida da população urbana.
Círculo virtuoso
No momento em que esta edição da Máquinas & Equipamentos estava sendo finalizada, pairavam ainda dúvidas sobre se os vetos presidenciais seriam ou não derrubados. No entanto, independentemente desses vetos, Estela Testa destaca que o Marco Regulatório também está atrelado à regulamentação da legislação, que “é o D+1 do arcabouço legal, e caberá à Agência Nacional de Águas (ANA) fazer esse trabalho. Esperamos que todos possamos contribuir e entender que o marco será um instrumento que reflete a necessidade do País e não interesses de grupos econômicos ou políticos”.
A nova legislação, para a presidente do Sindesam, chega em um momento “decisivo para encontrar caminhos de fato sólidos, para resolvermos questões essenciais como a universalização do tratamento de água e também de esgoto. A Covid-19 mostrou que, mais do nunca, temos de investir em saneamento para salvar milhões de vidas e eliminar lacunas que nos deixam tão vulneráveis a catástrofes globais como o novo coronavírus. É mais do que hora de tirar o País da 117º posição em rankings internacionais do setor e reduzir o abismo social hoje presente”.
O Marco Legal do Saneamento é um instrumento que reflete a necessidade do País de universalização dos serviços de água e esgoto até 2033e não interesses de grupos econômicos ou políticos. Os valores envolvidos são atraentes: a expectativa de que mais de R$ 700 bilhões devam ser investidos nos próximos anos em saneamento básico no Brasil, gerando cerca de 1 milhão de empregos e renda, movimentando a economia brasileira e fortalecendo a indústria nacional de equipamentos e de produtos focados nesse setor.
“Estamos todos fazendo a nossa parte para que esse círculo virtuoso traga benefícios para os brasileiros, as empresas nacionais que têm capacidade para atender o mercado, as empresas públicas brasileiras de saneamento básico que são hoje o alicerce do sistema e também para que a universalização se transforme em realidade nos próximos 20 anos”, prevê Testa, co
“Estamos todos fazendo a nossa parte para que esse círculo virtuoso traga benefícios para os brasileiros, as empresas nacionais que têm capacidade para atender o mercado, as empresas públicas brasileiras de saneamento básico que são hoje o alicerce do sistema e também para que a universalização se transforme em realidade nos próximos 20 anos”, prevê Testa, conclamando seus pares para que cada um faça a parte que lhe cabe, “sempre com o objetivo de garantir a todos o direito de acesso à água potável e tratada, tratamento de esgoto que gere benefícios às pessoas e ao meio ambiente, e que alavanque o parque industrial de produtos e serviços da área de saneamento”, resume.
Segundo Estela Testa, mesmo sem a definição sobre os vetos, o Sindesam vem trabalhando e acompanhando “os trabalhos do Comitê Interministerial de Saneamento Básico (CISB) para podermos manter nossos associados informados. A primeira reuniãoaconteceu em 26 de agosto, e teve a presença do deputado Enrico Misasi. Na ocasião, ficou estabelecido que a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Saneamento fará parte das reuniões ordinárias da CISB”.
Outro ponto alinhado por Testa diz respeito à reunião, na sede da ABIMAQ, com o Secretário Nacional de Saneamento, Pedro Maranhão, em 8 de setembro de 2020. Na ocasião, como relata a presidente do Sindesam, “cada um levou seu conhecimento para acelerar a Universalização do Saneamento realizando o Plansab até 2033. Dessa forma, ficou ajustado que realizaremos um trabalho junto à Secretaria para acompanhar e auxiliar no planejamento e no plano de ações para a implementação da universalização”.
A Covid-19 mostrou a necessidade de investir em saneamento para salvar milhões de vidas e eliminar lacunas que tornam a população e o País vulneráveis a catástrofes globais. É hora de tirar o País da 117º posição em rankings internacionais reduzir esse abismo social.
Na prática, significa que foi possível “apresentar as nossas ideias de como fazer o planejamento e o Plano de Ações; falamos sobre um programa de modernização das instalações já existentes; discutimos a capacitação de equipes técnicas de gestão, operação e manutenção, que será muito importante com o grande aumento de investimento no setor nos próximos anos”, resume Estela Testa, agregando aos assuntos tratados a apresentação da cadeia completa para panejamento, engenharia, fabricação e instalação das novas plantas a serem implementadas para universalização.
Essa reunião – definida pela presidente do Sindesam como muito produtiva – contou com a participação do presidente executivo da Entidade, Jose Velloso, do presidente da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), Gabriel Abouchar, e o diretor Joaquim Maia; do presidente da Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente (Apecs), Luiz Pladevall; e do vice-presidente do Sindesam, Fernando Pio; além de profissionais da Entidade.
