O Brasil está de fato voltando seus olhos para a sustentabilidade e o controle das emissões de carbono. Premido – ou não – pelo mercado global, principalmente pelos importadores dos produtos aqui originados, múltiplas iniciativas são adotadas e estimuladas, situando este país como um potencial líder no fornecimento – e na utilização – de fontes limpas de energia, não como um mero exportador de commodity, mas como um dos principais atores no cenário internacional.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela fiscalização do funcionamento das usinas, em 5 de janeiro de 2022, apresentou relatório mostrando que, apesar de a geração hidrelétrica ter sofrido as consequências daquela que foi a maior escassez hídrica em 91 anos, 2021 também foi “o ano da maior ampliação da geração eólica registrada no País”, modalidade que correspondeu a 48,85% do acréscimo total de potência no período, representando 11,46% da matriz energética brasileira.
As usinas eólicas responderam por 3.694,32 MW de potência instalada, recorde de entrada em operação dessa fonte no Brasil; as termelétricas registraram expansão de 2.449,69 MW (32,39%); as solares fotovoltaicas cresceram 1.299,46 MW (17,18%); e as pequenas centrais hidrelétricas (PCH) inseriram 114,14 MW (1,51%) na matriz.
O volume agregado – resultante também da inauguração ou reabertura de usinas geradoras em 20 Estados – em 2021 foi de 7.562,08 MW, superior a duas usinas de Jirau, a quarta maior hidrelétrica do Brasil, com 3.750 MW. Esse total é “57,8% superior aos 4.790,4 MW estabelecidos como meta em janeiro passado. Trata-se do segundo maior incremento na série histórica medida pela Aneel desde 1997, atrás apenas de 2016, quando o acréscimo foi de 9.528 MW”.
Ainda de acordo com o órgão regulador, em 2022, o grande destaque será a energia solar, pois “será o primeiro ano em que essa fonte representará o maior incremento de geração centralizada no País, com cerca de 4,5 gigawatts, superando a própria geração eólica”.
Energia elétrica brasileira é renovável
Consulta realizada em 23 de janeiro de 2022 ao Sistema de Informações de Geração da Aneel (Siga), atualizado diariamente com dados de usinas em operação e de empreendimentos outorgados em fase de construção, apontava que 82,97% da energia elétrica em operação estavam sendo gerados por fontes renováveis.
A causa deste avanço pode estar no marco regulatório da geração distribuída de energia, Lei 14.300/2022 sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 6 de janeiro de 2022. Esta norma é voltada para consumidores que geram sua própria energia elétrica (residências, pequenos negócios, terrenos, propriedades rurais e prédios públicos, entre outros), especialmente por meio de fontes renováveis.
Uma das principais mudanças previstas na lei relaciona-se à garantia de que, até 2045, os sistemas de geração própria em funcionamento e as novas solicitações de acesso de até 500 kW feitas em até um ano ainda serão reguladas pelas normas atuais.
Todos esses dados justificam a conclusão da 58ª edição do Índice de Atratividade de Países em Energia Renovável (RECAI, na sigla em inglês), elaborado pela consultoria EY, divulgado em outubro de 2021: o Brasil saltou da 11ª para a 9ª posição entre os países com maior potencial para atrair investimentos em energia renovável, atrás, pela ordem, de Estados Unidos, China, Índia, França, Reino Unido, Alemanha, Austrália e Japão. O Brasil é seguido pela Espanha e está à frente de países como Dinamarca, Canadá e Israel.
Associadas ABIMAQ e seu papel
“A ABIMAQ trata de todas as fontes energéticas e são vários os temas de energia discutidos cotidianamente dentro da ABIMAQ”. Essa frase de José Velloso – presidente-executivo da Entidade resume o papel do setor e sua ativa participação nos investimentos na busca de maior eficiência energética, seja nas próprias instalações, seja nas máquinas e equipamentos que fabrica.
Para mostrar ao mercado a capacidade atual e as perspectivas para 2022 do setor de máquinas e equipamentos sobre o tema, a ABIMAQ realizou, em 24 de novembro, um webinar com a participação dos Conselhos de Mercado, Câmaras Setoriais e Grupos de Trabalho diretamente relacionados às fontes de energia.
