O lema quem guarda tem aplica-se muito bem ao agronegócio, afinal, quem armazena sua produção na propriedade rural em condições ideais de temperatura, umidade, ventilação, entre outros requisitos, tem três benefícios diretos: pode escolher o melhor momento para comercializar sua safra; reduz perdas no pós-colheita, preservando o produtor de riscos de pragas ou variações de umidade que comprometem o produto; e diminui o custo de transporte.
Nas palavras de Paulo Bertolini – presidente da Câmara Setorial de Equipamentos para Armazenagem de Grãos (CSEAG), da ABIMAQ – esse quadro se resume a retenção das riquezas geradas pelo agronegócio nas áreas rurais, maior desenvolvimento e melhor distribuição da renda, além de redução das perdas agrícolas, que são estimadas em 1% no caso da safra de grãos.
Esse percentual que parece ínfimo, quando transformado em números absolutos torna o prejuízo significativo. Em meados de maio, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou o mais recente levantamento da safra 2020/2021 de grãos, estimada em 271,7 milhões de toneladas, o que significa perda de 2,7 milhões de toneladas que, considerado como exemplo o valor da saca de 60 kg de soja em 31 de maio (R$ 168,22) representa mais de R$ 7,6 bilhões de receita não contabilizada, desconsiderando-se aqui o custo social. Bertolini ressalta que é apenas um comparativo, mas a perda envolve todos os grãos produzidos pelo Brasil, como milho, trigo, arroz, cevada, café, entre outras commodities, que têm preços diversos.
“Um país que não consegue armazenar o que produz está mais exposto a problemas de segurança alimentar, além de expor o produtor ao risco de prejuízos, menor poder de comercialização e altos custos de frete, típicos do calor das safras”, constata Piero Abbondi – CEO da Kepler Weber.
O tamanho do prejuízo
No entanto, a solução dessa equação tem inúmeras variáveis derivadas do déficit de estocagem da produção, seja na fazenda, seja em entrepostos. A capacidade total de armazenagem brasileira, em 2020, situava-se na casa dos 177 milhões de toneladas, para uma safra ao redor de 251 milhões de toneladas de grãos, gerando um déficit superior a 84 milhões de toneladas.
A situação, porém, é ainda mais complexa como explica Bertolini, pois, “enquanto a produção cresce em média 10 milhões de toneladas ao ano, o total instalado por ano, em média, é de 4,2 milhões de toneladas. Ou seja, precisamos mais do que dobrar o volume de instalação, investindo anualmente cerca de R$ 8,1 bilhões, para dar conta apenas da produção, sem zerar o déficit, que exigiria valores ao redor de R$ 75,6 bilhões”.
Quando o olhar se volta para dentro da porteira, o cenário é ainda mais deficiente. Enquanto a capacidade instalada nas fazendas em países como Argentina, Canadá e Estados Unidos atinge patamares de 40%, 85% e 65% respectivamente, no Brasil este índice permanece próximo a 14% ao longo de 10 anos, como revela o Boletim Logístico publicado pela Conab.
Mercado é o que não falta para as empresas que atuam no setor, mas faltam investimentos e, principalmente, agilidade na liberação de recursos de linhas como o PCA (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns). Além disso, o investimento é elevado; o retorno, lento; a construção, demorada; e longo, o prazo de maturação.
Da decisão pelo investimento até a entrada do armazém em operação são em média 12 meses. Os projetos são praticamente customizados e a gama de opções é diversificada. Apenas a marca GSI, por exemplo, tem mais de 250 modelos de silos planos e elevados.
Em um armazém, os equipamentos (silos, secadores, transportadores, máquinas de limpeza, tombadores) correspondem a 45% do custo total; as obras civis (bases de silos, poços, base de secadores, fornalhas, bases de máquinas, escritório, moegas, casa de máquinas, depósitos, estruturas metálicas da cobertura), outros 40%; ficando os demais 15% por conta da montagem, frete dos equipamentos e instalações elétricas. O retorno, por outro lado, não acontece antes dos sete anos, podendo chegar a dez anos dependendo da região.
