Com cerca de 500 fazendas eólicas distribuídas em especial no Nordeste e no Rio Grande do Sul, e parques instalados e em operação comercial que superam 7.000 turbinas, os 13,4 GW de capacidade instalada em agosto de 2018 se constituem pequena parcela de um mercado potencialmente grandioso. Enquanto os mais conservadores trabalham com o potencial de geração de 500 GW via energia eólica no Brasil, há estudos que acenam com a possibilidade de geração de 880 GW caso sejam usadas torres com mais de 100 metros de altura. Essas perspectivas têm estimulado muitos investimentos em plantas industriais focadas no setor.
Dados do Ministério de Minas e Energia indicam que hoje, mais de 7% de toda a energia produzida no Brasil é por via eólica. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeolica), o segmento já é responsável por 8,3% da energia produzida no Brasil, percentual ainda distante dos 60,9% produzido pelas hidrelétricas, mas já próximo dos 9,3% da produção das usinas de biomassa, que ocupam o segundo posto na matriz energética nacional.
Independentemente de qual valor se escolha, o Brasil, mesmo com sua capacidade instalada equivalente a uma Usina Hidrelétrica de Itaipu – que gera 14 GW – já ocupa posição de destaque no cenário internacional. De acordo com o Global Wind Statistic 2017, documento anual com dados mundiais de energia eólica produzido pelo Global Wind Energy Council (GWEC), o Brasil se posicionou na 8ª posição no ranking mundial de geração de energia com a força dos ventos, ultrapassando o Canadá e se aproximando da França. A China, que lidera o ranking, produz 188,23 GW; seguida pelos Estados Unidos, com 89,07 GW.
Os números se tornam ainda mais expressivos quando se constata que esse crescimento ocorreu ao longo de oito anos e em meio à problemática econômica que mais recentemente permeia o cenário nacional. “Em 2010, o Brasil contava com 1 GW instalado em usinas eólicas. Crescemos 14 vezes em um pouco mais que oito anos”, comemora Roberto Veiga, presidente do Conselho de Energia Eólica da ABIMAQ.
E quando se fala em energia eólica, o assunto é energia renovável. Relatório divulgado em 19 de novembro pela Agência Internacional de Energia (AIE), vinculada à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apresenta a matriz energética brasileira como a menos poluente do mundo e com a maior participação de combustíveis renováveis entre os grandes consumidores globais de energia, com o destaque de que o País deverá somar quase 45% de fontes renováveis na matriz energética em 2023, usados, principalmente, nas áreas de transportes e industrial. Esse número está próximo às estimativas do Ministério de Minas e Energia de que dentro de cinco anos a parcela de energias renováveis estará ao redor de 48%, contra os 43% atuais. Nesse contexto, a energia eólica será responsável por 25 GW no período, apesar de a hidroeletricidade, em 2023, permanecer como principal fonte na matriz elétrica.
Crescimento é destaque
No Brasil, a energia eólica foi a que mais cresceu nos últimos dez anos. E não foi por acaso, garante Lucas Araripe, diretor de Novos Negócios da Casa dos Ventos. “Temos uma indústria madura que colaborou para que isso ocorresse. O mecanismo de contratação de energia através de leilões promovidos pelo Governo Federal é muito transparente e apresenta segurança regulatória para assegurar contratos de longo prazo. Os principais fabricantes de aerogeradores estão instalados no País e existem opções de financiamento através de bancos de desenvolvimento, bancos privados e mercado de capitais. Hoje, o setor elétrico brasileiro possui diversos investidores internacionais, tanto através de fundos de private equity, como estratégicos do setor de energia”, resume Araripe, frisando que do ponto de vista de custo, hoje, as eólicas são mais competitivas do que as pequenas hidrelétricas, posicionando-se próximo das usinas hidrelétricas de grande porte.