Expectativas
Em 19 de agosto, durante o Fórum de Infraestrutura Grandes Construções, que debateu Saneamento e Tecnologia como a chave para o desenvolvimento, Ana Luiza Fávaro, sócia-fundadora da Acqua Expert Engenharia Ambiental e curadora do Núcleo Temático Conservação de Recursos Hídricos da BW Expo, Summit e Digital 2020, definiu como sendo curto o prazo para que tudo seja finalizado até 2033, “por isso, provavelmente, não será possível atendê-lo. Mas certamente haverá avanços até o período estipulado, pois há muita coisa a ser feita no segmento. Se houver problemas com relação a 2033, poderá ser estendido até 2040, mas para obter adiamento as empresas terão de comprovar tecnicamente suas dificuldades”, alertou.
As expectativas do setor, na visão da presidente do Sindesam, também passam por tirar do papel projetos de infraestrutura importantes para garantir saneamento básico para todos os brasileiros, impactando positivamente “na melhoria da saúde da população, principalmente dos mais carentes e que necessitam mais do amparo da rede pública”.
O economista, advogado e ambientalista Alessandro Azzoni também avalia o marco legal como positivo e reconhece a ação do governo, “com o chamamento da iniciativa privada” como importante conquista “universalizando o acesso, que é uma garantia constitucional”.
Para Luiz Gonzaga, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), o Marco Legal do Saneamento Básico abre “a possibilidade da criação de novos contratos e prevalecerá o processo de licitação dos serviços, permitindo maior competitividade e seu aprimoramento”.
Além disso, Gonzaga entende que será garantida a sustentabilidade financeira desses serviços essenciais para o meio ambiente e a saúde pública, o que é fundamental, pois, “hoje, a inadimplência das prefeituras no tocante à limpeza urbana já chega a R$ 18 bilhões, e só aumenta a cada dia. Este é mais um exemplo indicador da relevância do Marco Legal”.
A indústria confia e aguarda
Representantes das indústrias que atuam no setor de saneamento também entendem o Novo Marco Legal como um estímulo, como é o caso de Osvaldo L. Ferreira Jr. – diretor geral da Netzsch do Brasil, que afirma: “Há muitos anos, estamos à espera dessa oportunidade para ajudar o Brasil neste grande desafio que é alcançar a cobertura para população com água encanada e coleta de esgoto”. Para o diretor geral dessa fabricante de bombas de deslocamento positivo e trituradores – que possui linha completa para atender diferentes demandas, tanto para coleta como para tratamento de esgoto, bem como tratamento de água potável –, os vetos presidenciais aceleram o processo das concorrências, antecipando os investimentos.
Para José Donizete dos Santos – fundador e diretor-presidente da Aquastar, a nova legislação ativou um importante motor da economia com benefícios diversos. Seu otimismo se estende também aos vetos presidenciais, que entende como “importantes sobretudo na proteção de regiões onde investidores não ampliem os negócios com estudos de viabilidade negativos”. Soma a isso, o fato de os investimentos serem custeados por bancos nacionais, o que “também influenciará as tomadas de decisões”.
A universalização dos serviços de água e esgoto é garantia de que 99% da população brasileira terá acesso à água potável e 90% a tratamento e coleta de esgoto.
Comparando o Marco Legal a “uma forte injeção de dinheiro na economia do País”, Sebastião Cavagnolli Filho, da Auxtrat, entende que a nova legislação possibilitará às empresas privadas participação no projeto de universalização do saneamento “de forma ativa e pulverizada em todas as regiões do País”.
“Essa será uma fora de se contribuir para a melhoria da vida da população, favorecendo investimentos de empresas nacionais e aumentando a empregabilidade”, espera o diretor dessa fabricante nacional de canais de tratamento de desinfecção de efluentes de grande porte e produtos menores padronizados, do tipo plug and play, com sistema de desativação de bactérias, fungos e vírus via uso de lâmpadas ultravioleta, sem impacto ao meio ambiente.
“Este segmento já vem há muitos anos num crescimento muito acelerado, e todos os projetos novos tangem para a solução de automatização das válvulas e todos os outros instrumentos e equipamentos nas ETAs e ETEs. O comprometimento e as necessidades que o Marco do Saneamento impõe a todas as empresas gestoras da água e do esgoto, levará à grande demanda por equipamentos com alta tecnologia, fato que nos deixa muito tranquilos pelo fato de sermos uma empresa atualizada e voltada para a inovação, como herança do fundador e presidente Oskar Coester”, comenta o engenheiro Lairton Berger, gerente Comercial da Coester Automação, empresa que completou 60 anos em janeiro de 2020 e é especializada em sistemas de automação de válvulas industriais de qualquer modelo.
Contudo, essa posição não é comum a todos. Jeyson Berlanda, diretor da Infinium Automação, por exemplo, teme pela lentidão e engessamento do setor, resumindo suas expectativas ao afirmar: “A tentativa é de universalização do saneamento, no entanto o que se percebe claramente é que quanto mais leis, mais normas, mais tentativas de regulamentações, menos flexibilização se tem, quanto mais regulamentação mais burocrático o sistema se torna. Vamos torcer para que o já cansado sistema governamental burocrático consiga olhar para tudo isso e mudar”.
