Por Paula Costa, engenheira florestal com especialização em Gerenciamento Ambiental pela ESALQ – USP e bióloga pela UNESP. Premiada em 2016 pela Sociedade Brasileira de Silvicultura, fundadora da PretaTerra; e Valter Ziantoni, engenheiro florestal com especialização em Gerenciamento pela FGV, especialista florestal da UNDP/ONU e mestre em Agrofloresta pela Bangor University, fundador da PretaTerra.
A agrofloresta é vista muitas vezes como o completo oposto da agricultura convencional, ou seja, o que é feito em uma monocultura não pode ser feito em um plantio agroflorestal. Como é o caso do maquinário utilizado nas operações de plantio, manejo e colheita.
Mas na realidade, não é bem assim. O uso intensivo de maquinário pesado em larga escala para implantação de monocultivos realmente pode causar danos ao meio ambiente, como a compactação e degradação do solo. Mas é possível adaptar as máquinas convencionais para serem utilizadas nos Sistemas Agroflorestais, além de desenvolver novos tipos de máquinas e implementos adequados para a complexidade da agrofloresta.
Se houver um planejamento levando em consideração as particularidades de cada área e de cada projeto, é possível realizar um manejo que não cause danos e não prejudique o desenvolvimento das plantas nem degrade o ambiente mesmo utilizando maquinário pesado como o trator. Na realidade, o uso correto destas tecnologias melhora a qualidade do trabalho e do plantio como um todo.
Além disso, não dá para realizar agrofloresta em grande escala sem maquinário, pois quanto mais complexo o sistema do plantio, mais trabalho é demandado. E sem tornar a agrofloresta escalável não há como substituir o sistema convencional de produção florestal e agrícola. É necessário utilizar máquinas para tornar estes sistemas viáveis economicamente, aproveitando melhor o espaço e economizando materiais, mão de obra e tempo. Com a tecnologia atual e o vasto conhecimento científico acerca das diversas formas de realizar agricultura é muito possível desenvolver os equipamentos necessários para este fim.
A PretaTerra, por exemplo, tem utilizado maquinário e implementos que auxiliam na implantação e manejo das áreas do projeto Agrofloresta na Mata Atlântica, em Timburi (SP), que visa implantar 100 hectares de agrofloresta para reflorestar a região que pertence ao bioma Mata Atlântica.
A seguir, serão citados alguns dos equipamentos e números observados durante as operações em campo.
O que a PretaTerra tem:
Máquina: Trator Massey Ferguson 3307 cafeeiro, compacto, estreito para passar nas entrelinhas e com uma boa potência. Está sendo utilizado em todas as operações. É a ele que se acoplam os implementos.
Implementos que podem ser acoplados ao trator: Plantadeira com subsolador e enxada rotativa: descompacta, pulveriza e nivela o solo das linhas de plantio e já pode distribuir sementes, otimizando as operações que, se fossem realizadas manualmente, teriam de ser feitas separadamente, exigiriam muito mais mão de obra e levaria muito mais tempo. Por exemplo, com o trator é possível realizar todas essas operações ao mesmo tempo, com apenas um tratorista, na velocidade de, em média, 30 metros/ minuto. Essa velocidade pode ser maior ou menor, dependendo da dureza do solo.
Calcareadeira: para distribuir calcário e fertilizantes (esterco, composto, matéria orgânica, pó de rocha) no preparo da terra antes do plantio das mudas.
Trincha: a trincha agrícola, também conhecida como triturador, tem a função de triturar galhos. A trincha, em muitos casos, substitui com um serviço melhor a roçadeira, podendo, caso necessário, passar mais rente ao solo. Ela vem sendo utilizada pela PretaTerra para fazer a limpeza dos canteiros e para distribuir a matéria orgânica triturada (que no caso não é apenas galhos, mas capim e demais plantas que estejam na área também) nas linhas de café e árvores. Isso ajuda a proteger e manter a umidade do solo em torno da muda.
Tanque de 2500 L: para irrigação do plantio. É necessário principalmente na fase de implantação caso não chova o suficiente neste período ou ocorra chuvas inconstantes, para garantir uma maior taxa de sobrevivência das mudas. Quando o SAF estiver estabelecido e houver bastante deposição de matéria orgânica cobrindo o solo não haverá necessidade de irrigar, pois esta camada manterá a umidade necessária à manutenção das plantas.