Na mesma toada, José Laydner, diretor de Geração da Engie Brasil Energia, credita o sucesso dos últimos leilões de energia, em que a fonte eólica se mostrou a mais competitiva, ao amadurecimento da indústria local e do setor como um todo. “A fonte hidrelétrica ainda é competitiva, mas depende de bons aproveitamentos hidrelétricos, que estão mais escassos face às questões ambientais. A fonte térmica é a menos competitiva, mas também é importante para garantir a segurança do setor. No caso das usinas eólicas, os principais desafios para a ampliação do parque limitam-se a restrições de conexão ao Sistema Interligado Nacional e à dificuldade de obtenção do financiamento”.
A expectativa da Engie, segundo seu diretor de Geração, entre 2018 e 2020, é investir R$ 2,9 bilhões na fonte eólica no Brasil, como parte de sua estratégia global de migrar para a geração de energia proveniente de fontes renováveis.
Também confiante na maior participação da fonte eólica na matriz energética brasileira, inclusive em função de a fonte eólica em momentos de mais vulnerabilidade do sistema apresentar custo muito competitivo, a Casa dos Ventos acredita que os investimentos no setor só poderão ser dificultados por fatores externos e “não devido a variáveis intrínsecas à nossa atividade. Com a crescente demanda por energia no País, a perspectiva é que a fonte eólica continuará a ter um papel protagonista nos leilões do mercado regulado e no mercado livre, aumentando sua participação na matriz energética brasileira”, afirma Araripe.
Pelo lado da indústria fornecedora do setor, o impacto da suspensão de alguns leilões levou a “interrupções do ciclo de produtividade e, em decorrência, o retorno dos investimentos feitos causaram até fechamento de algumas unidades industriais criadas para atender o setor”, frisa o presidente do Conselho de Energia Eólica da ABIMAQ, lembrando que a meta é a manutenção das aquisições através dos leilões do mercado regulado na casa dos 2 GW por ano e a manutenção dos incentivos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e do BNB (Banco do Nordeste) aos projetos de infraestrutura do governo federal.
Domínio de tecnologia e disponibilidade
A vinculação das vendas para o setor eólico aos leilões de energia realizados pelo governo para o mercado regulado desde 2009 é reconhecida também pela cadeia produtiva, que se desenvolveu e permitiu ao País a conquista de autonomia em todos os itens, inclusive na fabricação das turbinas eólicas, componente que representa em torno de 70% do investimento total de uma usina eólica.
Estatísticas da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) dimensionam o parque industrial instalado: seis fabricantes de turbinas eólicas com a capacidade instalada para fabricação e montagem de aproximadamente 1.500 turbinas por ano; quatro fabricantes de pás eólicas com capacidade para fabricação anual de 7.000 pás eólicas e cerca de quatro grandes fabricantes de torres eólicas de aço que totalizam capacidade instalada de 1.200 unidades anualmente, desconsiderando-se aqui as torres de concreto, que são as mais usadas, ou as hibridas (que misturam segmentos de concreto e aos de aço).
Números da ABDI de 2014, mostravam a existência em território nacional de 79 fabricantes produzindo 55 itens. Em 2017, eram 133 fabricantes na cadeia produtiva, produzindo 77 itens, compreendendo desde nacele, cubo-rotor, pás, torres e aerogeradores.
“O processo da evolução da cadeia produtiva no Brasil, a cristalização dos investimentos por essa cadeia produtiva e o incentivo a empresas nacionais e internacionais de criarem e expandirem a capacidade instalada no Brasil para atendimento ao setor teve a participação ímpar da ABIMAQ na divulgação e nos esclarecimentos particularizados ao setor”, comemora Veiga.
A entidade também contribuiu para colocar o Brasil “entre os principais produtores de energia eólica e de componentes para geração no mundo, inclusive em condições de competir tecnologicamente, pois o mercado externo é atendido em grande parte pelas matrizes das empresas que estão instaladas no Brasil”, constata Veiga, citando o chamado Custo Brasil como a grande dificuldade enfrentada pelos fabricantes de turbinas eólicas instalados no Brasil – com exceção da WEG todos os demais são de origem estrangeira. “Esse custo, às dificuldades tributárias e logísticas, alia a origem dos fabricantes de turbinas, fazendo com que esses produtos fabricados em território nacional percam competitividade internacional apesar de a tecnologia e os custos internos de produção serem compatíveis com os fabricados no Exterior e em alguns casos mais competitivos do ponto de vista de custo”.