Juntas, as empresas vinculadas a esses organismos da Entidade interagem com segmentos diversos, tais como geração de energia por resíduos sólidos e do hidrogênio, energia eólica e energia solar fotovoltaica; petróleo e gás natural; equipamentos navais offshore e onshore; postos e serviços para abastecimento dos combustíveis; energia à combustão; hidroenergia; turbinas a gás e a vapor; energia proveniente da bioenergia; e fabricação de caldeiras, entre muitos outros.
“O somatório das empresas apresentadas por cada um desses setores aqui, perfazem cerca de 600 fabricantes de máquinas, equipamentos e sistema. Uma boa parte da nossa indústria faz parte desse contexto”, constata Velloso.
O evento, como informa Marcos Perez – superintendente de Mercado Interno da ABIMAQ –, objetivou “aumentar a visibilidade da ABIMAQ como entidade central no debate sobre o desenvolvimento das cadeias industriais para geração de energia e divulgar oportunidades de negócios aos associados, uma vez que, para crescer, a economia precisa de energia”.
Como parte desse debate, a Máquinas & Equipamentos consolida as apresentações dos representantes da Entidade e dos coordenadores dos Conselhos de Mercado de Eólica, de Hidrogênio e de Óleo & Gás; dos presidentes das Câmaras Setorial de Equipamentos Navais Onshore e Offshore (CSENO), de Máquinas e Equipamentos para Postos de Serviços e Soluções de Abastecimento (CSMEPS), de Motores e Grupos Geradores (CSMGG), de Projetos e Equipamentos Pesados (CSPEP) e do Sindicato Nacional das Indústrias de Equipamentos para Saneamento Básico e Ambiental (Sindesam); e do coordenador do Grupo para Desenvolvimento do Setor de Energia Solar Fotovoltaica (GT-Energia Solar), aqui listados pela ordem alfabética.
A matéria – que encerra as três edições consecutivas com apresentação das fontes mais recentes de geração de energia descarbonizada – também apresenta cinco casos de sucesso, assim como ações desenvolvidas por empresas de máquinas, componentes, insumos e energia no campo da descarbonização das fontes geradoras; além de lançamento pelo BNDES do FGEnergia, a ser operacionalizado em breve, e artigo de Alberto Machado Neto – diretor-executivo de Petróleo, Gás Natural, Bioenergia, Hidrogênio e Petroquímica, na ABIMAQ – sobre as oportunidades de negócios para a indústria de máquinas e equipamentos, tema desenvolvido por ele durante o fórum.
Cenário atual e transição energética: diagnóstico e oportunidades
Na abertura do seminário, José Velloso destacou que, “mesmo com o grande movimento no universo das principais nações para a descarbonização das economias, sabemos que por algumas décadas ainda conviveremos com a energia proveniente do petróleo. No caso do Brasil, o pré-sal ainda será fonte de riquezas para o País”.
Esse comentário permeia toda a conjuntura e sinaliza o gás natural como energético de transição, confirmando que os combustíveis fósseis não desaparecerão do mercado, mas continuarão atendendo nichos muito específicos, com total controle sobre sua utilização, como a indústria química.
Todo o trajeto da energia até o consumidor, seja industrial, comercial, residencial ou individual (no caso de veículos, por exemplo), tem início na geração e, mais ainda, nas fontes utilizadas para produção da energia que será disponibilizada ao mercado.
Nesse campo, o hidrogênio verde – assim chamado por ser obtido a partir de fontes renováveis – é sinalizado como energético inovador. Marcelo Veneroso, coordenador do Conselho de Mercado de Hidrogênio, frisa que “o Brasil já entrou na era do hidrogênio, mas temos de dominar nossas ansiedades. Cada vez mais, empresas relevantes anunciam estudos e investimentos nessa área. No plano de investimento da Petrobras, por exemplo, aparece o hidrogênio como uma das possibilidades de energia sustentável, e os projetos estão ganhando corpo. As oportunidades estão apenas começando a acontecer”.
E, garante Veneroso : “Não é de agora que o Brasil produz hidrogênio verde de forma experimental. Temos empresas com tecnologia própria para a produção H2V há mais de 18 anos. Lembramos, ainda, que o hidrogênio cinza, aquele produzido a partir de combustíveis fósseis e fontes não renováveis, é aplicado em larga escala nas refinarias e em áreas industriais, entre outras”.
