E conta com as máquinas em todas as etapas de sua transformação, nos moldes da economia circular
Longevidade, flexibilidade e resistência são atributos de uma das principais invenções da história. Esses mesmos atributos, contudo, respondem pela vilanização do mesmo produto. Permeando essa dualidade e resultado de múltiplas formulações, estão aplicações e benefícios diversos que lhe garantem presença nos setores automotivo, agrícola, utilidade domésticas, embalagens, elétricos e eletrônicos, brinquedos e infraestrutura, e também na Medicina e na Saúde, por exemplo, em seringas e agulhas descartáveis, próteses, válvulas cardíacas, corações artificiais e aparelhos de hemodiálise, além de embalagens que impedem a entrada do ar, protegendo alimentos e implementos médicos, vidros, cerâmicas peças e componentes de alta complexidade etc.
Esse é um retrato bastante objetivo e resumido dos plásticos modernos, polímeros sintéticos ou artificiais. No ritmo dessas experiências e desenvolvimentos químicos, toda uma cadeia é edificada para atender um mercado em contínua evolução, desde o fornecimento de matérias-primas para as petroquímicas até a reciclagem ou o reaproveitamento do material descartado corretamente, nos moldes da economia circular.
As possibilidades de aplicação e decomposição são imensuráveis e, por isso, os números relacionados à atividade são expressivos. Apenas como exemplo, segundo a Associação Brasileira dos Distribuidores de Resinas Plásticas e Afins (Adisplast), em 2022, as empresas de filmes, plásticos de engenharia e resinas commodities, atingiram o montante de 247.008 toneladas, computando crescimento de 5,5% em relação ao ano de 2021.
Na outra ponta da cadeia, os segmentos de embalagens PET e RPET (PET reciclado), nos últimos cinco anos, acumulam expansão da ordem de 22% em volume. Especificamente o consumo de RPET no Brasil cresceu 15,4% nos dois últimos anos, enquanto o material virgem cresceu apenas 12,4% no mesmo período, de acordo com números publicados pela Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet).
Outro termômetro que mede a importância desse setor é a realização de eventos e exposições. E o mais significativo acontece no período de 27 a 31 de março de 2023, no pavilhão São Paulo Expo, em São Paulo (SP). Trata-se da Plástico Brasil, iniciativa da ABIMAQ em parceria com a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) e organizada pela Informa Markets Brazil.
Como frisa Amilton Mainard, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Acessórios para Indústria do Plástico (CSMAIP) da ABIMAQ, “a Plástico Brasil será o primeiro e único grande evento internacional dessa indústria em solo brasileiro pós-pandemia. Por isso, é oportunidade única para o setor ver de perto e todas as inovações e tendências em máquinas, equipamentos, acessórios, periféricos, matéria prima etc. em um único local”.
As perspectivas para 2023 seguem positivas, inclusive para as fabricantes congregadas na ABIMAQ, “apesar dos gargalos que persistem em dificultar nossas ações e desenvolvimento, como a falta de financiamentos com juros factíveis que impossibilita grandes investimentos; e o manicômio tributário, que continua fazendo estragos. Trabalhamos para que saia do papel uma reforma tributária que ajude a melhorar o ambiente de negócios em nosso setor”, reconhece Mainard.
O presidente da CSMAIP agrega aos pontos que merecem atenção “a falta de componentes, e a inflação mundial também não ajuda em nada, mas é interessante verificar que conflitos internacionais – como a guerra entre Rússia e Ucrânia, assim como a guerra comercial entre USA e China – propiciam um alento importante para nosso setor, principalmente no tocante a exportações para a América Latina, que sempre foi um mercado prioritário. Os negócios estão voltando a acontecer de maneira bastante positiva nesse pós-pandemia”.
Economia circular, reciclagem e biodegradabilidade
Os dados divulgados pela Abipet acompanham o levantamento do último Censo da Reciclagem do PET no Brasil, relativo a 2021, que aponta que 56,4% das embalagens PET pós-consumo foram efetivamente recicladas e receberam destinação adequada no País, o que representa uma alta de 15,4% sobre o volume registrado no levantamento anterior, de 2019. O crescimento é superior ao da resina virgem, que no mesmo período foi de 12,4%.