Construir um armazém, portanto, é uma decisão que demanda conscientização dos benefícios e conhecimento do ritmo de retorno dos investimentos e da rentabilidade possível de ser atingida, assim como diagnóstico preciso da propriedade rural como um todo. Devido ao custo de implantação – que, em caso de obra completa, evoluiu de valores entre R$ 800,00 e R$ 990,00 por tonelada, em 2020, para cerca de R$ 1.100,00 neste ano, devido ao aumento do preço das matérias-primas –, políticas de incentivo e campanhas de difusão da cultura de armazenagem são recomendadas pelos entrevistados.
Tecnologia em abundância
É usual as empresas desse setor oferecerem soluções completas. A Fockink, por exemplo, mantém em seu portfólio sistemas elétricos, de automação, termometria e aeração, assim como sistema focado em reduzir o consumo de energia elétrica na aeração, sistemas de geração de energia fotovoltaica e painéis elétricos integrados a um sistema de automação, que reduzem a mão de obra e aumentam a produtividade.
Uma solução inteligente de um sistema para monitoramento e controle de armazenagem – na visão de Marino Calgaro, gerente Comercial de Termometria Digital e Aeração da Fockink, – deve compreender “a aquisição de grandezas físicas através do sensoriamento inteligente, o controle preciso sobre sistema de aeração e uma plataforma de software que permita flexibilidade nas formas de acesso”, resume.
Além de soluções flexíveis e escaláveis nos equipamentos de coleta e controle, a Fockink “conta com uma plataforma de software com gerenciamento local e remoto da solução, com recursos de computação em nuvem, e aplica o conceito de Internet das Coisas (IoT) no sistema de gerenciamento de armazenagem, construindo uma plataforma de alta disponibilidade e conectividade”, enfatiza o gerente Comercial de Termometria Digital e Aeração da empresa.
No caso da Kepler Weber, relata Abbondi, os investimentos em inovação resultaram em desenvolvimentos diversos, como plataforma de monitoramento da operação de toda a planta na palma da mão, que garante maior segurança para as unidades e para os colaboradores que atuam no local; e sensor de nível que usa ondas de radar para monitorar o volume e a movimentação de grãos armazenados, também passível de ter os dados coletados acessados pelo produtor em tempo real.
A marca GSI, por sua vez, criou silo que, em função da redução de 50% da quantidade de parafusos e do uso de chapa de aço mais leve e fácil de movimentar, apresenta ganhos na velocidade de montagem e reduz custo da obra, sem prejuízo da resistência estrutural.
José Viscardi – diretor de Marketing da AGCO Grãos & Proteína América do Sul, detentora da marca GSI –, fala, também sobre outras novidades, como pacote de soluções nível zero para obras novas, composto de moega elevada, sistema de extração curvo, redler embutido na base do silo, que dispensa poços ou túneis uma vez que todos os elevadores ficam no nível zero da planta.
Esses componentes, equipamentos e preceitos aplicados às soluções de pós-colheita contribuem com o produtor “na tomada de decisões assertivas, evitando erros operacionais e perdas no processo. Ou seja, evitando prejuízos e mantendo a integridade do grão, que é um ser vivo, e toda inovação está diretamente relacionada a manter a sua qualidade e evitar ao máximo todas as perdas”, alerta Andrea Hollmann, executiva principal de Armazenagem de Grãos da CASP.
Independentemente da solução e da tecnologia empregadas, Bertolini – que é diretor comercial da Granfinale Sistemas Agrícolas, empresa o grupo Calpar – entende que “o desafio da indústria do setor é construir equipamentos cada vez mais eficientes energeticamente, com custo de produção reduzido. Essa equação somente é viabilizada pela Engenharia”. E, desse modo, os ganhos chegarão também às empresas fabricantes de equipamentos para armazenagem de grãos.
Em resumo, se em 2020, segundo cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), a participação do agronegócio brasileiro no Produto Interno Bruto do Brasil alcançou os 26,6% contra 20,5% em 2019, investimentos no setor de estruturas e equipamentos pós-colheita proporcionariam resultados ainda mais expressivos para o País, com impactos positivos na segurança alimentar, na balança comercial, no bolso do produtor rural e de toda a cadeia do agro, na sociedade urbana e na população mundial, com o Brasil tornando-se de fato o supermercado do planeta.