Sondagem realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) junto a 196 médias e grandes empresas industriais e de serviços selecionadas mostra que apenas 10% delas utilizaram linhas de financiamento público à pesquisa e desenvolvimento (P&D) ao longo do ano de 2020. De acordo com os dados, 89% das empresas consultadas custearam a atividade inovação com recursos próprios. Em paralelo, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, defendeu que o Brasil priorize uma política de longo prazo para a área de inovação. Tanto a divulgação da pesquisa quanto a declaração tiveram como palco o primeiro dia do 9º Congresso Brasileiro de Inovação da Indústria, promovido pela CNI e pelo Sebrae, em São Paulo, nos dias 9 e 10 de março.
“Devemos construir, com urgência, uma visão de longo prazo em que a inovação seja a prioridade e o principal vetor para a inserção internacional do Brasil na era do conhecimento”, pontuou o presidente da CNI, na abertura do evento, frisando que “as adversidades inéditas trazidas pela pandemia de Covid-19 reforçaram a importância da inovação para a retomada do crescimento econômico e para a melhoria da qualidade de vida da população. “O esforço dos setores público e privado para estimular o desenvolvimento tecnológico é imprescindível para aumentar a produtividade, acelerar o crescimento econômico e promover o bem-estar da população brasileira”, disse.
Além de uma política de longo prazo para ciência, tecnologia e inovação (CT&I), o presidente da CNI recomendou que o país promova melhorias no ambiente regulatório, amplie os investimentos em CT&I para patamares internacionais e priorize a formação de recursos humanos para áreas ligadas à transformação digital. O Brasil ocupa a 57ª posição no Índice Global de Inovação, ranking que avalia 132 países. Robson Andrade pontuou que essa colocação é incompatível com a grandeza do País, com a sofisticação do setor empresarial brasileiro e com o fato de sermos a 11ª economia do mundo.
Sondagem empresarial
Apesar da falta de apoio público, a sondagem empresarial revela que a maior parte das empresas consultadas enxerga a importância de investir em P&D e destina recursos para produtos e processos inovadores. Em 2020, 65% das empresas ouvidas realizaram alguma atividade/investimento em inovação. Os dados apontam que 73% das empresas entrevistadas inovaram em 2020 – o que significa alta de cinco pontos percentuais em relação a 2019, quando 68% dessas empresas informaram ter desenvolvido algum produto ou processo novo.
Na avaliação do presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, os resultados referentes às fontes de financiamento confirmam uma realidade que se arrasta há anos e governos no Brasil: o país não prioriza a área de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e a inovação empresarial é feita com baixo apoio público. O levantamento nacional mais atual mostra que o Brasil investiu 1,21% do PIB em P&D em 2019, incluindo recursos públicos e privados, contra 1,17% do ano anterior – conforme os dados mais recentes. Ou seja, há duas décadas o Brasil se mantém distante do patamar de 2%, tendo em vista que em 2000 o investimento foi de 1,05%. A título de comparação, o investimento chinês em P&D em relação ao PIB, nesse mesmo período, saltou de 0,89% para 2,23%.
No Brasil, entre os programas e meios de apoio governamental usados pelas empresas destacam-se a Lei do Bem, financiamento a projetos de P&D/inserção de pesquisadores, bolsas de pesquisas, Lei de Informática e subvenção econômica à P&D e à inserção de pesquisadores.
“Estamos na contramão de países desenvolvidos, que reconhecem o papel do Estado no fomento à inovação, ciência e tecnologia. Os frutos de um ambiente nacional mais aberto para a inovação são colhidos pela própria sociedade, com aumento da qualidade de vida das pessoas, redução do custo da tecnologia, criação de empregos melhores. Por isso, o Brasil precisa, urgentemente, de uma estratégia de inovação de longo prazo”, avalia Robson Andrade.
Despesas com pessoal – O levantamento da CNI mostra ainda que a maior parte dos investimentos em inovação é destinada a pessoal – em média, 56,9% dos dispêndios entre as empresas ouvidas. Outros 20,6% vão para despesas de capital e 22,6% para outras despesas correntes.