O tema hidrogênio verde, na opinião de Veneroso, faz cerca de três anos, “ganhou grande relevância, e alguns países saíram à frente, como Alemanha, China, Japão e o Chile, que anunciaram algumas iniciativas bem arrojadas para hidrogênio verde a partir de 2019. O Brasil, por sua vez, no segundo semestre de 2020, deixou a posição de expectador, e os governos em âmbito federal e estaduais, as universidades e as empresas se movimentaram e lançaram o hidrogênio como possível matriz energética”.
“Hoje vemos diferentes projetos em andamento, o assunto sendo discutido, as primeiras regulamentações surgindo, governos fazendo planos de inserção do hidrogênio verde dentro das suas matrizes, processos e composição de energia”, comemora om presidente do Conselho de Hidrogênio.
As portas para entrada do setor de máquinas e equipamentos são diversas, como detalha Veneroso, pois independentemente do porte, “a unidade de produção assemelha-se a uma pequena refinaria e. para funcionar, depende dos mesmos produtos e equipamentos fabricados por fornecedores especializados. Também necessita de alta qualificação técnica em montagem, manutenção, engenharia e pesquisa e desenvolvimento, e as indústrias representadas pela Entidade precisam estar preparadas”.
Outras duas fontes estão em contínuo desenvolvimento, como demonstrado no balanço da Aneel: eólica e fotovoltaica. Na ABIMAQ essas duas energias são tratadas em órgãos distintos – o Conselho de Mercado de Eólica e o GT-Energia Solar – ambos coordenados por Roberto Veiga.
Veneroso e Veiga concordam com o entrelaçamento das cadeias de hidrogênio e eólica, principalmente no Brasil e em especial na modalidade offshore, com projeto em desenvolvimento no Ceará: “Na própria plataforma da eólica seria gerado o hidrogênio e feita a conteinerização do gás, por compressão ou liquefação, para transporte e possível exportação a países que não possuem uma matriz energética como a brasileira. A cadeia produtiva é a mesma da onshore, o que muda é a dimensão do sistema”, constata o presidente do Conselho de Eólica.
Descrevendo o contexto e as oportunidades para a energia eólica, Veiga comenta que “hoje temos 20 GW instalados, gerados em mais de 700 parques com mais de 10 mil torres, total suficiente para abastecer 20 milhões de habitantes. Com outorga pela Aneel são mais 12 GW segmentados em mais de 350 empreendimentos novos, dos quais cerca de 170 estão em construção. Esses números mostram a possibilidade de concretização da expectativa de chegar em 25 GW nos próximos dois anos, incentivado mais pelo mercado livre do que pelo mercado regulado”. A título de comparação, a UHE de Itaipu tem 14 GW.
A geração via energia solar fotovoltaica, para Veiga, constitui-se grande surpresa: “Já atingimos 12 GW instalados na geração distribuída no Brasil, e as pessoas físicas são as responsáveis pelo investimento em residências e estabelecimentos comerciais e industriais. Essa fonte já evitou a emissão de mais de 14 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera, resultado de investimento acima de R$ 70 bilhões, feito pela iniciativa privada para o governo”.
Resíduos sólidos – A biomassa originada em resíduos sólidos urbanos também desperta atenção de investidores e empreendedores e acena com possibilidades de incremento significativo em decorrência dos investimentos previstos pelo Marco Legal do Saneamento. Estela Testa, presidente do Sindesam, garante que “existe, sim, tecnologia, porém em sua maioria europeia. A principal tecnologia é a incineração, considerada já consolidada, com cerca de 2.500 plantas funcionando no mundo, sendo que apenas a América Latina não possui nenhum empreendimento”.
Outra tecnologia que também encontra aplicação no Brasil é a de tratamento do lodo derivado do resíduo sólido urbano. Testa fala sobre estudos que envolvem sua inclusão no resíduo sólido para a geração de energia: “A melhor maneira é retirar em torno de 50% da umidade do lodo, incorporar a secagem e adicionar o que sobra ao lixo (de 20% a 30%) e apenas posteriormente incinerá-lo”.
À frente dos demais países da América Latina, de acordo com a presidente do Sindesam, “no Brasil, existem cinco projetos em condições de desenvolvimento, cada um com sua particularidade”. Um deles, em fase de licenciamento ambiental e apresentado nesta matéria, será instalado na região metropolitana de Campinas e terá capacidade diária de 700 toneladas de lixo. Os demais estão sediados em Barueri, Mauá, Santos e Rio de Janeiro. No total, esses projetos, quando em operação, transformarão em energia cerca de 8.800 toneladas de lixo por dia.
