Cortou, soldou: atividade milenar evolui constantemente

Assunto de extrema relevância para a indústria brasileira em todos os segmentos, inclusive para empresas que produzem equipamentos e soluções de soldagem, afinal, o próprio fornecedor é também cliente e usuário dos equipamentos. E, quando o tema é essa disciplina, olhando-se à volta, facilmente percebe-se a grande variedade de aplicações.

De um relógio, um celular, a uma bicicleta, ou automóvel, transatlântico, satélite, há algum tipo de solda aplicada por algum tipo de equipamento ou máquina. Uma definição genérica pode ser a de que tudo que é cortado, receberá solda. Em âmbito industrial, as principais empresas fabricantes de equipamentos para soldagem atendem os segmentos de energia, caldeiraria pesada, equipamentos e implementos agrícolas, automotiva, rodoferroviário, equipamentos pesados para construção e infraestrutura, óleo e gás, naval.

Olhando para a História, os indícios das primeiras soldagens por forjamento ou martelamento remetem à Era do Bronze entre 3000 a.C. e 2000 a.C. A evolução natural da atividade, coerente com o desenvolvimento intelectual da humanidade, tem seu ponto alto no início do século XIX, com a descoberta do arco elétrico pelo inglês Sir Humphry Davy.

E o desenvolvimento da atividade é contínuo, com diversas técnicas convivendo harmoniosamente de acordo com os materiais utilizados, a aplicação, a qualidade desejada, entre outros quesitos. Desse modo, no mercado há espaço para as mais variadas técnicas de soldagem: do consumível à robótica, já sendo estudadas e aplicadas soluções para manufatura aditiva a arco (com deposição do material por arame), que visam à fabricação de peças ou componentes metálicos, similar a uma impressora 3D.

Essa técnica é indicada para a fabricação de moldes, matrizes, peças ou componentes com baixa quantidade ou especiais ou mesmo que apresentem características e propriedades metalúrgicas não obtidas em processos usuais de fabricação, informa Ubirajara Pereira da Costa – gerente da empresa Sumig Soluções para Solda e Corte e coordenador do Grupo de Trabalho Solda e Corte, da ABIMAQ – ao comentar que entre os objetivos do GT Solda e Corte está “aproximar a indústria metalmecânica brasileira das universidades, dos centros de pesquisa e desenvolvimento e de fornecedores de produtos voltados para estas operações para, assim, serem conhecidas as mais diversas e avançadas técnicas de manufatura e processos de solda e corte, permitindo maior competitividade e crescimento da indústria”.

A automatização da soldagem industrial também vem evoluindo, em que pese “a insegurança no ambiente de negócios em nosso país, que dificulta a realização de investimentos”, constata Diogo Fonseca, CEO da Nova Tecnologia, indústria brasileira com unidade nos Estados Unidos, fornecedora de soluções automatizadas de soldagem convencional e a laser com robôs, em regime turn-key, com ou não adição de materiais.

De acordo com esse empresário, o aumento da produtividade e outros resultados apresentados pela automatização do processo de solda vêm contribuindo para ampliar “o uso de soluções como as nossas, que atendem os mais diversos segmentos da economia, do automotivo ao moveleiro. No nosso caso, há equipamentos para soldas submersas e projetos especiais e customizados, que incorporam os padrões da indústria 4.0. A receita é combinar muita tecnologia à simplicidade operacional, agregando ferramentas de gestão e monitoramento. Apenas a inclusão do robô no processo pode gerar aumento da produtividade ao redor de 50%, desconsiderando os ganhos relacionados à segurança no processo e na qualidade”.

Carência de mão de obra e custos escondidos compõem a agenda do setor

O déficit de mão de obra na indústria, principalmente no chão de fábrica e na gestão, é geral e não apenas do setor de solda – garante Ubirajara Costa – com tendência de ser ainda maior nos próximos anos, “até porque o salário e as condições de trabalho, nem sempre recomendáveis, fazem com que seja cada vez mais difícil encontrar pessoas interessadas em ingressar nesta excelente profissão. As escolas vocacionais e de qualificação, mesmo oferecendo vantagens para iniciar a formação, não têm atraído interessados”.
O problema é definido por Anderson Fernandes, diretor Técnico e Comercial da Harris, mais como comportamental do que de qualificação: “A mão de obra no setor de soldagem industrial é escassa, e a solução exige mudança de postura, pois há pouca disposição nas pessoas em seguir todas as etapas para um bom e correto desenvolvimento profissional. Os novos profissionais querem encurtar demais este processo”.
Este tema integra a agenda do setor e, portanto, está na mira do GT de Solda e Corte, uma vez que “é necessário encontrar meios de evitar o impacto e os danos que este déficit de profissionais vai causar em menos de quatro anos”, prevê Costa, sugerindo a análise conjunta, envolvendo governo, entidades de classe, empresas e entidades de ensino.
A introdução, em escala crescente, da automação e da mecanização das operações, acelerando o crescimento e a implantação dos preceitos da indústria 4.0 em diferentes níveis de empresas são alternativas viáveis, “não somente para operações de grandes volumes, mas também àquelas que dependem dos profissionais que a executam manualmente”, esclarece Costa.