Crescer ou crescer
A retomada do crescimento da economia nacional é ponto pacífico entre as fabricantes. Sergio S. Guerreiro, CEO da unidade Bearings da Thyssenkrupp para o Brasil, por exemplo, crê que, ao longo dos próximos dez anos, a indústria brasileira “deverá registrar expansão anual média da ordem de 2,2%, o que demandará investimentos adicionais no fortalecimento do sistema elétrico e em tecnologias que levem robustez e flexibilidade ao grid”.
Nesse sentido, João Paulo Gualberto da Silva, diretor de Novas Energias da WEG, fala sobre o “deley de dois a três anos entre o leilão e o fornecimento. Para 2020, há perspectivas positivas, devido aos leilões de abril e agosto de 2018, mas é uma recuperação muito tímida. Sou otimista com relação à venda de aerogeradores a partir de 2021”.
Francisco Vita Júnior – diretor da Unidade de Fundidos e Usinados da Romi – garante que “o País vai ter de voltar a crescer”. E no contexto atual, as questões ambientais “inviabilizam grande usinas hidrelétricas, que levam dez anos para serem construídas. Energia limpa é necessidade. Além disso, um parque eólico é montado em 12 meses, a custo muito competitivo: uma máquina de 3 MW custa R$ 10 milhões e traz payback muito rápido. O tamanho das turbinas tem aumentado e o fator potência é maior do que na Europa. Onshore há muito a ser explorado e offshore que vem sendo falado”, resume, com a certeza de que, mesmo tendo evoluído no processo de eólico, no Brasil, a atividade ainda é embrionária.
Presente no Brasil desde 2012 a Nordex Acciona – de acordo com Daniel Berridi, diretor Geral dessa fabricante de aerogeradores no Brasil – acredita que em algum momento o País deve voltar a crescer e os investimentos acontecerão. Por isso, em 2013 a empresa inaugurou fábrica na Bahia, com capacidade para 600 MW/ano e mantém a atividade em 2018, operando com 30% da capacidade. “Nosso negócio é baseado na previsão de aumento da demanda. Hoje, sofre-se o cancelamento dos leilões nos últimos dois ou três anos. Por esse motivo, 2019 não vai ser um bom ano para os fabricantes. A retomada começa na segunda metade de 2019 e mais especificamente em 2020. O impacto positivo virá dos leilões futuros, que dependem de ações do novo governo”, afirma, resumindo a expectativa dos demais agentes da cadeia de fornecimento.
Apesar dos percalços, o País se destaca no cenário mundial por instrumentos como o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE de 2026) que – lembra Guerreiro – “poucos países têm, e vem sendo cumprido”. Agrega a isso, a adoção, por organismos como o BNDES, de uma política de financiamento de parques eólicos, que contribui para a geração de emprego local com o estabelecimento de novas unidades fabris; assim como a política do BNDES de regulamentação do financiamento de parques eólicos, que “tem sido adotada como modelo para a formatação de conteúdo local por outros países, dado o sucesso que temos tido com a indústria de energia eólica no Brasil”.
A política de conteúdo local e as exigências para financiamento por bancos de fomento são destacados por Berridi como complicadores para empresas internacionais, que precisam se adequar e, por isso, “mais do que criarmos uma cadeia, trabalhamos junto com os fornecedores para desenvolver componentes que cumprem os requisitos Finame, que exigem conteúdo local ao redor de 70%”.
Investimentos à espera de projetos
Pensando no potencial do mercado, muitas empresas brasileiras e presentes em território nacional realizaram investimentos nos últimos anos. A Thyssenkrupp, por exemplo, a fim de atender à crescente demanda do mercado de energia eólica, triplicou a capacidade produtiva, em 2016. A Liebherr Brasil – informa Kleiton Paulino, executivo de vendas de Componentes – em 2016, investiu na linha de produção, basicamente na compra de maquinários e treinamento de mão de obra, pois o galpão onde a fábrica foi instalada já existia.
