A silenciosa invasão do plástico

No curto espaço de cinco décadas, o plástico tornou-se uma alternativa ideal, eficiente e econômica em substituição à matérias primas tradicionais, como o aço

Pare um instante o que estiver fazendo e observe tudo à sua volta. Agora responda: “existe, ou não, a possibilidade de tudo, mas, tudo mesmo, ser feito em plástico, ao invés dos materiais originais, como aço, concreto, vidro, cerâmica, papel/celulose, tecido, alumínio, madeira, borracha?” De fato, a versatilidade desses derivados do petróleo, que só emergiram comercialmente para a história da humanidade no início dos anos 1910, é inacreditável, quase infinita. Hoje, quase tudo – para não dizer ‘tudo’ em respeito aos cuidados necessários para não se cometer injustiças e erros evitáveis – pode ser produzido, reproduzido, criado por um componente dessa família fantástica e especial do “plástico”.

Não há nicho da atividade humana que não tenha experimentado as vantagens competitivas de um determinado tipo de plástico em substituição a um material tradicional. Da seringa de injeção ao vidro à prova de bala; das carcaças de equipamentos pesados a copos, pratos e talheres; de sofisticadíssimas engrenagens para a indústria mecânica a móveis/utensílios domésticos; do dinheiro moderno (na forma de cartões) a partes de veículos de transportes; de vestimentas a aparelhos de comunicação, lazer e diversão; de instrumentos musicais a objetos de decoração, embalagens para perfumaria, higiene e limpeza. Enfim, nada na vida moderna, passou incólume ao uso do plástico, que deslocou velhos e conhecidos materiais com inúmeras vantagens técnicas como praticidade, higiene, economia de energia, de custo e, até, vida útil mais longa.

Na área industrial pode-se afirmar, sem dúvida alguma, que “o plástico veio para ficar”. Especialmente em substituição ao uso e aplicação do aço, como insumo primeiro nos processos de fabricação e transformação. São incontáveis – e, também, inacreditáveis – as soluções técnicas que acabaram por deslocar outros materiais e até mesmo ‘aposentar’ soluções tradicionais por uma inovadora resina derivada do petróleo. As alternativas extrapolam qualquer exercício de imaginação. E, entre tantos e insondáveis exemplos talvez possa-se destacar, nos dias atuais, a revolucionária construção dos novos aviões da geração “Eco”, cuja fuselagem e estrutura são confeccionadas em fibras sintéticas agregadas por resinas poliméricas de altíssimo desempenho (resultando nos chamados ‘compósitos’). Nunca é desnecessário lembrar que há exatos 111 anos o brasileiro Alberto Santos Dumont realizava em Paris o primeiro voo da humanidade a bordo do seu “14-Bis”, construído em estrutura de madeira revestida por tecido.

A cadeia de desenvolvimento desses novos produtos está inserida num ciclo virtuoso de proporções ilimitadas. De um lado estão os usuários, buscando e sugerindo soluções técnicas junto aos fabricantes de resinas; do outro, os próprios desenvolvedores de novos materiais plásticos oferecendo aos potenciais clientes alternativas em matérias primas mais competitivas que as tradicionais. Hoje, são altamente conhecidos e utilizados pelas indústrias fabricantes de máquinas e equipamentos materiais como o ‘nylon’; como as ‘fibras de carbono, vidro e aramida’; os derivados das ‘uretanas’; a família das commodities plásticas composta pelo ‘PE’ (polietileno), ‘PP’ (polipropileno), ‘PS’ (poliestireno), ‘PET’ (poli tereftalado de etileno), ‘PVC’ (poli cloreto de vinila); sem esquecer os ‘PMMA’ (polimetil-metacrilato), ‘EVA’ (etileno-vinil-acetato), ‘ABS’ (acrilonitrilo-butadieno-estireno), ‘PA’ (poliamidas), ‘PC’ (policarbonatos), alguns dos quais também chamados, genericamente, de “plástico de engenharia”. Tais resinas sintéticas podem e estão sendo utilizadas na confecção de carcaças de equipamentos; tubulações; peças/componentes; elementos estruturais; containers variados; acessórios; correias de transmissão de força, de transporte de materiais e suportes em substituição a outros materiais por muitas vantagens.

Top de linha

Na condição de maior produtora de resinas termoplásticas das Américas (é líder mundial na produção de biopolímeros e a maior produtora de polipropileno nos Estados Unidos), a Braskem instalou duas unidades de pesquisa avançada no Brasil, exatamente para atender esse gigantesco e ainda crescente mercado consumidor. “Não basta, porém, a Braskem desenvolver um produto especial; há de se ter a certeza e o convencimento interno de que na outra ponta, do consumidor/transformador final, ocorrerão benefícios diretos e vantagens competitivas para consumo do produto desenvolvido”, explica Rodrigo Fabian Galvez, eng. de Desenvolvimento de Aplicações da companhia.

