Brasil precisa criar seu próprio caminho

A ‘quarta revolução industrial’ promete inovar e alterar de maneira profunda todas as relações presentes à cadeia industrial, incluindo a forma como as empresas atenderão pedidos online de seus clientes

Quando menciona-se a chamada ‘Manufatura Avançada 4.0’, o que especificamente esse conceito revela perante a maioria dos empresários brasileiros, notadamente dos setores relacionados ao plásticos e borrachas? Antes de mais nada, representa incômoda incógnita, afinal o conceito, absolutamente recente, ainda não ganhou a tão desejada ‘popularidade’. Em seguida, o desconhecimento transforma-se em ansiedade, quando não, em angústia.

Mas, o que é, de fato, essa ‘coisa’ chamada ‘Manufatura Avançada 4.0’? Bom, em rápidas palavras, significa o estágio mais avançado e inovador de toda a história da cadeia produtiva industrial. Lá no passado, por volta de 1750, o escocês James Watt introduziu na Inglaterra melhoramentos e operacionalidade aos motores a vapor, dando o primeiro passo dentro do que se consagrou globalmente como “revolução industrial”. Dois séculos mais tarde de iniciada a ‘primeira revolução’ da indústria por James Watt (homenageado posteriormente pela transformação de seu sobrenome – Watt (W) – em símbolo da unidade de potência do Sistema Internacional de Unidades), a indústria ousou a ‘segunda revolução’ com a incorporação das linhas contínuas de produção, concretizada basicamente por Henri Ford, no setor automobilístico nos Estados Unidos. A ‘terceira revolução’ não tardou muito e surgiu representada pela incorporação dos benefícios da ultra-alta tecnologia da informatização aos processos produtivos, com o consequente deslocamento de trabalhadores de postos de serviços (especialmente pela incorporação dos robôs às linhas de produção, cujo exemplo mais avançado são as ‘fábricas apagadas’ da indústria automobilística japonesa).

Agora chegou a vez da ‘quarta revolução industrial’, também identificada por ‘Indústria 4.0’, ou, ainda, ‘Manufatura Avançada 4.0’, traduzida pela total integração do universo online, das redes de comunicação, à cadeia de produção de todo e qualquer artigo demandado pelas sociedades e em tempo real. Exemplos dessa revolução já permeiam o mundo da indústria, especialmente no Japão, Alemanha, Coreia do Sul, China e Estados Unidos. De maneira bem específica e técnica, ‘Manufatura Avançada’ refere-se à integração digital completa das várias etapas da cadeia de valor da produção industrial, englobando todos os estágios, desde o desenvolvimento ao uso final do item em questão.

Segundo Jefferson Gomes, diretor regional do Senai/SC e professos do ITA (Instituto de Tecnologia Aeronáutica), de São José dos Campos (SP), em entrevista concedida ao Portal CNI, “a alcunha ‘Indústria 4.0’ é germânica”. Segundo ele, “os alemães usam o termo em função das três revoluções industriais já ocorridas, sendo que a atual, a quarta, representa a fase em que as indústrias de máquinas e equipamentos, baseadas em sistemas cyber-físicos, começam a tomar decisões de quando ligar, desligar, ou de quando acelerar, ou reduzir a produção no ambiente da manufatura”.

Ou seja, a ‘Manufatura Avançada’ sugere profunda transformação das atuais unidades fabris em ‘indústrias inteligentes’, que unirão as tecnologias alocadas ao mais avançado estágio de ‘inteligência artificial’ para aumentarem a produtividade, eficiência e poder de customização. Tudo isso gerando retornos crescentes e melhoria de processos em diversos setores do segmento industrial, além de reduzir prazos para lançamento e entrega de novos produtos aos mercados consumidores. Nessas ‘fábricas inteligentes’, explica Jefferson Gomes, “as máquinas e os insumos ‘conversam’ entre si ao longo dos processos industriais de modo relativamente autônomo e integrado”. Equipamentos localizados em diferentes plantas industriais também podem trocar informações em tempo real quanto a compras e estoques, por exemplo, gerando otimização logística e estabelecendo maior integração entre as partes componentes da cadeia produtiva.