Explicando esses dados, Auri Marçon, presidente da Abipet, crê na manutenção do crescimento da reciclagem, “apesar das dificuldades decorrentes da falta de sistemas públicos robustos de coleta seletiva no Brasil. A expectativa se baseia em inúmeros projetos ligados a ESG, principalmente das grandes marcas de refrigerante, água, atendidas pelo processo de reciclagem bottle to bottle grau alimentício, e produtos de limpeza. Hoje, a atividade econômica ligada à reciclagem de PET já atinge R$ 5,8 bilhões”.
Essa evolução vem-se edificando ao longo das últimas décadas, relata Marçon, ao garantir que “o desenvolvimento de inúmeras aplicações para o uso do PET reciclado transformou a embalagem em um grande sucesso em termos de circularidade”. Entre os exemplos cita, também, o setor têxtil brasileiro, “segundo maior usuário do PET reciclado, que sofreu durante a pandemia, mas vem resgatando melhor nível nas atividades e consumindo matéria-prima reciclada”.
Rogério Bosco – presidente da Câmara Setorial de Máquinas-Ferramenta (CSMF), da ABIMAQ, e gerente de Relações Institucionais e Governamentais da Romi – define como usual “a mistura de materiais reciclados com materiais virgens, assim como a utilização de materiais novos que necessitam de características específicas nos equipamentos, tais como perfis de roscas especiais, coberturas antiatrito nas roscas e cilindros, maiores velocidades e pressão de injeção, maior integração entre periféricos e novas técnicas de processamento, obtidas através de funções de software específicas e complexas”.
Outro caminho utilizado pelas transformadoras e pela indústria química compreende “o uso de aditivos e polímeros biodegradáveis. Pois, para um objeto de plástico biodegradável se degradar por completo são necessárias diversas condições – local correto de decomposição, temperatura, umidade etc. – quase impossíveis de se encontrar no oceano por exemplo, e o problema se agrava com a degradação parcial formando-se os micr plásticos, que são mais nocivos quando entram no organismo de animais e dos seres humanos”, alerta Newton Tien – diretor Comercial da Tsong Cherng – concordando que “a consciência da economia circular pode ser uma alternativa muito mais viável do que a degrabilidade do plástico”.
Fabricante de máquinas injetoras com capacidades desde 90 toneladas a 3.300 toneladas de força de fechamento, e fornecedora de peças, acessórios e periféricos para essas máquinas, assim como de moldes para preforma PE, entre outras atividades, a Tsong Cherng – informa Tien – vê na utilização do Therpol uma opção que também confere propriedades como flexibilidade, alta resistência ao impacto, grip, resistência a baixa temperatura, aumento de fluidez, tanto em resinas virgens, recicladas e até contaminadas ou misturadas, agindo como um compatibilizador entre diferentes materiais e aceitando processos de injeção, extrusão, sopro, rotomoldagem e termoformagem.
“Inovadora e 100% brasileira, a tecnologia transforma a borracha natural da seringueira (fonte sustentável e renovável) em um biomaterial com nível baixo de pegada de carbono. Permite, ainda, reutilizar materiais realizando combinações inusitadas, como a mistura de materiais PCR de polipropileno com poliestireno. É possível também encapsular outras formas de plástico, como os resíduos têxteis que causam grandes prejuízos ao meio ambiente e que, somente no Brasil, somam mais de 4 milhões de toneladas por ano”, declara o diretor Comercial da Tsong Cherng.
Convicto de que mais do que a circularidade o Therpol permite o reuso do plástico incorporando-o a novos produtos e contribuindo para o conceito de ESG, Tien casa a tecnologia à aplicação de máquinas modernas que economizam o uso de energia elétrica, água e óleo e aumentam a produtividade.
Complexidade e interdependência
Nos segmentos desse complexo e especializado sistema de produção, cada elemento desempenha um papel de responsabilidade, de igual importância e interdependente.
As transformadoras (empresas que transformam a matéria-prima em peças finais), informa o presidente da CSMF, “têm a necessidade de encontrar soluções e desenvolver inovações em produtos para atender os requisitos de seus clientes e encontrar novos mercados”, sem relegar a segundo plano a redução dos impactos ambientais.
Por sua vez, as máquinas injetoras de plástico respondem pela fabricação dos produtos que chegam à ponta da cadeia – consumidores, por exemplo – e “exigem desempenho e grande escala de produção, capazes de proporcionar maior produtividade, alta disponibilidade, ciclos rápidos e automáticos; melhor qualidade pela repetibilidade; baixo custo; melhor eficiência energética; e mais segurança, decorrente de aplicação de peças que atendem a novas normas”, esclarece Bosco.