Analisando essas sistemáticas do ponto de vista da Economia Circular, ocorre a completa reciclagem do lixo, pois após o processo de incineração, os 10% que sobram são material inerte que pode ser utilizado na construção civil.
“Essa é uma oportunidade para as empresas associadas ao Sindesam se envolverem com projetos, uma vez que já existem empresas internacionais interessadas na produção dessa tecnologia no Brasil, complementando as demais tecnologias que já presentes no território nacional, como equipamentos elétricos, estruturas metálicas, bombas, motores e caldeiras”, destaca Estela Testa.
Nesse sentido, Velloso recorda que “a ABIMAQ participou da criação da Coalizão Valorização Energética de Resíduos, em 2020, e no âmbito dessa instituição vem tratando do arcabouço legal para acabar com os lixões a céu aberto via transformação dos resíduos em energia, ação que une saneamento, saúde pública e geração de energia”.
Óleo e gás – Os palestrantes concordam que os combustíveis fósseis ainda terão importância nos próximos anos e que o momento atual é de transição para energias renováveis, com o gás natural destacando-se como energético de transição.
“Norte e Nordeste têm grandes reservas onshore sendo exploradas. No Maranhão, as reservas já vêm sendo monetizadas e há investimentos em térmicas que já estão conectadas ao grid. No Amazonas, há grandes reservas de gás, tais como Urucu, Juruá e Coari. Estas reservas já estão conectadas por dutos com Manaus, mas falta muito para que este gás seja conectado também às demais regiões do Brasil”, diz Idarilho Nascimento, coordenador do Conselho de Óleo e Gás.
Outro fato comentado por Nascimento tem relação com a venda, pela Petrobras, de alguns ativos em vários segmentos. “Isso é benéfico para o mercado atendido pela ABIMAQ, porque novas empresas estão surgindo para focar em campos onshore e em águas rasas. Ou seja, serão novos players que demandarão novos investimentos em seus campos maduros recém-adquiridos e que proporcionaram uma nova dinâmica para o setor.
Ao lado do processo de descarbonização e desenvolvimento ou expansão do uso de novas fontes energéticas ainda deve ser considerada a tecnologia para capturar e armazenar o carbono, evitando danos ao meio ambiente. Entre as principais aplicações do carbono capturado, Nascimento cita a reinjeção nos próprios poços e o CCUS, sigla em inglês para Carbon, Capture, Utilization and Storage, que atua com a coleta do CO2 na fonte de geração e o transporta por dutos para campos depletados de petróleo onshore ou offshore.
Essa visão do coordenador do Conselho de Óleo e Gás é corroborada por Bruno Galhardo, presidente da CSENO, uma vez que, nesse universo de oportunidades, a indústria naval está em condições de dar o suporte àqueles atores que estão à frente dessa transição energética, principalmente, em projetos offshore, como os de wind offshore (geração de energia eólica offshore), que “necessitam de embarcações de apoio que ainda não existem no Brasil. Desta forma, vejo grande potencial para conversões de embarcações em OWSV – Offshore Wind Support Vessels; SOV – Service Operations Vessels e Wind Turbine Installation Vessels”.
“Os estaleiros de médio porte com projetos voltados à navegação interior encontram-se com boas carteiras para os próximos anos. Com relação aos grandes projetos offshore, poucos estaleiros conseguem fornecer e os que o fazem integram empresas asiáticas. Estes estaleiros estão construindo módulos que serão integrados ao FPSO na Ásia, antes de serem enviados ao Brasil”, enfatiza Galhardo.
A transição energética responde, ainda, pela transformação das próprias embarcações que migram para projetos com propulsão mais limpa, como híbridas, elétricas e nucleares. O presidente da CSENO lista, entre os projetos importantes que ilustram esta transformação, os empurradores elétricos da Hidrovias Brasil, em construção pelo estaleiro Belov, na Bahia, (vide texto específico mais à frente); assim como o primeiro navio porta-container autônomo e elétrico do mundo, lançado no final do ano, e motor à propulsão nuclear desenvolvido pela Marinha do Brasil, responsável pela inserção do País num grupo seleto de países detentores desta tecnologia.
