Em meio à ExposIbram 2021 – considerada uma das maiores feiras de mineração da América Latina e realizada 100% on-line de 5 a 7 de outubro –, Flávio Ottoni Penido – diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) concedeu entrevista exclusiva à Máquinas & Equipamentos, falando sobre as perspectivas de novos investimentos e negócios que conduzirão a expansão da mineração nos próximos anos no Brasil, com reflexos importantes para todos os fornecedores, como as indústrias de máquinas e equipamentos.
Fundamentada em bases sustentáveis, essa expansão já foi iniciada, com faturamento em contínua ascensão e plano de investimentos de US$ 38 bilhões a ser concretizado até 2025. Além disso, uma nova e robusta agenda ESG – sigla em inglês para environmental, social and governance (ambiental, social e governança, em português) – está caminhando celeremente, com uma ampla lista de boas práticas em áreas tais como segurança operacional e ocupacional, recursos hídricos, energia, relacionamento com comunidades, inovação, inclusão e diversidade. Nesse campo, está prevista a injeção de US$ 9,5 bilhões.
Exportação, tecnologia, mercados, controle de emissões de CO2, são alguns dos temas enfocados.
Confira nas próximas páginas. Boa leitura!
Máquinas & Equipamentos – Como vem evoluindo o faturamento do setor de mineração nos últimos anos e quais as principais causas do sucesso alcançado em 2020 após alguns anos de crise, na década passada?
Flávio Ottoni Penido – O faturamento vem aumentando continuamente. Esse comportamento acompanha alguns aspectos, como o crescimento da demanda internacional por minérios, a valorização das commodities minerais, a variação do dólar frente ao real, entre outros. A mineração é uma atividade cíclica e no momento passa por um ciclo positivo para investimentos e negócios pela conjugação desses fatores. No 1º semestre de 2021, por exemplo, o faturamento do setor praticamente dobrou – 98% – em relação ao 1º semestre de 2020, passando de R$ 75 bilhões para R$ 149 milhões. Na comparação entre os anos de 2020 e 2019 houve evolução de 36%.
M&E – Qual a posição da balança comercial do setor?
Penido – A tabela abaixo é referente ao 1º semestre de 2021 e expõe a situação extremamente positiva da balança comercial mineral e seu reflexo positivo no saldo comercial brasileiro. Na comparação com o 1º semestre de 2020 o saldo mineral cresceu 110%, contribuindo com 64% para o saldo total da balança comercial no 1º semestre deste ano.
M&E – Quais as perspectivas em termos de mercado interno e exportação para este ano e os próximos?
Penido – As perspectivas são positivas para mais investimentos e mais negócios em mineração, o que, certamente, induzirá extensas cadeias produtivas a também vislumbrarem bons momentos à frente. As mineradoras pretendem investir US$ 38 bilhões até 2025 no Brasil e Estados que antes eram mais tímidos em mineração, agora aparecem como importantes players. A Bahia é um exemplo. Nesses investimentos, a Bahia receberá US$ 11 bilhões ou 28% do total previsto para o País no setor. Estados mais tradicionais no setor, Minas Gerais receberá US$ 13 bilhões e Pará US$ 9 bilhões. E esses números devem crescer ainda mais. O Ibram vê com bons olhos, para isso ocorrer, a perspectiva de aumento da demanda por minérios por parte de países europeus e dos Estados Unidos, que anunciam obras de infraestrutura, além da constante aquisição por parte da China.
M&E – Quais os investimentos previstos no setor?
Penido – No valor de US$ 38 bilhões de investimentos até 2025 estão investimentos em cobre, ouro, minério de ferro, bauxita, níquel, fertilizantes, nióbio, além de outras substâncias como calcário, rochas ornamentais, vanádio e terras raras.
Também estão incluídos os investimentos em descomissionamento de barragens e implantação de alternativas para a disposição de rejeitos.
Além deste valor, o setor já anunciou investimentos em projetos de sustentabilidade, como redução de emissões, ações climáticas, energias renováveis entre outras ações. Esses valores superam a casa dos US$ 9,5 bilhões.
M&E – Em 2018, foi instituído o “novo” Marco Regulatório da Mineração. Qual a contribuição para o setor e qual a influência nesses resultados?