Contribuição das máquinas
De acordo com o último inventário do parque de injetoras no Brasil, essas máquinas representam 71% dos equipamentos de transformação de plástico, sendo 11% com mais de 20 anos, 37% entre 10 a 19 anos, 29% com 5 a 9 anos e 23% até 4 anos de idade.
Essa informação de Thien mostra que “quase metade do parque industrial é composta de máquinas com mais de 10 anos de uso, sendo que grande parte dessa fatia são máquinas defasadas em questão de sistema de economia de energia como servomotor, resistência infravermelho etc.”. Sendo assim, para contribuir com o meio ambiente e ser sustentável, ele recomenda “atualização dos maquinários, realizando a troca ou retrofit para melhorar o consumo energético e a performance de produção”.
As máquinas, da mesma forma que nas plantas de produção de peças plásticas, são 100% necessárias ao reprocessamento de refugos e à reciclagem de materiais. Como informa Ronaldo Cerri – diretor da Rone, fabricante de moinhos granuladores, transportes pneumáticos, misturadores de resinas e compostos e peneiras vibratórias – o maior gargalo, “além dos custos altos das resinas, é o custo de produção, dependente de constante atualização tecnológica de equipamentos e treinamento de pessoal técnico”.
O aproveitamento das perdas da produção e a reciclagem, neste cenário de mercado em crescimento e frente ao constante aumento das commodities plásticas, é cada vez mais necessário e soma-se às tendências de diminuição do consumo de energia, incrementos de segurança (NR-12), diminuição do nível de ruido e melhorias na produtividade.
Neste caso específico, por operarem com as perdas da produção, os moinhos, mesmo essenciais ao processo, “são considerados periféricos na indústria plástica, por este motivo muitas vezes entram na coluna de despesa e não na de investimento. No entanto, este conceito é um grande engano, pois, se adequadamente computados os custos do reaproveitamento do material e das perdas, o moinho se paga em um período entre seis e 12 meses, além de ter menor custo do que vender as peças e materiais refugados como sucata. A essas, agrega outras vantagens, tais como reaproveitamento imediato do material, logística, economia de espaço físico, organização da planta e não contaminação, entre outras vantagens”, ressalta Cerri
Especialidade e segmentação
A sofisticação desse setor de transformação do plástico ressoa na indústria de máquinas, equipamentos e acessórios periféricos, exigindo especialização. Assim, a maior parte das indústrias que atendem as transformadoras é focada em atividades específicas como extrusão, injeção, sopro, corte, solda, impressão, termoformagem, reciclagem, extrusoras, termoformadores, injetoras, corte e solda de resinas plásticas, periféricos, granuladoras, moinhos, misturadoras e refrigeração.
Há empresas especializadas em cada etapa do processo, como a Piovan, voltada ao desenvolvimento de soluções de refrigeração de processos, transporte e dosagem de pellets e pós, secagem de plásticos higroscópicos, soluções em granulação e moagem e melhoria do controle do processo de transformação.
Solução caracterizada como processos periféricos à granulação, a refrigeração, como define Ricardo Prado, CEO da Piovan América do Sul, contribui para ganhos de produtividade e redução de perdas, tornando o processo mais sustentável. “Os benefícios gerados contribuem para o crescimento do mercado, que vem ocorrendo de modo mais consistente desde 2019, com perspectivas de aumento ainda maior resultante da transformação para reciclagem”, preconiza.
A especialização também é presente na atividade da MTF Termoformadoras, fornecedora de linhas de embalagens para frutas, panificação, bandejas de mudas, blisters, estojos etc., e na linha de protetores de caçamba automotivo, cubas de geladeiras, palletes, bandejas de transporte, entre outros produtos. Como reconhece Rui Katsuno, – presidente da empresa, a principal contribuição “das nossas máquinas, que trabalham com filmes em bobinas e em chapas de maneira manual ou automatizada, é no aumento de produtividade alinhado à tecnologia e otimização de mão de obra”.
Essa fabricante nacional de equipamentos atua em toda a América Latina e vem focando suas pesquisas em integração digital e aumento de velocidade de produção. Como resultado, o presidente da MTF cita o desenvolvimento de um equipamento para chapa e bobina com até 45 ciclos por minuto, o que significa 180 embalagens por minuto para bolo formato 32.
Atuando em âmbito institucional como vice-presidente da CSMAIP, Rui Katsuno destaca a defasagem existente entre desenvolvimento tecnológico e formação de profissionais de operação de máquinas termoformadoras.
