Esse ambiente de livre competição, também chamado de Ambiente Livre de Contratação (ACL), conta hoje com 451 empresas comercializadoras de energia passando a fornecer 65% de toda a energia transacionada no Mercado Livre e 39% de toda a energia transacionada no País. E mais: cerca de 50% do total de energia gerada por fontes limpas foi negociado dentro do mercado livre, sendo que cerca de 35% do consumo do mercado livre vêm de fontes limpas.
Criado oficialmente em 13 de agosto de 1998 com a publicação da Resolução 265, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o mercado livre de energia atende cerca de 35% da energia elétrica consumida no País, de acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) relativos a 2021.
Para discorrer sobre este ambiente de negócios, a participação do setor de bens de capital mecânico e o consumo de energia elétrica gerada por fontes alternativas, entre outros assuntos, a Máquinas & Equipamentos, com exclusividade para esta edição, entrevistou Alexandre Lopes, vice-presidente de Energia da Abraceel.
Confira!
M&E – Qual o papel da Abraceel?
Alexandre Lopes – A Abraceel é uma associação civil, sem fins lucrativos, que defende a livre competição de mercado como instrumento de promoção da eficiência e segurança do abastecimento nas áreas de energia elétrica, etanol e gás natural, bem como de estímulo ao crescimento das negociações de créditos de carbono.
A Associação atua de forma a promover a liberdade de escolha do consumidor como valor fundamental, discutir e divulgar as melhores práticas e experiências nacionais e internacionais na regulação e no desenvolvimento dos mercados de energia, defender o aperfeiçoamento do marco legal e regulatório de modo a que a livre competição possa promover, cada vez mais, a eficiência do mercado em benefício da sociedade e manter seus associados informados sobre a evolução do ambiente legal e institucional, buscando identificar possíveis ameaças e oportunidades. Em 2021, a Abracell conquistou 10 novas empresas, chegando ao número de 106 associadas, que somadas respondem por 78% do volume comercializado dentro do mercado livre de energia. O número de comercializadores no País também subiu, de 389 para 451 em 2021.
M&E – Qual foi o comportamento do mercado livre de energia nos dois últimos anos (2020 e 2021)? O que esperar de 2022?
Lopes – O ano de 2020 foi desafiador, diante das condições da pandemia do Covid-19, com o foco das ações voltadas para o assunto. Mesmo com as medidas de isolamento e os impactos no consumo de energia, o mercado livre mostrou sua capacidade de se adaptar e buscar as melhores soluções com suas contrapartes, garantindo a sustentabilidade do ambiente de negócios. Em 2021, o cenário continuou adverso, dessa vez com a crise hídrica, em que foram tomadas várias medidas para atravessarmos o período de escassez, levando os preços e encargos para patamares elevados. Apesar disso, o consumo no mercado livre teve um crescimento de 2,7% em 2020 e 6,1% em 2021, chegando a 35% de toda a energia consumida no País, enquanto o mercado regulado teve aumento ao redor de 0,5% no mesmo período. Nos últimos 12 meses, 5.412 novas unidades consumidoras migraram para esse sistema, representando um aumento de 26%.
Para 2022, esperamos que a pauta estrutural que pode mudar o cenário do setor elétrico – que é a abertura do mercado livre para todos os consumidores – não seja continuadamente adiada por pautas conjunturais.
Além disso, até o final de 2021, para ser um Consumidor Livre – aquele estabelecimento que pode escolher sua energia proveniente de qualquer fonte de geração – a exigência era possuir no mínimo 1.500 kW de demanda contratada por mês, sendo esse requisito reduzido para 500 kW no caso de aquisição de energia de fontes renováveis de pequeno porte. Este valor foi reduzido para 1.000 kW a partir 1º de janeiro de 2022, ampliando ainda mais o público a ser beneficiado com a livre escolha da fonte. Em 1º de janeiro de 2023 a taxa deve cair para 500 kW.
A indústria continua responsável por 85% do consumo no mercado livre, com destaque para os setores de Saneamento e Serviços, que aumentaram seu consumo de energia livre em 20,3% e 18%, respectivamente.
M&E – Quais os principais fatores responsáveis por esse crescimento?
Lopes – A oportunidade que o consumidor, em especial o comércio e a indústria, vê no mercado livre. Só neste ambiente as empresas conseguem negociar seus contratos de energia livremente, adaptando a contratação com as condições, prazos, volumes e principalmente preço, que melhor lhe convém. Os comercializadores desempenham um papel fundamental e impulsionam o crescimento desse mercado, gerindo portfólios e oferecendo mais liquidez e dinamismo para as negociações.
A crise hídrica foi um dos fatores que mais impactou o mercado de energia em 2021, aumentando custos de geração e inflando as tarifas do mercado regulado. Mesmo nesse contexto, os consumidores livres pouparam até 47% nos custos de energia. A tarifa de energia média das distribuidoras ficou em 332 R$/MWh em novembro de 2021, enquanto o preço de longo prazo do Mercado Livre ficou em uma média de 177 R$/MWh.
M&E – É possível dimensionar a participação do setor de máquinas e equipamentos (bens de capital mecânico) nos negócios do mercado livre de energia?