Além disso, o trator também foi utilizado para realizar o balizamento (demarcação das linhas onde é feito o plantio, de acordo com o espaçamento determinado), prendendo-se uma vara com a largura da entrelinha na frente da máquina e pendurando uma corrente em cada ponta dessa vara, as quais serviam como guia para o tratorista tomando como referência a linha do lado enquanto o adubo (esterco) era depositado e marcava o solo. Assim, foi possível balizar a área à uma velocidade de aproximadamente 10 Km/ h. Já quando realizado manualmente, este processo foi realizado à uma velocidade de 0,6 Km/h.
Uma adaptação sem o trator: Carretinha acoplada a uma moto, que é a moto agroflorestal (para carregar mudas no campo). Assim o processo de distribuição das mudas se torna mais rápido e eficiente, pois se quem estiver plantando precisar ir e voltar andando do ponto onde as mudas estão toda vez que terminar uma linha para pegar mais mudas, seria um processo muito mais lento. E quanto maior a área, menos eficiente, pois aumenta a distância a ser percorrida.
Projeto Agrofloresta na Mata Atlântica
Desde dezembro de 2020, a PretaTerra trabalha para mudar a paisagem de 100 hectares de Mata Atlântica na região de Timburi (SP). Serão plantadas ao redor de 100 mil árvores, que fixarão mais de 50 mil toneladas de CO2 nos próximos 20 anos e beneficiarão pelo menos 35 famílias diretamente e mais de 200 de forma indireta. Até o momento cerca de 50% da operação foi concluída.
A PretaTerra é um startup que, após mais de quatro anos de atuação ininterrupta, se consolidou como a principal referência em sistemas agroflorestais regenerativos no Brasil e no mundo, contando com projetos estabelecidos em diferentes contextos, biomas e escalas, incluindo América Latina, Sul da Ásia e África Central.
A empresa recebeu o aporte de 460 mil francos suíços (aproximadamente 500 mil dólares), o equivalente a cerca de R$ 3 milhões de reais, do banco privado UBS, por meio de sua fundação “UBS Optimus Foundation”, que permite aos seus clientes o uso de sua riqueza em projetos que impulsionam mudanças sociais e ambientais positivas ao redor do mundo.
À frente do projeto estão os engenheiros florestais e fundadores da PretaTerra, Valter Ziantoni e Paula Costa, que explicam que para viabilizar sistemas agroflorestais em larga escala, mantendo sua biodiversidade e complexidade, é necessário estruturar informações, automatizar projetos e padronizar as operações de campo. O projeto será realizado na Mata Atlântica, considerada um dos biomas mais ricos em biodiversidade do planeta, declarada Reserva da Biosfera pela UNESCO.
“É vital harmonizar o conhecimento científico e natural, floresta e pessoas, alimentos e produção, trabalho e bem-estar. As agroflorestas de Timburi nascem com o propósito de criar um celeiro de inovação e cultura agroflorestal no estado, tornando-se referência mundial”, conclui Paula.
“O sistema agroflorestal surge como uma solução viável e ampla para as ameaças do bioma e a manutenção e melhoria dos meios de subsistência rurais, ao mesmo tempo em que altera o futuro ambiental e econômico da região, juntamente com o sequestro de carbono e a criação de uma zona de resistência para as consequências das mudanças climáticas. A agrofloresta é a estratégia definitiva para abordar questões socioeconômicas e ambientais, conciliando produção agrícola e restauração florestal”, detalham.
Paula e Ziantoni acrescentam que o trabalho terá início ainda no mês de dezembro de 2020, com foco em pequenos produtores locais e na cultura do café, prioritariamente. “A participação de todos será voluntária, após uma seleção baseada em um conjunto de critérios, como motivação em mudar e aprender novas práticas de agricultura regenerativa, além de perfil empreendedor e de liderança”.
O projeto ainda contará com a participação de outros agentes locais, como universidades, viveiros, as secretarias de meio ambiente dos municípios de Timburi e Piraju, além da Embrapa Solos.
A agrofloresta é uma solução transversal e uma ferramenta de transição eficaz para a transformação. “Não se trata apenas de uma mudança para uma agricultura mais regenerativa: estamos abordando e testemunhando o nascimento de uma transformação do sistema produtivo atual”, enfatiza Ziantoni.
“Uma agricultura de base florestal é a resposta mais plausível e simples para a maioria dos desafios que enfrentamos como seres humanos. Já sabemos a solução, agora só temos que agir”, finaliza Ziantoni.