Produção customizada

A ‘Manufatura Avançada’ é composta por dois eixos – processos integrados, que garantem a produção customizada, e produtos inovadores. Investir em inovação e em educação, comenta Jefferson Gomes, “revela-se uma das principais formas de reverter o cenário atual da indústria, seja nacional, ou não, para competir globalmente”. A indústria nacional deve, estrategicamente, “elevar sua produtividade e investir em equipamentos que incorporem novas tecnologias”, ensina o professor do ITA. E, nesse sentido, “o desafio consiste em aumentar a familiarização dos vários segmentos industriais com a digitalização dos processos”, completa ele.

No âmbito da ABIMAQ, esforços estão sendo realizados há algum tempo no sentido de difundir o novo conceito perante os associados da entidade, incluindo os setores de máquinas e equipamentos para processamento dos plásticos e das borrachas. Parte desse esforço vem representado pela criação do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Máquinas e Equipamentos (IPDMaq/ABIMAQ) para difundir os mais avançados conhecimentos sobre tecnologias e tendências instaladas no âmbito da indústria global. Mais recentemente, por exemplo, a ABIMAQ colocou em operação uma “instalação modelo de ‘Linha Conceito da Manufatura Avançada’, na Feira Internacional de Máquinas e Equipamentos (Feimec), realizada no ano passado, onde demonstrou toda a capacidade da engenharia das empresas do setor frente aos desafios da Indústria 4.0”, lembra João Alfredo Delgado, diretor Executivo de Tecnologia da ABIMAQ.

E tanto esforço assim justifica-se. Afinal, a implantação desse conceito inovador e revolucionário exigirá dos interessados “digitalização dos processos; uso intensivo de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC); integração de sistemas, equipamentos e sensores; computação nas nuvens; a chamada ‘Internet das Coisas’; impressão 3D; novos materiais; robótica avançada; e inteligência artificial, entre outras tecnologias”, revela o executivo da ABIMAQ.

Caminho próprio

Mas, não é só isso. Todo esse ‘emaranhado’ de conceitos e tecnologias digitais deve estar associado a um conjunto de práticas e posturas que, entre outros itens, inclui reformulação do chão de fábrica, autogestão e descentralização das plantas, uso massivo de dados e informações, novos modelos de relacionamento com fornecedores e clientes, e desenvolvimento de novos modelos de negócios que, no caso particular da indústria, inclui a oferta de serviços e soluções. Respeitadas todas essas condicionantes envolvendo a Manufatura Avançada 4.0 chega-se à conclusão que a indústria nacional terá de buscar seu caminho próprio dentro dessa nova fase do processo industrial. Nunca é prejudicial lembrar que a realidade nacional é bastante distinta da existente em nações mais desenvolvidas industrialmente e que, nem sempre, soluções importadas se adéquam perfeitamente ao modelo industrial brasileiro.

Parece estar bastante claro, desde já, junto aos principais atores brasileiros que essa ‘quarta revolução industrial’ precisará trilhar, no Brasil, um caminho particular, peculiar, que leve em consideração exatamente a realidade do parque industrial instalado, a disponibilidade de recursos financeiros e a massa crítica intelectual existente. Esses mesmos especialistas avaliam (ao mesmo tempo em que incentivam) que, embora existam no País empresas de elevado nível de automação e inovação tecnológica, há, também, grande número de empresas bem menos avançadas. Razão pela qual o País precisará encontrar sua própria identidade em termos de Manufatura Avançada e não simplesmente copiar modelos internacionais prontos. Caso essa condição não seja respeitada, quer dizer, “caso adequemos nossa realidade industrial à soluções ‘importadas’, corremos o risco de criarmos uma indústria de segunda categoria perante o cenário global”, avalia Osvaldo Lahoz Maia, gerente de Inovação e de Tecnologia do SENAI/SP.