Reflexo na atividade – Diferentes posições também são expressas quando o tema é reflexo do Marco Legal na atividade das empresas. Enquanto para o diretor-presidente da Aquastar, “os resultados são imediatos, de forma que muitas das companhias do setor estão reativando projetos engavetados, com novos estudos de viabilidade, busca de novas e eficientes tecnologias”, o diretor geral da Netzsch do Brasil espera reflexos na atividade a partir do primeiro trimestre de 2021 e Berlanda, na expectativa de maior investimento para o setor, entende que devido ao próprio contexto internacional, que influencia a economia como um todo, a indústria no Brasil começará a sentir a movimentação do mercado em um ou dois anos. O principal reflexo, para ele, será a abertura de novos nichos de mercado.
No caso da Auxtrat, Cavagnolli informa: “Estamos começando a sentir os primeiros movimentos nesse último mês, entendemos que à medida em que esse processo evolua com mais intensidade, maiores serão as oportunidades”.
A expectativa da Coester com as respostas do mercado ao Marco também é significativa, afinal, “os projetos atuais ainda são investimentos de anos anteriores e possuem uma grande morosidade nas suas execuções. Temos muitos projetos ainda represados, impactados pela grande burocracia nos sistemas de financiamentos disponíveis no nosso mercado”, declara Berger.
Enquanto algumas empresas já começaram a computar resultados positivos, outras esperam que a atividade cresça a partir de 2021.
Neste momento, por exemplo, as consultas para novos projetos estão acontecendo “numa demanda relativamente alta, e esse fato é que nos traz uma grande esperança no sentido de alavancar a indústria nacional com ótimas encomendas, para as quais a Coester com a sua estrutura fabril atual e local está totalmente preparada para o futuro. Estamos investindo para que estejamos preparados para as novas e grandes demandas”, reforça.
O estímulo à concorrência, tanto da iniciativa privada como das estatais, que trará inovação e agilidade a este segmento, é lembrada por Ferreira como efeito esperado pelas indústrias do setor. A ampliação do portfólio de serviços e tecnologias disponíveis; investimentos em desenvolvimento de novas tecnologias tanto por parte de companhias públicas, quanto privadas; capacitação de mão de obra qualificada; abertura do mercado para projetos e negócios mais rápidos e com menos burocracia, é a expectativa de Donizete.
O diretor da Infinium – empresa especializada na produção de soluções de controle e monitoramento remoto de estações de bombeamento, captação e tratamento de água e esgotos – sinaliza, por sua vez, a possibilidade de nacionalização de equipamentos voltados para o saneamento em maior escala devido à formação de blocos de consórcios municipais que teoricamente seriam menos burocráticos e mais flexíveis com relação à implantação de novas tecnologias.
Desenvolvimento tecnológico – O Marco Legal, em resumo, mudará a vida de milhões de brasileiros e de inúmeras empresas que atuam no setor e aguardam o desenvolvimento da atividade.
Para o presidente da Aquastar – fabricante de produtos voltados ao mercado de coleta e bombeamento de efluentes em projetos e empreendimentos em situação de soleira negativa –, entre as principais mudanças a serem proporcionadas pelo Marco Legal à indústria, está o desenvolvimento de novas e eficientes tecnologias, sobretudo as de origem nacionais ampliando a capacitação e profissionalização do mercado, assim como o desenvolvimento de negócios de curto, médio e longo prazos, possibilitando planejamento de investimentos, por exemplo.
O Marco Legal do Saneamento Básico, até 2033, mudará a vida de 100 milhões de pessoas que não contam com água tratada e de a outras 35 milhões, que não têm esgoto. No entanto, bem antes disso, afetará positivamente também a vida das empresas do setor, que poderão investir de modo mais efetivo no desenvolvimento de novas soluções e tecnologias, com conquista de novos mercados e geração de 1 milhão de empregos.
Referindo-se especificamente à empresa que fundou e dirige, Donizete entende que o impactado promoverá ampliação do portfólio, “sobretudo na coleta e transporte de efluentes, que é o passo inicial para na sequência ocorrer o tratamento de efluentes; na capacitação do corpo técnico da companhia e no aumento do volume de negócios e market share”.
Nesse mercado que será gerado pelo Marco Legal, a tecnologia – frisa Berger – é um ponto de extrema importância, pois “cada vez mais as necessidades de automação são evidentes. Se formos comparar ao que existe mundo afora percebemos que precisamos estar sempre à frente para acompanhar a evolução. O resumo é que quem não estiver pensando na inovação e não se preparar, terá grandes dificuldades para seguir em frente”.
Cavagnolli também acredita no desenvolvimento de novos sistemas de tratamento, que “nos impactarão positivamente, uma vez que novas instalações serão desenvolvidas, gerando novas oportunidades de negócios”.