As oportunidades de mercado englobam, também, a geração de energia a partir das ondas dos oceanos, que está recebendo investimentos ainda pontuais, mas que vêm merecendo atenção e privilegiará os fornecedores preparados e com tecnologia disponível e confiável (vide matéria mais à frente).
Complementariedade – Enquanto os segmentos citados até o momento têm relação direta com a transição energética, há atividades que fornecem serviços, peças, insumos e equipamentos, contribuindo para o resultado final. Desse grupo, faz parte, por exemplo, o setor de postos de serviços, que em sua totalidade trabalha com combustíveis fósseis e começa a se preocupar em agregar a atividade de recarregamento de baterias, mesmo que a médio e longo prazos e, portanto, mais à frente usufruirá dessa transformação.
Presidente da CSMEPS, Bruno Rosas realça que essa não é uma resistência da atividade à descarbonização da economia, pois “esse é um caminho sem volta, e cabe ao Brasil, desde já, definir que rumo quer seguir: “A eletrificação abre espaço para o segmento de serviços na manutenção e no reparo dos carregadores, assim como no fornecimento de sistemas de gestão de vendas e de pagamento da energia entregue”.
Em situação semelhante estão as fabricantes associadas à CSMGG. Reinaldo Sarquez, presidente desta câmara setorial, fala da dualidade vivenciada pelos grupos geradores: “Nesse cenário atual, eles são um patinho feio porque vão na contramão da redução das emissões, mas, em emergências, são equipamentos fundamentais devido também à flexibilidade, a exemplo do que aconteceu no ano passado, que, devido à crise hídrica e à possibilidade de apagão, acabou a disponibilidade de locação dos grupos geradores”.
Em paralelo, a aprovação de lei de controle de emissões para grupos geradores na cidade de São Paulo (SP) abre espaço para a substituição de equipamentos obsoletos. “Temos aí um mercado interessante, pois a adoção da medida pela capital paulista é o primeiro passo e deve levar à disseminação da legislação para outras cidades e Estados”, prevê Sarquez. Além disso, de acordo com seu presidente, a CSMGG e seus membros “trabalham com a proposta de plurigeração de energia: hídrica, termoelétrica, fotovoltaica, eólica, nuclear, maré etc.”
A comprovação dessa visão está no desenvolvimento de modelos de grupos geradores com matriz energética alternativa, como os híbridos em diesel e gás, que utilizam o óleo apenas para a partida, assim como modelos que utilizam etanol e biodiesel, ou seja, “as fabricantes desses equipamento já contam com tecnologia para minimizar as emissões. Energia solar também é um potencial capaz de nos tirar da condição de reféns de um sistema hídrico que, de tempos em tempos, é afetado devido a mudanças no regime de chuvas”.
Dependente de grandes projetos, as empresas de projetos e equipamentos pesados usufruem, pela CSPEP, de informações que favorecem o planejamento. Trata-se do monitoramento do mercado, atividade desenvolvida pela ABIMAQ para diversos segmentos e disponibilizadas apenas às indústrias associadas, por intermédio das câmaras setoriais.
“Não conseguimos varrer todos os projetos existentes, mas listamos os mais importantes e procuramos trazer para a nossa reunião os investidores vencedores dos leilões (ou investidores privados) para dialogar e, assim, identificamos as possibilidades de participação da indústria local, aspectos técnicos e exigências de conteúdo local, principalmente quando os investimentos são financiados pelo BNDES”, comenta Wagner Setti, presidente da CSPEP, lembrando que – segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2030) da Empresa de Pesquisa Energética – os projetos contratados por Fonte de Geração até 2025 são: biomassa com 804 MW; hidroelétricas, 142 MW; PCH (Pequena Central Hidrelétrica) e CGH (Central Geradora Hidrelétrica), somando 854 MW (o correspondente a 57 PCHs); além de 6.551 MW por termoelétricas.
Já para o período de 2026 até 2030, a EPE relaciona as seguintes contratações: biomassa, 400 MW; hidroelétricas, 4.333 MW sejam em novas unidades ou mesmo via modernização de UHE existentes; PCH e CGH, 1.500 MW; termoelétricas, 6.551 MW; UTE Flexível (on/off), 12.334 MW; e resíduos sólidos urbanos, 60 MW.