Nova dimensão industrial

E como se ingressa nessa nova dimensão revolucionária da indústria global? Os caminhos são muitos, efetivamente. O primeiro passo, contudo, “corresponde a uma real tomada de decisão interna pela implementação dessa nova dimensão industrial por parte da alta direção da empresa em questão”, comenta Anita Dedding, gerente Divisional de Tecnologia Industrial da ABIMAQ, Ou seja, começa “pela decisão de tornar a Manufatura Avançada elemento central do planejamento estratégico da empresa”, diz ela. Uma vez tomada essa decisão, “crie um ambiente para o desenvolvimento de um programa, ou projetos, no conceito da Manufatura Avançada; faça um levantamento sobre as possibilidades de digitalização de todas as áreas da empresa e crie competência para análise dos dados”, aconselha Anita Dedding. “Pense no todo”, incentiva a gerente da ABIMAQ, “mas, comece por pequenas iniciativas de forma a criar sólida cultura digital na sua unidade industrial”.

Particularmente em relação às indústrias dos plásticos e das borrachas, a Feira Plástico Brasil 2017 traz efetiva contribuição em relação ao tema Manufatura Avançada 4.0. Para atender interessados e ilustrar aspectos dessa ‘quarta e inadiável revolução industrial’ foi programado o Seminário Internacional Plástico Brasil – Rumo à Indústria 4.0. Nele os participantes discutirão tendências das indústrias do futuro, linhas de produção flexíveis, modulares e descentralizadas, virtualização das fábricas, sistemas cyber-físicos operando necessidades em tempo real, utilização de softwares orientados para serviços e o conceito de ‘Internet das Coisas’. O seminário foi idealizado para ocorrer apenas no dia 20 de março (abertura oficial do Plástico Brasil 2017) e constará de palestras ministradas por especialistas altamente qualificados do Brasil e também da Alemanha, representando a poderosíssima VDMA (Associação Alemã de Fabricantes de Máquinas). Todas essas apresentações visam despertar os interessados dos setores dos plásticos e das borrachas para os benefícios desse universo revolucionário representado por uma nova realidade industrial produtiva.

Como se observa, “esse novo conceito de manufatura já vem transformando a indústria tradicional, brasileira, ou não, que passam a ser ‘pensadas’ como unidades operacionais inteligentes”, comenta Anita Dedding. Nesse cenário futurista, centrado prioritariamente em conexão digital, “sistemas inteligentes conectados permitirão que máquinas ‘conversem’ entre si, alertando e otimizando processos, tomando decisões operacionais de manutenção, controlando estoque e até mesmo reprogramando embalagens e produtos segundo demandas específicas de usuários e consumidores”, afirma a representante da ABIMAQ. “E, tudo isso online, em tempo real”, finaliza.

Como se pode imaginar, essa nova realidade produzirá profundas mudanças não apenas nos processos produtivos, incluindo qualificação da mão de obra, como na gestão e administração dos negócios. E implicará perfeita e modelar sintonia entre os poderes públicos, a academia, os agentes financiadores, os fabricantes de máquinas e equipamentos e, principalmente, o universo composto pelos empresários transformadores de produtos finais, sua força de trabalho e seu público usuário, ou consumidor. Não aceitar, ou demorar para interessar-se pelo tema, poderá custar perdas irreparáveis ao empresariado. Uma coisa, porém, é certa e inexorável – a ‘quarta revolução industrial’, ou, a chamada Indústria 4.0/Manufatura Avançada 4.0, já chegou e promete transformar dramaticamente todas as relações existentes nas cadeias industriais, envolvendo desde fabricantes de máquinas e equipamentos, aos fornecedores de insumos e matérias primas, trabalhadores, poder público, agentes financeiros e, principalmente, usuários/consumidores finais.