Entre as novidades ‘top de linha’ da Braskem brasileira está um tipo de plástico que tem revolucionado algumas atividades realizadas pelas indústrias. Como lembra o representante da empresa, “a Braskem não produz, no Brasil, a chamada família dos ‘plásticos de engenharia’, entre os quais está o nylon, por exemplo”. O único plástico que a Braskem produz no Brasil com características semelhantes a estes “é o PE de ultra-alto peso molecular (UHMW), cujo nome comercial é UTEC”, informa Rodrigo Galvez.

Este polímero apresenta, segundo o engenheiro da companhia, “coeficiente de atrito mais baixo que o poli tetra fluoretileno (mais conhecido pela marca comercial Teflon), além de ser autolubrificante”. Por razões óbvias (em função das características apresentadas pelo produto), o UHMW vem sendo utilizado para revestir caçambas de caminhões utilizados pelas mineradoras no transporte de material e tem demonstrado desempenho acima do esperado. Outras aplicações, de acordo com Rodrigo Galvez, são: “elaboração de ‘berço’ utilizado como elemento intermediário de sustentação entre um equipamento que apresente corrosão galvânica e sua estrutura; na fabricação de polias; na produção de esteiras transportadoras; ou, ainda, na indústria de alimentos para produção de facas de alto desempenho”.

Também por motivos óbvios (mas, nem tanto assim), “a Braskem vem negociando largamente esse novo produto com mercados europeus, ao invés dos mercados locais”, comenta o engenheiro. Outro detalhe bastante interessante revelado pelo executivo da empresa química/petroquímica nacional – a Braskem assina acordos de confidencialidade com todos os seus clientes envolvendo o produto em questão, a sua aplicação e os resultados alcançados. Isso garante, segundo ele, tranquilidade na aplicação, além de sigilo em relação aos ganhos competitivos da solução para ambas as partes. Ao mesmo tempo em que trabalha para gerar novas aplicações para a matéria prima recém criada, a Braskem mantém-se ativa e atenta – ou seja, permanecem a todo vapor os ensaios do novo produto em dois centros de inovação e tecnologia que a companhia dispõe, um localizado em Triunfo (RS) e outro em Pittsburgh (Pennsylvania/Estados Unidos). Para completar essa estrutura de apoio estratégico, a Braskem dispõe, ainda, de 23 laboratórios e sete plantas piloto, incluindo um efetivo de mais de 300 profissionais especializados focados no desenvolvimento de novos produtos e atendimento de novos mercados. Até agora toda essa estrutura resultou em 903 patentes (registradas no Brasil e exterior) e mais de 270 projetos no ‘pipeline’ de inovação e tecnologia envolvendo diferentes áreas de negócios.

Nova borracha

Entre os produtos inovadores desenvolvidos pela empresa brasileira e que podem substituir outros materiais pela indústria mecânica e de equipamentos, existe um, totalmente brasileiro e revolucionário, que acaba de ‘sair da forma’. Trata-se de uma alternativa, derivada da família dos polímeros, em condições de impactar a construção de equipamentos que usam elementos de contato, por exemplo, produzidos a partir de borracha sintética. De acordo com Rodrigo Galvez, “a família das borrachas, sintéticas, ou não, pode ser representada segundo o desenho de um ‘triângulo imaginário’ composto pelas principais características do elastômero”.

Em cada um dos vértices desse ‘triângulo imaginário’ pode-se posicionar uma das propriedades das borrachas – Abrasão, Grip e Dureza. Sabe-se, também, que essas propriedades são inversamente proporcionais entre elas. Entretanto, o produto desenvolvido pela Braskem, por cientistas brasileiros, permite que se altere a composição química mudando cada uma das propriedades dessa nova ‘borracha’ para alcançar determinada característica exigida durante o uso. De tão recente que é o produto, desenvolvido inicialmente para o setor calçadista, a fabricante ainda não tem mapeado quais universos poderá atender com seu novo produto. De momento, a Braskem apenas sabe que o potencial da nova ‘borracha’ é alto. Recentemente fez a única exposição perante potencial cliente que revelou, de imediato, grande interesse pela ‘nova borracha’.

Dois outros exemplos de inovação, não vinculados à Braskem, tornaram-se conhecidos recentemente por intermédio de duas premiações – uma na área técnica e outra na área da sustentabilidade. O primeiro prêmio corresponde à substituição da ‘alma de aço’ de correias transportadoras, de alto desempenho, por fibras de aramida (conhecidas popularmente por ‘kevlar’). O segundo prêmio foi conferido ao projeto que utiliza embalagens PET descartadas e recicladas para produção de quadros de bicicleta.