Penido – Foi possível fazer ajustes às regras, mas, infelizmente, as mudanças mais sentidas pelo setor foram em seus custos, com forte elevação. Isso porque foi alterada a base de cálculo do royalty recolhido pelas mineradoras. Antes o faturamento líquido era a base, mas isso mudou para o faturamento bruto, ou seja, o royalty, chamado CFEM, que é uma compensação pela exploração mineral, passou a incidir sobre atividades que não são propriamente mineração, como transporte, por exemplo. A longa discussão sobre essas mudanças no Código provocou interrupção e cancelamento de muitos investimentos e o Brasil chegou a perder protagonismo no mercado internacional de minérios para países concorrentes. O setor mineral é muito sensível a mudanças nas regras e se o setor perde investimentos e negócios, o País também perde.
M&E – Em termos de atualização tecnológica, qual a posição das mineradoras que atuam no Brasil, inclusive porque o setor é pulverizado e tem muitas pequenas mineradoras.
Penido – Mineradoras estão entre as empresas mais avançadas em inovação tecnológica. A mineração tem se tornado cada vez mais conhecida como sendo uma indústria de grandes inovações tecnológicas. A imagem de uma indústria de atividade arcaica e rudimentar tem sido deixada para trás, graças aos avanços de processos produtivos mais sustentáveis, com melhores índices de produtividade, melhores relações com as comunidades em seu entorno, aumento da preservação ambiental, etc. Como tendências e desenvolvimentos em andamento e já implementados, podem-se citar:
- sistemas ferroviários autônomos;
- robótica de sistemas aprimorados para perfuração e desmonte na lavra;
- uso de drones e robôs autônomos em rede, para monitoramento de operações;
- truckless mining, que consiste na substituição de caminhões por correias transportadoras;
- análise de dados (big data) e internet das coisas (IoT);
- tecnologia de processos com foco no aumento da recuperação dos minérios de interesse, desumidificação de minérios, hidrometalurgia, bioprocessamento, mitigação de riscos, impactos ambientais, recuperação e reaproveitamento de resíduos, redução ou eliminação de água utilizada nos processos, novos sistemas e tecnologias de construção de barragens, mecanismos inovadores de fechamento de mina e reabilitação de áreas degradadas; e
- alternativas de fontes renováveis de energia.
Sempre de olho em aprimorar o desenvolvimento tecnológico, as mineradoras, o Ibram e fornecedores criaram o Mining Hub – www.mininghub.com.br – para incentivarem startups a apresentarem soluções tecnológicas para diversos processos do setor mineral. São soluções que podem ser compartilhadas. A participação dos fornecedores, como os de máquinas e equipamentos, tem sido muito importante, porque eles se situam mais próximos de seus clientes diretos e apoiam a busca de soluções e, ainda melhor, fazem parte dessas soluções.
M&E – Há um garimpo ilegal, que prejudica o meio ambiente e gera outros inúmeros problemas, como violência, por exemplo. Como o Ibram vem trabalhando nesse sentido?
Penido – A invasão de terras e a ação humana totalmente desprovida de cuidados com o meio ambiente e as pessoas estão entre os piores problemas ambientais que o Brasil enfrenta. Há verdadeiras organizações que se passam por ‘garimpeiros’. São, na verdade, empresas informais que estão à frente de uma série de ações que chamamos de criminosas, produzindo e vendendo toneladas de minérios, destruindo propositalmente o ambiente e contaminando pessoas, inclusive povos tradicionais, como os indígenas.
As imagens do noticiário dessa destruição e outros crimes acaba confundindo a população em geral, que imagina que mineração é caracterizada por aquela situação, o que foge muito da verdade. Ou seja, o setor mineral que age em acordo com a lei é intensamente prejudicado em sua imagem e em sua reputação.
É preciso seguir coibindo a atividade ilegal, o que as autoridades estão fazendo com esmero e, além disso, tornar a atividade garimpeira mais acessível para as pessoas que buscam sua subsistência nessa prática, que é prevista em lei, mas que precisa seguir regras, como os cuidados com o meio ambiente e as pessoas. Só que os processos para se tornar garimpeiro legalizado acabam sendo muito onerosos, e isso acaba por afastar esse público da legalidade. Há propostas organizadas pelo Ibram e outras organizações já apresentadas ao governo federal nesse sentido.
A imagem de uma indústria de atividade arcaica e rudimentar tem sido deixada para trás, graças aos avanços de processos produtivos mais sustentáveis, com melhores índices de produtividade e relações com as comunidades em seu entorno, aumento da preservação ambiental etc. E as indústrias de máquinas e equipamentos participam desse movimento, via iniciativas e eventos do Ibram e das mineradoras, passando a conhecer em detalhes os rumos dessa indústria e fazendo negócios no longo prazo.
M&E – Cada vez mais fala-se em boas práticas de mineração e sustentabilidade. Qual o posicionamento das mineradoras, hoje, com relação ao controle das emissões de CO2? E com relação à proteção e preservação ambiental?