A Romi, por sua vez, em 2009 inaugurou a Unidade Fabril 82, com mais de 13.000m², direcionada a atender principalmente aos setores de energia eólica e bens de capital (basicamente óleo e gás) e possui capacidade para a produção de peças de até 35 toneladas. De lá até 2018, investiu R$ 150 milhões, inclusive com vistas a atender a demanda por aerogeradores maiores. Nessa unidade, comenta Vita, são fabricados a nacele e o cubo do rotor. No entanto, “nunca atingiu a capacidade total e, neste momento, a produção está em 400 toneladas e caindo”, lamenta.
Na GE Renewable Energy – Wind a realidade é muito semelhante. Desde 2009, a companhia dedicou mais de US$ 200 milhões para contribuir com a expansão da capacidade instalada. Parte essencial desse plano de investimento é manter o nível tecnológico dos equipamentos fabricados no Brasil em linha com os últimos desenvolvimentos do mercado global. “Uma das nossas metas é promover a utilização da nossa nova turbina de 4,8 MW, que conta com uma combinação de um rotor maior e torre alta, permitindo que a turbina aproveite as velocidades mais altas do vento e produza cerca de 90% a mais de energia do que o modelo da GE anteriormente disponibilizado no Brasil, de 2,5 MW”, afirma Gláucio Sansevero, gerente Sênior de Produto da empresa para a América Latina.
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Torres de 50 m a 80 m, como as mais usuais, ou de mais de 100 m de altura, seguindo a tendência atual, podem ser sinônimo de grandiosidade. Mas no mundo da energia eólica, as dimensões são sempre expressivas. A logística faz com que as torres, quando de concreto, sejam produzidas em fábricas móveis, no próprio canteiro de obras da fazenda eólica.
A Nordex Acciona, por exemplo, entrega o conjunto com torres, pás e nacele e também faz operação e manutenção de todo o conjunto, com exceção das obras civil e elétrica. A torre em concreto mede 120 m de altura; e as pás em fibra de vidro, 62 metros cada.
Responsável pelo fornecimento do aerogerador completo e da torre, além de cuidar da operação e da manutenção por dez anos, a Divisão de Energia da WEG fabrica em Jaraguá do Sul (SC) nacele e turbogerador. Com capacidade de 120 máquinas por ano de 2,2 MW, a partir do primeiro trimestre de 2020 produzirá equipamentos com 4,0 MW. As naceles de 2,5 MW e 3 MW pesam cerca de 15 toneladas cada, enquanto que as de 4,5 MW podem chegar a 25 toneladas. Os cubos do rotor passam das atuais 9 toneladas para 12 toneladas e até 15 toneladas com as novas turbinas.
Por sua vez, a Liebherr Brasil, em Guaratinguetá (SP), produz rolamentos de grande diâmetro utilizados para o giro da nacele e das pás (hélices) dos geradores eólicos, da mesma forma que a divisão de Rolamentos da área de negócios Components Technology da Thyssenkrupp, por exemplo, além de prestar serviços de assistência técnica para supervisão de instalação e acompanhamento de vida útil até a recuperação e a usinagem de rolamentos, fabrica rolamentos com diâmetros na faixa de 300mm a 3.750mm aplicáveis a várias atividades de alta complexidade, como turbinas eólicas.
Mesmo com impasses resultantes das conjunturas econômicas e políticas do Brasil, as expectativas dos fabricantes são positivas e acreditam em ligeira melhoria a partir do segundo semestre de 2019, com reflexos positivos realmente a partir de 2020. O importante, também, é que o aprendizado de todos os atores está rendendo frutos: está norteando os trabalhos do setor solar-fotovoltaico com mercado igual ou maior na geração distribuída. “O trabalho desenvolvido para o setor eólico serviu de base para o estabelecimento de métricas e diretrizes no desenvolvimento do setor de geração de energia para o setor solar-fotovoltaico”, comemora Veiga, informando a estruturação de um Conselho focado nessa atividade nos mesmos moldes do direcionado à energia eólica.