Custos escondidos – O fato de uma empresa não contar com soldador qualificado, técnicos e engenheiros capacitados em soldagem e técnicas de corte em sua estrutura gera perdas financeiras, baixa produtividade, recursos limitados, instalações incorretas, uso de processos ou soluções incorretas etc., além de desperdício de materiais. A equação, informa Costa, traduz-se em “significativas perdas financeiras, seja na indústria, em obras de construção e montagem em geral, seja nos mais diversos segmentos. São custos escondidos que devem ter seus efeitos minimizados”.
Conhecimento detalhado dos processos para obtenção do máximo desempenho; operação dos equipamentos seguindo as suas principais características; investimento em equipamentos de solda e corte de qualidade e que asseguram a melhor performance, para o coordenador do GT Solda e Corte, são a solução.

Evolução construtiva e novos materiais

Os avanços são impulsionados pelo desenvolvimento de softwares e microprocessadores e propiciam alterações nos projetos dos equipamentos destinados a soldagem e corte que, quase a totalidade, fazem uso de fontes de energia com tecnologia eletrônica, via inversores de frequência, que permitem a soldagem de novos materiais metálicos, com requisitos mais rigorosos, geram vantagens operacionais e atendem as mais diversas aplicações, sejam manuais, mecanizadas ou robotizadas.

A evolução construtiva também tem como foco a eficiência energética, exigindo modernização principalmente dos equipamentos direcionados ao arco elétrico. Entre as empresas que investem nesse campo está a Harris, que desenvolve, produz e comercializa consumíveis para os processos de brasagem e soldagem branda, MIG e TIG; maçaricos e reguladores de pressão e vazão para gases industriais, de laboratórios e hospitalares, além de distribuir consumíveis e equipamentos para revestimento de superfícies por metalização e soldagem para aumento de dureza e resistência às diversas formas de desgaste.

Anderson Fernandes, diretor Técnico e Comercial da Harris, destaca a introdução de componentes eletrônicos nos equipamentos, na busca de “evoluir a qualidade e o controle dos processos de soldagem, com disponibilização de dados on-time para a indústria 4.0”. Cita o fator ESG nas indústrias como outro ponto importante, “que vem exigindo o desenvolvimento de produtos e processos cada vez mais ecologicamante corretos”.

Nesse contexto de Governança Ambiental, Social e Corporativa (palavras que traduzem, em português o conceito ESC), insere-se a adoção da RoHS (Restrição de Determinadas Substâncias Perigosas, em português) proíbe o uso de seis substâncias, entre elas, cádmio (Cd), mercúrio (Hg) e chumbo (PB) – o último deles comumente utilizado na solda de placas eletrônicas. Mesmo o Brasil ainda não adotando essa diretiva europeia, criada em 2006 e que desde 2011 é lei, terá de fazê-lo em breve.

O desenvolvimento de novas ligas para a soldagem – na visão de Fernandes – acompanha a evolução dos materiais de base utilizados na indústria. “O alumínio vem ampliando seu uso na indústria e novas tecnologias têm sido desenvolvidas, especialmente quando da necessidade do uso de brasagem, técnica muitas vezes realizada à chama de gases como acetileno, oxigênio, GLP e gás natural, esses dois últimos em crescimento acelerado a ponto de serem, hoje, as principais fontes energéticas para este processo”, afirma.

A diversidade de materiais com diferentes requisitos de operação impulsiona desenvolvimentos no campo da solda, fundamentalmente para aplicações específicas em ambiente sujeito a corrosão, altas pressões, altas ou baixas temperaturas, assim como necessidades de resistência à corrosão atmosférica, ótima relação espessura X resistência, com vistas, por exemplo, a reduzir os custos de operação de soldagem, o peso de um equipamento e a emissão de gases no meio ambiente; aumentar a qualidade dos produtos soldados, a produtividade e a competitividade global dos produtos e serviços; e propiciar mais segurança e conforto no uso.

Desse modo, no contexto atual, para o coordenador do GT Solda e Corte há “certo equilíbrio entre os equipamentos disponíveis para a indústria, com a tecnologia nivelando produtos de diferentes fabricantes, destacando-se, contudo, aqueles que apresentam recursos avançados de controle da operação, devido a microprocessadores de altíssima velocidade e à aplicação da nanotecnologia em seus comandos, e desempenho dinâmico”.

