Por Alberto Machado, diretor de Petróleo, Gás Natural, Bioenergia, Hidrogênio e Petroquímica, na ABIMAQ
As principais nações estão investindo na descarbonização da economia com a substituição de combustíveis fósseis por renováveis. Entretanto, a importância da energia fóssil, principalmente petróleo e gás natural, ainda vai perdurar por várias décadas. No Brasil, o pré-sal certamente será importante fonte de riquezas por muito tempo, pois a transição não será imediata e é necessário planejar a mudança, com atenção ao destino das fontes que serão substituídas e à garantia de abastecimento.
O uso de combustíveis renováveis não é novidade. O homem das cavernas usava lenha. As caravelas descobriram novos continentes utilizando energia eólica. O motor Diesel foi inventado queimando óleo vegetal. A novidade é o porte das modificações e a velocidade com que estão sendo conduzidas, como se fosse simplesmente girar um botão on-off.
Com a passagem radical de combustíveis fósseis para renováveis, vamos ter de “descomissionar o mundo”, haja vista que vai ser necessário substituir todo um conjunto de pessoas, de tecnologias, de ativos, de valores sociais, de empregos, entre outros, em sociedades ora ancoradas em combustíveis fósseis.
Há o risco, não desprezível, de a mudança gerar um enorme desequilíbrio econômico, social e ambiental, esse último, em decorrência dos descartes que ocorrerão. O tema tem de ser tratado globalmente e não apenas com foco na poluição atmosférica. Os desempregos gerados com o descomissionamento de atividades intrinsicamente incluídas na economia mundial, por exemplo, podem ter efeitos perversos do mesmo porte dos ocasionados pelo aquecimento global.
Hoje existe cerca de 1,4 bilhão de veículos leves com motores à combustão, que envolvem vasta cadeia de valor: produção, matérias-primas, distribuição, manutenção e descarte, entre muitas outras. Não pode haver mudança que não considere o seu descomissionamento.
O lado bom é que muitas oportunidades de negócios irão surgir, tanto para construir como para desconstruir, e o Brasil tem potencial para aproveitá-las, por contar com um competente parque industrial e condições para desenvolver tecnologia e formar mão de obra local.
Aqui há abundância da maioria das fontes primárias de energia: vento, sol, energia hídrica, agricultura com produtos e resíduos energéticos (biomassa), resíduos urbanos sólidos (lixos) e líquidos (esgotos) e resíduos da pecuária. Adicionalmente, o País conta com cerca de 8.000 km de costa, onde podemos usar a energia de ondas, de marés e de correntes marítimas e com reservas de petróleo, de gás natural e de urânio, hoje alternativa viável de energia limpa.
O carvão também pode ter sobrevida com a utilização de tecnologias de captura de carbono, que, além de “limpar” o meio ambiente, pode ser fonte de energia quando transformado em combustível sintético em reação com o hidrogênio, produzindo os e-fuels.
Tais fontes primárias levam a uma extensa gama de “produtos”: eletricidade, gases (metano combustível e insumo para fertilizantes, etano para a petroquímica, o propano e butano que tanto são usados como GLP – gás de botijão – e insumos para a indústria petroquímica, demais derivados de petróleo e biogás) e biometano produzidos diretamente da biomassa.
Existe ainda o Hidrogênio – H2, que ganha importância a cada dia e que pode ser produzido por meio da eletrólise da água dessalinizada com a energia produzida utilizando “sobras” de aerogeradores, principalmente aqueles offshore e a partir de biomassa. O H2, por não produzir gás carbônico em sua queima, surge como a solução de energia limpa.
O H2 produzido a partir de fontes renováveis é designado como Hidrogênio Verde – H2V. Os outros tipos mais comuns são o Cinza produzido a partir do gás natural e o Azul que é o Cinza com captura do gás carbônico gerado.
Em termos de biomassa, o Brasil está bem-posicionado no ranking mundial, pois além do etanol, pioneiro desde a década de setenta com o Proálcool, tem ainda a possibilidade de produzir outros biocombustíveis e os e-fuels, com destaque para o querosene de aviação.
Os energéticos gerados trazem demandas adicionais para a indústria de máquinas e equipamentos, pois, além do suprimento e ou armazenamento de energia, podem ser utilizados em mobilidade: nos motores a combustão, nos veículos híbridos e ainda para geração de energia elétrica no próprio veículo por meio de células de hidrogênio ou células de etanol.
O Brasil é o sexto produtor mundial de urânio e ocupou a sétima posição na produção de energia eólica em 2019, posição que deve melhorar com a inclusão dos parques offshore em fase de projeto. Foi um excelente avanço, pois, em 2012, encontrava-se na 15ª posição.
Apresenta ainda um dos melhores índices de insolação para geração de energia térmica ou fotovoltaica, suas reservas de petróleo provadas hoje estão em 16 bilhões de barris, sem considerar as reservas consideradas possíveis e prováveis em bacias conhecidas e nas ainda não pesquisadas.
Do ponto de vista de bioenergia, somos o segundo produtor mundial de biomassa e de biocombustíveis e quanto aos resíduos sólidos, quando utilizados como fonte de energia, resolvem, ao mesmo tempo, um passivo ambiental.
Outro destaque é a nossa população, que está entre as seis maiores do mundo e representa significativo mercado interno. Se considerarmos a intersecção dos países de maiores PIB, extensão territorial e população (mercado interno), só existem cinco e o Brasil é um deles. Esse dado indica que há potencial para desenvolvimento com ênfase em energias hoje ditas alternativas, mas logo serão principais. O Brasil tem todas as condições de partir na frente, e essa é uma oportunidade que não podemos perder.
Com a expansão da energia eólica offshore, vai haver disponibilidade de energia suficiente para produzir o H2V economicamente viável e, justamente devido à combinação de todas as fontes de energia aqui disponíveis, podemos ter um mix otimizado possibilitando um progresso significativo com a combinação inteligente das fontes disponíveis.
O H2V caminha para ocupar lugar de destaque como armazenador de energia e na mobilidade por combustão mista e em veículos elétricos e ainda usando o etanol como transportador de H2, o que é um diferencial para o Brasil, que possui logística bem estruturada para a distribuição em todo o país.
Por fim existe a possibilidade da produção de H2 para comercialização como commodity a ser exportada, favorecendo a balança comercial do Brasil. Nesse aspecto, devemos estar atentos para que não venhamos, unicamente, acrescentar mais um produto primário, de baixo valor agregado, em nossa pauta de exportações.
O objetivo principal deve ser o domínio de toda a cadeia de valor, incluindo tecnologia, engenharia, fornecimento de máquinas, equipamentos e materiais, domínio dos processos e operações, logística e planejamento de toda a desmobilização decorrente das fontes de energia que forem sendo substituídas, tais como o petróleo, o gás natural e o carvão mineral. Tudo isso mantendo a garantia de abastecimento.
Todo esse quadro gera oportunidades para o desenvolvimento da economia nacional e, acima de tudo, para permitir ao País adquirir autonomia de decisão nos aspectos econômicos, tecnológicos, industriais e sociais, mantendo a soberania nacional e minimizando as ameaças provenientes de crises externas.
O Brasil tem potencial para explorar todas as energias, e a transição energética representa uma excelente oportunidade de negócios para a indústria de máquinas e equipamentos. Cabe a nós agirmos para maximizar seu aproveitamento em prol do desenvolvimento nacional.