Penido – O posicionamento é que mineradora que não investir seriamente em ESG, ou seja, boas práticas relacionadas ao meio ambiente, às pessoas e à governança, estará fora do mercado, sem receber investimentos, sem ter onde vender seus produtos.
O setor mineral, segundo estudo técnico realizado há alguns anos, é um dos setores industriais que menos emite gases de efeito estufa. E reduzir as emissões é uma preocupação constante, o que é intensamente cobrado pelos investidores, por exemplo.
A indústria da mineração brasileira tem avançado principalmente nos últimos anos para se tornar cada vez mais sustentável, segura e responsável com as pessoas e com o meio ambiente. Esta é a principal bandeira do Ibram e do setor mineral responsável, ou seja, demonstrar, comprovar às pessoas, de várias formas, que este é um esforço sério da indústria da mineração. Nossa razão de existir, nosso propósito é promover a qualidade de vida. Então queremos que as pessoas tenham oportunidade de compartilhar dessa visão.
Em 2019, lançamos um documento nesse sentido, chamado de Carta Compromisso. É, na verdade, o ESG da Mineração do Brasil. O documento lista compromissos, metas que a indústria da mineração pretende atingir em 12 áreas e, assim, melhorar seus indicadores em vários aspectos.
Entre essas 12 áreas estão o relacionamento com comunidades; inovação; inclusão e diversidade; uso de água e de energia; segurança operacional e segurança ocupacional; entre outras.
Temos também iniciativas que se relacionam com esses compromissos, como o TSM Brasil, um conjunto de boas práticas criado no Canadá e que estamos adaptando para a realidade da mineração do Brasil. Com ações como essas queremos promover uma intensa, profícua e necessária transformação da mineração do Brasil.
M&E – Como o setor de máquinas e equipamentos pode contribuir com as mineradoras nesses quesitos?
Penido – Acredito que buscando uma maior aproximação junto ao setor mineral para conhecer suas necessidades e objetivos em termos de práticas sustentáveis. O Ibram é o principal canal para isso. É possível agir para aproximar as mineradoras das novas tecnologias, dos novos equipamentos. E as companhias de máquinas e equipamentos podem participar das iniciativas do Ibram e das mineradoras, como o Mining Hub, dos eventos do setor mineral, que são palcos abertos e acessíveis para conhecer em detalhes os rumos dessa indústria e para fazer negócios no longo prazo.
M&E – Quais os desafios do setor?
Penido – O principal é avançar em seu processo de transformação, ou seja, torná-lo ainda mais seguro, responsável e sustentável, e, naturalmente, obter o reconhecimento público por este esforço. Outro desafio importante é mudar conceitos, ou seja, expor argumentos às pessoas em geral de que a mineração é uma atividade essencial, de utilidade pública, estratégica e parceria do desenvolvimento socioeconômico. Não é apenas uma ‘fábrica de gerar riquezas econômicas’. É muito mais do que isso e precisa despertar orgulho e receber apoio dos brasileiros para expandir seus horizontes e, por consequência, suas contribuições ao progresso dos brasileiros.
M&E – A feira e o congresso foram on-line. Quais os destaques em termos de tecnologias e tendências?
Penido – Na EXPOSIbram um destaque para o setor de máquinas e equipamentos foram as rodadas de negócio, quando 25 mineradoras – ou empresas que têm mineração entre seus negócios – receberam centenas de fornecedores em reuniões virtuais para conhecerem produtos, serviços e conduzirem contratações.
Entre as empresas estiveram Alcoa; AMG Brazil; Ampar (Central de Negócios); Anglo American; AngloGold Ashanti; Appian Capital Brazil; Bemisa; Brasil Grafite Mineração – Grupo South Star; Ecomining America; Extrafilito Mineração Indústria e Comércio; Ferro+ Mineração; Fides Mining; Gerdau; Intercement Brasil; Kinross; LafargeHolcim; Jaguar Mining; Mineração Taboca; Mineração Usiminas; Mosaic Fertilizantes; Nexa Resources; Nova América Mineração; SAFM Mineração; Vale e Yamana Gold.
O Congresso Brasileiro de Mineração, por sua vez, trouxe debates com especialistas brasileiros e estrangeiros sobre diversos temas, com painéis sobre “Economia mineral e as perspectivas de mercado”, “Segurança de processos na indústria mineral”, “Aprimoramento da agenda regulatória no setor”, “Economia circular na mineração”, “Rede de financiamentos para a mineração”, entre outros assuntos.