A premiada no primeiro caso foi a Correias Mercúrio, empresa de Jundiaí (SP) especializada na confecção de correias de variadas aplicações, incluindo o tipo utilizado por empresas mineradoras para transportar entre as várias unidades de processamento (e por longas distâncias, em alguns casos) o material desagregado. De forma convencional, as correias utilizadas pelo setor mineral são confeccionadas em grossa manta de borracha tendo por núcleo (ou, ‘alma’) cordoalhas de cabos de aço que promovem a resistência ao rompimento pela tração, ou peso do material transportado. Pelo novo projeto da empresa paulista, essa ‘alma’ de aço foi substituída por uma manta de aramida (ou, kevlar), conferindo ao novo produto vantagens claras em relação à opção anterior.

O prêmio foi conferido pela consultoria internacional Frost & Sullivan, que realiza anualmente a premiação Global Enabling Technology Leadership Award, à Teijin Aramid, fabricante da fibra de aramida que compõe a correia premiada. Segundo informações fornecidas pela empresa fabricante da nova alternativa de transporte de materiais, o prêmio destaca a “performance inigualável” que a solução confere às correias transportadoras. Fabricante exclusiva do produto no Brasil, “a correia premiada é composta por uma única lona, com fibras cinco vezes mais fortes e cinco vezes mais leve que o aço”, anuncia a fabricante. O novo produto apresenta, também de acordo com a Correias Mercúrio, “alta absorção ao impacto, vida útil até quatro vezes maior do que outros tipos de correias transportadoras e redução no consumo de energia em até 25%”.

No segundo caso, o premiado foi o escritório de criação Muzzicycles, do uruguaio (radicado no Brasil) Juan Carlos Calabresse Muzzi. Multi produtor Muzzi trabalha, hoje, com artes plásticas no estilo construtivista, mas, também, é inventor; piloto privado; gravurista; escultor; ceramista; empresário; desenvolvedor de produtos; e fabricante de bicicletas. O prêmio “Diseño y Sostenibilidad” foi conferido pela Fundación Diseño Madrid, no último dia 21 de novembro do ano passado, e diz respeito à criação, projeto e produção de ‘quadro para bicicleta’ feito a partir de garrafas plásticas PET encontradas no lixo e recicladas, em alternativa ao uso de alumínio, aço, fibras sintéticas, para produção dessa estrutura. Ainda sem definição sobre a forma final de produção e distribuição das sustentáveis bicicletas, o produto vem sendo negociado, por enquanto, apenas pela internet.

Leveza e segurança

Cinco são os eixos e diretrizes que a Braskem aconselha o usuário final a respeitar, quando deseja incluir uma solução inovadora em seu layout, processo industrial, ou produto final, em substituição a uma matéria prima tradicional, como o aço, por exemplo. Em primeiro lugar, informa o executivo da gigante brasileira, “deve-se observar se a solução desejada apresenta facilidade de instalação”. E, nesse caso, conferir cuidadosamente, a variedade dos produtos, a liberdade e simplificação dos processos de instalação, a resistência mecânica da nova solução, a leveza, a versatilidade, a toxicidade, o isolamento elétrico e, até, a cor final. Os outros quatro eixos são: custo de manutenção (observando questões como proteção, resistência e customização de estruturas para redução de custos); durabilidade (pela exposição da solução, ou alternativa, ao meio ambiente); segurança (pela redução de riscos à saúde, patrimônio e ao meio ambiente); e, por último, custo de operação (pela análise da eficiência que garante economia ao longo de toda a cadeia de processos em que a alternativa, ou solução, foi agregada).

A importância e atualidade da substituição de materiais tradicionais pelas alternativas plásticas vêm provocando uma revolução profunda e silenciosa no universo das indústrias modernas. Seja pela redução de custos de produção, pela elevação da vida útil das soluções, pela praticidade, segurança, ou inovação. De tão relevante tem se mostrado o tema que a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) realizou, no final do ano passado, o seminário “O uso competitivo do plástico na indústria de máquinas e equipamentos”, do qual participaram palestrantes dos vários elos da cadeia de consumo e transformação de plásticos.

Iniciativa de inquestionável atualidade, o evento foi estruturado sob a ótica dos usos e aplicações. Até porque não existem dados atuais e confiáveis, tampouco entidade credenciada, capaz de apresentar números, volumes, quantitativos que expressem como, quanto e onde o plástico está substituindo materiais tradicionais. A única informação que se dispõe, no momento, não é quantitativa. Mas, qualitativa. Para onde se olhe, hoje, encontra-se um tipo diferente de plástico substituindo um antigo material. Essa alteração poderá magoar puristas e saudosistas. Todavia, nenhum destes poderá negar – o plástico veio para ficar e trouxe, como ele, vantagens que estão acabando por mudar, significativamente, a forma como os humanos vivem e viverão sobre a face da Terra.