Em média, 19% da receita líquida de vendas das empresas que responderam à consulta da CNI resultaram de lançamento de um produto inovador, um crescimento de dois pontos percentuais em relação ao ano anterior. Por outro lado, o percentual médio de investimento em P&D em relação à receita líquida de vendas das empresas caiu de 2,4%, em 2019, para 2%, em 2020, embora mais empresas tenham inovado de um ano para o outro.
Segundo a diretora de Inovação da CNI, Gianna Sagazio, pode haver um descompasso entre a taxa de inovação e o investimento em P&D, pois as inovações podem ser resultado de atividades de pesquisa e desenvolvimento realizadas em anos anteriores. Além disso, nem toda inovação deriva exclusivamente do investimento em pesquisa e desenvolvimento. De todo modo, é razoável supor que o quadro econômico deva ter contribuído para a queda observada de 2019 para 2020, período que coincide com o início da pandemia e de fragilização financeira das empresas.
Inovação aberta – A sondagem da CNI traz um dado bastante relevante sobre inovação aberta, que significa a união de uma empresa com outra empresa, instituição, universidade ou startup. De acordo com o levantamento, 51,1% das indústrias que responderam à consulta tiveram alguma cooperação com outra organização para realização de P&D.
As empresas listaram os clientes e consumidores como os mais importantes parceiros para cooperação. Na sequência, apareceram como os principais parceiros para a inovação os fornecedores de equipamentos e insumos; as universidades e institutos de pesquisa; outras empresas do grupo; e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Em relação à formação do pessoal que trabalha com inovação, as empresas consultadas apresentaram, em média, 117 pessoas empregadas em atividades de P&D em 2020. Desses, em média, 63 são pesquisadores graduados; 15 são técnicos graduados; 14 são profissionais pesquisadores com de nível médio ou fundamental; 9 são técnicos de nível médio ou fundamental; 8 são mestres; 5 são auxiliares (trabalhadores de suporte) e 3 são doutores.
Questionadas sobre as principais razões para não investir em P&D, as entrevistadas que não realizaram atividade de P&D apontaram custos de implementação muito elevados e a existência de outras estratégias relevantes para a competitividade, seguidos por falta de pessoal qualificado na empresa e falta de linhas de financiamento adequadas.
A consulta empresarial
A consulta empresarial foi realizada pela CNI entre outubro de 2021 e fevereiro de 2022, junto a executivos e CEOs de 196 empresas atuantes no setor de serviços, indústrias extrativas e de transformação com mais de 50 trabalhadores.
Entre as 196 empresas consultadas, 74 fazem parte da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), grupo que reúne mais de 400 das principais lideranças de empresas com atuação no país. A sondagem constata que as empresas que integram a MEI são mais inovadoras que a média das demais. Os dados apontam, por exemplo, que 92% dessas companhias inovaram em 2020 e que 79% realizaram inovação aberta.
A CNI considera fundamental o aumento dos investimentos em inovação pelo poder público e privado. A Confederação defende medidas como o aprimoramento da Lei do Bem e a aplicação integral dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), maior fonte de financiamento à CT&I do país. No começo de 2021, o Congresso Nacional aprovou uma lei que proíbe o bloqueio de valores do fundo: “É imprescindível que o governo aplique a quantia disponível no FNDCT integralmente na sua finalidade, que é o fomento à pesquisa, desenvolvimento tecnológico e à inovação”, pontua Gianna Sagazio.
Setor industrial dá sua contribuição – O presidente da CNI destacou ainda que o segmento industrial tem dado importante contribuição para o desenvolvimento tecnológico do Brasil. Ele mencionou iniciativas da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) – grupo coordenado pela CNI que reúne cerca de 500 das principais lideranças empresariais do País –, como a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e a formulação de propostas que levaram à manutenção da Lei do bem e a aprovação da lei que proibiu o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
E mais: de acordo com Andrade, “o Serviço Nacional de Aprendizagem Industria (SENAI) mantém 26 Institutos de Inovação e os 58 Institutos de Tecnologia do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, que formam a maior rede de pesquisa aplicada da América Latina. Cabe, ainda, reconhecer o diferencial da atuação do SESI e do SENAI na educação e na formação de trabalhadores, e a centralidade do Sebrae para a viabilidade dos pequenos negócios. Se os desafios são muitos, é também essencial conhecermos e darmos visibilidade às iniciativas exitosas, às parcerias bem-sucedidas, ao Brasil que dá certo”.