Lopes – De acordo com os dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o consumo de manufaturados diversos nos últimos 12 meses foi de 1.840 MWmed, crescimento de 16% em relação ao ano anterior. Isso em um contexto geral de crise, o que demonstra a importância do mercado livre para o setor de máquinas e equipamentos. A indústria continua responsável por 85% do consumo no mercado livre, com destaque para os setores de Saneamento e Serviços, que aumentaram seu consumo de energia livre em 20,3% e 18%, respectivamente.
M&E – Como a nova Lei do Gás impacta sobre o mercado livre de energia?
Lopes – A Nova Lei do Gás é um marco para abrir o mercado de gás natural, atraindo investimentos, gerando empregos e fomentando a indústria nacional. Hoje, o Brasil tem o gás entre os mais caros do mundo, isso está associado ao modelo antigo onde não há incentivos à competição e à produtividade. O gás natural é a principal aposta de combustível para a transição energética, e ter um mercado de gás competitivo, com acesso pelos usuários a vários fornecedores, é fundamental para reduzir o preço desse insumo.
M&E – Quais os benefícios mensuráveis para os consumidores industriais nesses 25 anos? Quanto pode melhorar com a finalização do processo?
Lopes – Sabemos que nos últimos 18 anos, desde 2003, os consumidores do mercado livre já economizaram R$ 251 bilhões nas suas contas de luz, e esses consumidores são principalmente os industriais. Esse valor foi atingido considerando o universo atual de 25.675 unidades consumidoras no mercado livre, imagine quando todas as 84 milhões de unidades consumidoras do Brasil puderem escolher seu fornecedor de energia.
M&E – O que pode e o que é preciso mudar no mercado livre de energia para que ele cumpra a meta divulgada pela Abraceel de reduzir em até 30% o custo para consumidor? Isso também vale para o consumidor do setor de máquinas e equipamentos, que têm a energia elétrica como insumo fundamental?
Lopes – O mercado livre já oferece preços mais competitivos do que o mercado regulado de energia. Isso é uma realidade, inclusive para o consumidor do setor de máquinas e equipamentos. Contudo, é importante destacar que não existe meta de redução do preço da energia no mercado livre. O valor de 30% divulgado é uma comparação histórica dos preços praticados no mercado livre em relação às tarifas reguladas, e não uma projeção ou garantia de redução futura. O percentual de economia no mercado livre depende das condições particulares de cada consumidor e de sua estratégia de contratação. Hoje 85% do consumo industrial, onde se encaixa o segmento de bens de capital mecânico, já são realizados no mercado livre. Para essa redução de preço alcançar mais consumidores, é preciso decisão pelas entidades competentes, apenas.
M&E – O que as empresas filiadas à Abraceel estão fazendo com relação a fontes sustentáveis/renováveis de energia?
Lopes – Existe uma parcela do mercado livre dos consumidores especiais, que são aqueles com uma carga reduzida, entre 500 kW e 1.500 kW, que só podem contratar energia das fontes chamadas incentivadas, que são por exemplo a eólica, solar, PCHs e biomassa. Além disso, existem clientes que desejam apenas contratar fontes de energia renovável, para alinhar valores das suas marcas. Ou seja, o mercado livre por si só incentiva a contratação de fontes renováveis. Além disso, a Abraceel tem parceria com o Selo Energia Verde, que atesta a energia produzida a partir do bagaço de cana, e com o programa REC Brazil, que certifica atributos ambientais. Hoje o mercado livre é principal propulsor das fontes renováveis de energia no País, sendo responsável por viabilizar 72% da expansão solar nos próximos cinco anos, 88% da biomassa, 72% da eólica e 62% de pequenas centrais hidrelétricas, com investimentos de mais de R$ 100 bilhões em geração renovável de energia.
Cerca de 50% do total de energia gerada por fontes limpas foram negociados dentro do mercado livre, representando crescimento de 30% nos últimos 12 meses. No momento, cerca de 35% do consumo do mercado livre vêm de eólicas, biomassa, PCHs e solar. A possibilidade de fazer essa escolha dá ao consumidor mais segurança, por não depender exclusivamente das hidrelétricas.
Alexandre Lopes
Graduado em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduado em análise e elaboração de projetos pela Fundação Getulio Vargas, Alexandre Lopes, em 2001, fundou e presidiu a Econsult, empresa júnior de consultoria econômica da Universidade de Brasília (UnB). Entre 2001 e 2007, assessorou a Superintendência de Regulação Econômica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), participando diretamente da elaboração das resoluções normativas da área, assim como dos processos de reajustes, revisões e realinhamentos tarifários das concessionárias de distribuição. Nessa função, apoiou o desenvolvimento da metodologia de cálculo da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd) e da Tarifa de Energia (TE). Julho de 2007 é marcado pelo seu ingresso na Abraceel, como assessor técnico, acompanhando as atividades dos grupos técnicos internos, o desenvolvimento da regulação, a operação do sistema elétrico e a evolução do mercado livre, além de ministrar cursos sobre regulação econômica e tarifas de energia elétrica. Assumiu a Vice-Presidência de Energia em novembro de 2019 e, em outubro de 2020, a Vice-Presidência de Estratégia e Comunicação, retornando em Janeiro de 2022, à Vice-Presidência de Energia.