Para as empresas da CSPEP – reforça Setti – esse cenário descrito acima, que compreende projetos já contratados e projetos a serem contratados até 2030, “traz muitas oportunidades para a indústria de máquinas e equipamentos. Os projetos de biomassa e de PCH/CGH podem ser considerados mais promissores, devido ao ciclo de duração ser mais rápido. De qualquer modo, projetos ligados a hidroelétricas e termoelétricas, que têm ciclos mais longos e mais complexos em termos de licenciamento ambiental, também devem trazer ótimas oportunidades principalmente para equipamentos de grande porte”.
O reconhecimento de que “as fabricantes de máquinas e equipamentos nacionais e multinacionais tradicionais instalados no Brasil têm em seu DNA o investimento acentuado em melhorias de processo, evolução tecnológica constante (P&DI) e equipamentos com alto grau de eficiência energética é fortalecido pelas tendências crescentes de uso de tecnologias como IoT, manufatura 4.0 e agora a chegada do 5G. A implantação em grande escala de programas de sustentabilidade, com ênfase em ESG e descarbonização, marca a transição para um futuro de energia limpa”, contextualiza Setti, com a certeza de que todos estes aspectos “formam uma cadeia de suprimentos ágil, com alta produtividade e competitividade, apta a atender os investimentos do setor energético nos próximos anos com alta performance e tecnologia de ponta”.
Desafios para o crescimento
O cenário positivo, as expectativas animadores e a indústria brasileira em condições de atender a necessidade e a demanda por soluções que contribuam de modo direto ou indireto para a descarbonização da economia, como apontado pelos representantes da ABIMAQ, dependem de ajustes e da ampliação dos investimentos públicos e privados em infraestrutura, assim como da reorganização da economia a partir de uma indústria moderna e desenvolvida.
Licenciamento ambiental, financiamento, infraestrutura, cadeia de fornecedores, tecnologia, legislação são pontos elencados por todos os participantes, com alguns segmentos sendo mais afetados do que outros.
No caso da energia gerada pelos resíduos urbanos, as dificuldades são inúmeras e compreendem, inclusive, a inserção de cidades de pequeno porte no processo. Há, ainda, problema da desconexão temporal entre a concessão da usina e do leilão, gerando insegurança jurídica.
Exemplificando, a presidente do Sindesam cita Barueri e São Paulo, com contextos opostos. Barueri ganhou a concessão de tratamento do resíduo e somente anos depois conseguiu vender a energia. Já São Paulo “possui uma legislação própria, desenvolvida ao longo de cinco anos via convenio com o governo alemão, ou seja, o licenciamento não é considerado um entrave. A expectativa é que outros Estados sigam São Paulo”, espera.
Estela Testa, reforçando que “o potencial de crescimento está direcionado às grandes capitais, como São Paulo que produz diariamente 12.000 toneladas de lixo; Belo Horizonte ou Brasília, ao redor de 2.500 toneladas de lixo diariamente, o que representa cerca de 130 usinas”, sugere, para os demais municípios, a formação de consórcios.
“A tecnologia é consolidada, o que favorece a obtenção do licenciamento ambiental. No entanto, a cadeia de fornecedores e a tecnologia são principalmente da Europa, e isso é impeditivo para o BNDES/Finame”, lembra Estela Testa, e conclui: “O financiamento depende de recebíveis. Considerando que o Novo Marco do Saneamento estipulou a taxa/tarifa, a taxa do lixo estaria resolvida. É muito importante um valor adequado para esta venda de energia. Os tipos de financiamento podem ser da Caixa Econômica Federal ou até do Banco Mundial”.
Legislação também é o gargalo do setor de energia eólica offshore, identifica Veiga: “Há necessidade de consolidação de legislação para sua implementação devido ao uso do mar ser prerrogativa do governo. Falta maior entendimento das consequências do uso do mar para a geração de energia e há também problemas a serem sanados, com relação a pássaros e à própria vida marinha“.
“As nuvens começam a ser dissipadas, devido ao Brasil manter um acordo com uma entidade dinamarquesa para maior entendimento do assunto”, confirma Veiga. Contudo, reconhece a imprescindibilidade de “acelerar essa possibilidade de utilizar o mar de forma técnica e consciente para podermos iniciar o projeto”.
No caso da energia fotovoltaica, Veiga – como coordenador do GT-Energia Solar – agrega a “falta de pontos de conexão e linhas de transmissão, dependentes de leilão e de licenciamento ambiental”.