Atendimento a normas e eficiência energética: obstáculos a serem superados

São muitos os processos de solda que podem ser utilizados, e cada um possui características próprias, vantagens e limitações. Uma necessidade embutida nas declarações dos entrevistados compreende o uso de equipamentos de soldagem que ofereçam a melhor estabilidade da energia produzida pelo arco elétrico ou pela fonte utilizada para ser feita uma união.
Atenção especial também deve ser dada a critérios e limites no uso de insumos como manganês, cromo e outros utilizados na fabricação de consumíveis para soldagem elétrica, como definido pela OSHA (Occupational Health and Safety Assessment Services). Nesse caso, a meta é reduzir os riscos de doenças ocupacionais e poluição ambiental, e obriga os fabricantes a desenvolverem novas formulações destes consumíveis de maneira a atender os requisitos dos materiais ou produtos a serem soldados”, esclarece o coordenador do GT Solda e Corte.
A busca de eficiência energética está entre as prioridades, e os equipamentos devem operar dentro das recomendações de órgãos como a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica – e precisam ser manufaturados para desempenho ecologicamente correto. Contudo, no Brasil, os consumidores, no nosso caso os do setor metalmecânico e mesmo as pequenas empresas e hobbistas, ainda não exigem de seus fornecedores dados ou informações que possibilitem considerar as normas e especificações aplicadas nesses produtos”.
Ubirajara Costa está falando, principalmente, de normas elaboradas por instituições como IEC, NEMA, UL e ABNT, além da RoHS, que precisam integrar os requisitos, editais, etc. “para assim filtrar os fabricantes e fornecedores que realmente operam dentro destes critérios e exigências. Por exemplo, a Norma Petrobras N-133 – Soldagem, estabelece que os equipamentos para soldagem utilizados em suas obras e serviços devem ser aprovados conforme as Normas IEC e/ou NEMA e preferencialmente tecnologia inversora”, preconiza.
Os gases de proteção são citados pelo diretor Técnico e Comercial da Harris, para quem esses componentes “ainda são vistos como um tipo de custo e, por isso, muitas vezes são negligenciados pelas engenharias, apesar do elevado impacto no processo. A Harris dispõe de produtos destinados a gerar economia em gases de proteção, com fácil instalação e baixo custo. Os economizadores de gás, por exemplo, geram rápido retorno do investimento”.

Perspectivas e incertezas

Com tantas aplicações e utilidade inquestionável, nos últimos dois anos, o setor tem registrado oscilações em sua atividade, inclusive devido a excassez de insumos em algumas áreas, como aço, semicondutores, chips, componentes dedicados, entre outros; forte valorização do dólar, impostos, fretes com preços sem controle e com efeito em cascata. Exemplos são a indústria automotiva, com expressiva redução da atividade, e os fabricantes de equipamentos e consumíveis para soldagem e corte atingidos pela falta de materiais.

E mais: enquanto os segmentos de equipamentos e implementos agrícolas e rodoferroviário e respectivos subprodutos estão altamente ativos desde 2019; e os de equipamentos pesados para construção e infraestrutura, linhas amarelas e verde estão voltados à exportação; outros estão estagnados há anos, desde a crise no segmento de Óleo e Gás, com a total parada das obras impactando também a área Naval, e construção e montagem.

Frente a essas variáveis, Diogo Silva – diretor Comercial e de Operações da Walter Tecnologias em Superfícies –, resumindo a posição dos entrevistados sobre o mercado, vê o cenário macroeconômico brasileiro ainda muito incerto no médio e longo prazos, mas, com otimismo, fala da possibilidade de crescimento devido a “demanda reprimida pós-pandemia, magnitude e potencial do mercado industrial nacional, assim como inescapável necessidade de se avançar em grandes projetos de infraestrutura no País”.

Com ampla gama de soluções em abrasivos e limpeza industrial, no segmento de soldagem industrial, a Walter – empresa de origem canadense – oferece sistema de limpeza eletroquímica de solda TIG, Ponto e MIG/MAG, em aço inoxidável; analisadores de passivação; soluções eletrolítica e neutralizante; soluções antirrespingos biodegradáveis, não-inflamáveis e não-tóxicas, indicadas para aplicação antes da soldagem para evitar a adesão de respingos de solda às superfícies metálicas, além de ampla linha de acessórios, como adaptadores, escovas, pontas e mantas..

O diretor Comercial e de Operações da Walter Tecnologias em Superfícies, reforça que as soluções desenvolvidas decorrem do fato de a empresa ser “muito atenta e dinâmica às necessidades e aos desejos de seu mercado de atuação, proporcionando novas soluções para um leque cada vez maior de clientes”. Utiliza o sistema de limpeza eletroquímica de soldas TIG, Ponto e MIG em aço inoxidável como exemplo, listando entre os principais benefícios ergonomia, produtividade decorrente de um sistema de troca rápida, tanque integrado – que reduz significativamente o risco de contaminação da solução eletrolítica – e a não alteração da superfície da peça-obra.

No caso da Harris, o universo de aplicação de seus produtos é amplo, com a empresa tendo presença de destaque no HVAC-R – Heating, Ventilation, Air Conditioner and Refrigeration, ou seja, o mercado de refrigeração e ar condicionado – e nos segmentos automotivo, siderúrgico, papel & celulose, ortodôntico, ótico, médico hospitalar, duas rodas, manutenção e recuperação industrial, mineração, óleo & gás e no setor metalmecânico como um todo.

Considerando seu contexto, Fernandes ressalta que “de um forma geral o mercado vem com boa demanda, alguns já consolidados, outros em recuperação, como o automotivo, por exemplo, porém os níveis de produção de alguns dos nossos clientes têm sido afetados pela falta de peças e componentes”.