“Dando nossa contribuição para o equacionamento desse gargalo, em parceria com o Senai de Terra Preta e a Prefeitura de Mairiporã (SP), estamos criando dois cursos específicos para operação de termoformadoras. São cursos inéditos na América Latina e devem ser iniciados no segundo semestre de 2023, dependendo apenas das obras na unidade do Senai, em execução pela Prefeitura, que elevam a área de 300 m2 para 1.000 m2. A participação da MTF na parceria envolveu a doação de duas máquinas e o treinamento dos professores”, revela Katsuno.
Tendências
Como explica Mainard, acompanhar o ritmo desse setor exige que a indústria representada e reunida na Entidade “mantenha investimentos contínuos em pesquisa, inovação e desenvolvimento de tecnologias, tendo sempre como objetivo contribuir para o aprimoramento do processo de fabricação. Denominado como manufatura inteligente, essas soluções podem ser aplicadas em diversos segmentos”.
A evolução tecnológica dos materiais e das máquinas visa suprir as crescentes necessidades da indústria, do comércio e da sociedade. De acordo com Bosco, entre as principais linhas de pesquisa lista redução de peso, maior resistência física e química e obtenção de características visuais específicas, como cores e brilho.
Para que os desenvolvimentos e as pesquisas sejam aplicados no processo de produzir peças plásticas, cada um dos atores desse setor dá sua contribuição.
Enquanto os fabricantes de polímeros estão sempre pesquisando e desenvolvendo materiais avançados para atender as demandas das peças que os clientes imaginam e criam; as máquinas “precisam atender os requisitos de novos materiais e processos, as demandas de pesquisas e inovações e serem mais produtivas, mais eficientes, fáceis de operar e totalmente integradas a máquinas, periféricos e sistemas de informação”, alerta Bosco, citando a inclusão, no processo, de disciplinas de Tecnologia da Informação (TI ou IT, na sigla em inglês), Tecnologia Operacional (TO ou OT, na sigla em inglês) e Internet das Coisas (IoT, na língua inglesa).
Ainda com relação às máquinas, a implementação de tecnologias de software (machine learning, por exemplo) se populariza, assim como a adição de sensoriamento para atingir os requisitos dos transformadores, que são os fabricantes de peças com diversas formulações e amplo range de aplicação.
Entre os itens essenciais e as novas tecnologias que têm agregado mais produtividade nas máquinas para plásticos, o presidente da CSMF cita a conectividade dos equipamentos, pois, “além de gerarem grande fluxo de dados de processo e desempenho, também disponibilizam informações sobre a manutenção dos equipamentos, evitando paradas”.
Algumas alterações da máquina injetora, como rosca de injeção com perfil especial ou motor de dosagem de torque, facilitarão o processo e poderão aumentar a qualidade do produto injetado no caso de mudança de polímeros. Mesmo raras, essas adequações podem ser estendidas aos periféricos que transportam o polímero até a entrada da rosca de injeção da máquina, explica Tien, frisando que “caso o polímero seja utilizado como aditivo, e seja mais sensível à alta temperatura do que a resina principal, é necessário um periférico para realizar a dosagem com sistema de refrigeração”.
Para Katsuno, as principais tendências reportam-se a inovações aplicadas nos equipamentos, objetivando “maior eficiência atrelada ao menor consumo de energia e de insumos, o que acaba atraindo a atenção de novos compradores e também de nossos clientes antigos, que sentem-se estimulados a atualizar seu parque fabril”.
Propiciar soluções que permitam o aumento de produtividade e a redução de perdas de processo, garantindo redução de custos e de consumo de energia, com ganhos de qualidade no produto final, para a Piovan é tendência permanente. A contribuição da empresa nesse sentido – comenta Prado – relaciona-se “ao desenvolvimento de soluções para melhorar o processamento de materiais reciclados, retirar o mau odor do material plástico recuperado, medição de voláteis nos plásticos que serão utilizados em embalagens alimentícias e condensação de voláteis contaminantes de plásticos reciclados”.
Frente a essa realidade de máximo aproveitamento da matéria-prima com garantia de processo e qualidade, a empresa apresentou em outubro de 2022, na feira K, na Alemanha, o Odor Minder, que funciona como um “nariz eletrônico”, que verifica a eficácia do processo de remoção do odor do plástico pós-consumo, com potencial de detectar até 25 tipos de substâncias odoríferas presente em processos que utilizam poliolefinas recicladas.