Óleo e Gás – O universo de Óleo e Gás tem um cardápio variado de oportunidades que, de entrada, apresenta a necessidade “de reduzir as emissões na própria produção do petróleo, aumento da eficiência e menor consumo de energia. Algumas iniciativas vêm sendo realizadas, a exemplo da redução da queima do gás e óleo, geração de energia na plataforma utilizando equipamentos mais eficientes, como turbinas de ciclo combinado”, constata Nascimento.
O coordenador do Conselho de Mercado de Óleo e Gás também inclui nesta análise a necessidade da melhor utilização do gás natural tanto como insumo energético quanto como matéria-prima na produção de fertilizantes dentre outras aplicações. O Brasil tem grandes reservas de gás no pré-sal associadas ao petróleo, em Manati na Bahia, no Maranhão e no Amazonas. O importante é conectar estas reservas aos grandes centros consumidores, e promover a integração energética regional na América do Sul, interligando Argentina, Bolívia e Brasil.
“O gás natural, no Brasil, é um insumo caro. Precisamos ter mais fontes supridoras de gás e novos players no setor. Só assim conseguiremos ter um gás a preços competitivos para viabilizar novos projetos. No Brasil, o industrial paga US$ 15 / MMBTU o gás natural, enquanto em outros países, como México e Argentina, este preço está na faixa de US$ 3,5 / MM BTU”, conclui Idarilho Nascimento.
Galhardo inclui na relação de soluções necessárias “a implementação de planos governamentais e projetos que viabilizem a produção das áreas de ciência e tecnologia, com o fim de promover o desenvolvimento industrial nacional”, reduzindo a dependência “de tecnologias desenvolvidas pelo capital externo e pelas multinacionais instaladas em território brasileiro, denotando fragilidade econômica”.
Considerando o cenário atual e visando ao contexto pós-pandêmico, o caminho apontado pelo presidente da CSENO, para recuperar as empresas da atividade, é permeado “por mudanças estruturais e comportamentais que trabalharão para reequilibrar as finanças das empresas e também pela aplicação das premissas da indústria 4.0, que requer investimento em processos integrados e mudança cultural”.
Esse setor é um dos principais demandantes de projetos e de equipamentos pesados que, no âmbito da ABIMAQ, é representado pela CSPEP. Seu presidente lembra entre os principais desafios o fortalecimento das empresas de engenharia nacional, o aprimoramento dos instrumentos de apoio e fomento à inovação e a utilização de máquinas e equipamentos com alta eficiência energética, produtividade e competitividade.
A transformação digital, para Setti, é prioritária e dependente de investimentos em máquinas e equipamentos com altos percentuais de P&DI, IoT, manufatura 4.0, tecnologia 5G; de formação de mão de obra especializada em indústria 4.0; e de roadmap de normas brasileiras e indústria 4.0. A alternativa está no estabelecimento de Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), via concessões, parcerias público-privadas e privatizações.
No outro extremo, na ponta da relação do setor de combustíveis com o consumidor, o presidente do CSMEPS cita regulamentação, segurança, incentivo para desenvolvimento de veículos elétricos, assim como o desenvolvimento de transformadores de alta carga como prementes.
“Nos Estados Unidos há 150 mil postos de abastecimento e 84% deles com lojas de conveniência. Já o Brasil tem apenas 42 mil desses estabelecimento sendo que somente 21% possuem lojas de conveniência”, pontua Rosas. Essa comparação ganha importância ao se considerar que é no estacionamento nesses espaços conjugados aos postos que os veículos elétricos são recarregados e também “porque demora até 2 horas para carregar o carro, enquanto a média de um abastecimento na bomba é de 7 min a 12 min”.
A falta de aço e insumos diversos, a crise de logística e de frete, que “elevou até 300% o frete por container, que, de acordo com estimativas da ABIMAQ deve ser solucionada apenas em 2023”, são recordadas por Sarquez.
A falta de limite de emissões para os grupos geradores é outro gargalo, e foi atendido na cidade de São Paulo (vide texto nesta matéria). Comemorando o fato, o presidente da CSMGG inclui em sua lista a necessidade de “rede de transmissão interligada atendendo todo o País, que é um problema muito conhecido, e o investimento em transmissão, que é menor do que em geração”.