José Luis Pinho Leite Gordon, Diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior*
Os resultados computados no primeiro trimestre de implementação da NIB e a agenda de inovação e sustentabilidade como eixo da neoindustrialização, linhas de fomento à inovação, à neoindustrialização, à agropecuária, entre outras, são temas enfocados nesta entrevista exclusiva da revista Máquinas & Equipamentos com o diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior, José Luis Pinho Leite Gordon. Boa leitura!
M&E – Com a intenção de centrar a atenção no setor industrial, no escopo da Nova Indústria Brasil está inserido o Plano Mais Produção, com cerca de R$ 300 bilhões – cerca de US$ 60 bilhões – direcionados à neoindustrialização, até 2026. O BNDES, ao lado da Finep e da Embrapii, responde pela gestão dos recursos. Cerca de 100 dias após o lançamento da NIB que ações foram implementas e quanto do total já está comprometido?
Gordon – O lançamento oficial da NIB consolidou uma série de iniciativas anunciadas ainda em 2023 a partir da aprovação das missões da Nova Política Industrial pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI). Dentre elas merecem destaque a autorização para que o BNDES apoie projetos de inovação e digitalização com custo financeiro em taxa referencial (TR) e o reforço do orçamento, agora descontingenciado, do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para aplicação pela Finep nas prioridades da NIB.
O anúncio das Missões de Desenvolvimento e o lançamento da NIB indicam um compromisso firme do País com a agenda da inovação e da sustentabilidade, que são os eixos da neoindustrialização. No BNDES, temos observado interesse muito grande das empresas pelas novas linhas do Plano Mais Produção, dando sustentação à retomada de pedidos de financiamento que marcou o ano de 2023. Desde o início do ano passado até o fechamento do primeiro trimestre de 2024, o Banco aprovou R$ 90 bilhões em projetos relacionados com os eixos de produtividade, exportação, inovação e sustentabilidade.
M&E – Qual o papel de cada uma dessas instituições na gestão do Plano Mais Produção?
Gordon – Um desafio importante para a execução da política industrial diz respeito ao alinhamento institucional e à coordenação das atividades. BNDES, Finep e Embrapii são instituições complementares com mandatos e instrumentos financeiros próprios que, em conjunto, oferecem soluções de crédito, subvenção econômica e compartilhamento de risco com empresas e institutos de pesquisa em projetos inovadores. Por meio de acordos de cooperação técnica ou mesmo de operações conjuntas, as três instituições vêm buscando alinhar conceitos, compartilhar informações e padronizar as formas de divulgação de seus resultados para potencializar os objetivos do Plano mais Produção e garantir máxima transparência à sociedade.
M&E – Já é possível medir, nesses primeiros três meses de 2024, os efeitos da NIB? Explique.
Gordon – Sim. Para ilustrar a receptividade do setor empresarial a medidas anunciadas no âmbito da NIB, podemos mencionar o lançamento, no final de 2023, do Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER), que estabeleceu novo regime de incentivos à realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento para as indústrias de mobilidade e logística com vistas à descarbonização da indústria automotiva.
Até meados deste mês (abril) haviam sido habilitadas 23 empresas do setor, com investimentos anunciados que poderão chegar a mais de R$ 100 bilhões até 2028.
O Programa autorizou também a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico (FNDIT), a ser administrado pelo BNDES, com a finalidade de captar recursos oriundos de políticas industriais para apoio financeiro a programas e projetos prioritários de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico.
M&E – No âmbito da NIB e de suas missões, o que ainda necessita ser regulamentado para que os resultados sejam potencializados?
Gordon – Um aspecto importante da neoindustrialização é a retomada plena dos instrumentos de apoio à exportação, garantindo condições adequadas à projeção do Brasil e de suas empresas no mercado global. No momento encontra-se em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 5.719/2023, que autoriza a criação do BNDES Exim e a retomada de financiamentos de serviços prestados por empresas brasileiras no exterior, gerando emprego e renda no Brasil.
Alinhado com este objetivo, o BNDES reduziu seus spreads em operações de apoio à exportação, estimulando o crescimento de exportações de maior valor agregado e ampliando a demanda por máquinas e equipamentos de fabricantes nacionais, a maior parte dos quais são associados da ABIMAQ.
Registre-se também o anúncio do BNDES neste mês de abril das novas condições de apoio no âmbito do Fundo Clima, que recebeu reforço de R$ 10,4 bilhões no orçamento. As operações do Fundo destinam-se ao financiamento reembolsável de projetos que visem à mitigação e adaptação à mudança do clima e aos seus efeitos.
Por fim, o BNDES tem grande expectativa de que seja aprovada ainda neste ano o Projeto de Lei 6.235/2023, que trata da Letra de Crédito de Desenvolvimento, autorizando os Bancos de Desenvolvimento, inclusive o BNDES, a captar recursos de longo prazo para financiamento a projetos de desenvolvimento, ampliando assim a potência da NIB e de suas missões.
M&E – A linha BNDES Mais Inovação, em operação desde setembro de 2023, vem sendo grande impulsionador da evolução das operações de financiamento à inovação, tendo contribuído significativamente para aumento de 132% em 2023, em relação a 2022. Quais as expectativas para 2024?
Gordon – O Brasil possui o duplo desafio de elevar os dispêndios globais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e, em especial, o do setor privado. Duas condições, porém, são essenciais para enfrentar este desafio: existência de um ambiente favorável ao crescimento e à indústria, com estabilidade e previsibilidade, e a oferta de condições adequadas de financiamento para empreendimentos que por sua natureza envolvem maior risco.
A linha BNDES Mais Inovação foi concebida nesta perspectiva e tem o objetivo de financiar empresas de todos os portes com foco nos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), plantas industriais com processos não existentes no país, difusão tecnológica, incluindo a aquisição de máquinas e equipamentos com características inovadoras, e a transformação do ambiente digital no interior das empresas.
Desde o seu lançamento, foram aprovados R$ 3,5 bilhões em financiamentos diretos para projetos de inovação nas áreas de saúde, automotiva, aeronáutica e produção de combustíveis sustentáveis em diferentes regiões do país. Considerando a demanda já identificada pelo Banco, temos a expectativa de superar amplamente este valor em 2024.
M&E – O BNDES mais inovação está diretamente vinculado às missões do CNDI – Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial. Qual a relação dessas missões com a missões da NIB?
Gordon – A NIB se estrutura a partir das seis missões produzidas ao longo do segundo semestre de 2023 pelos membros do CNDI, que é composto por 20 ministérios, pelo BNDES e 21 entidades representativas da sociedade civil, do setor produtivo e dos trabalhadores. As missões são as seguintes: i) cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética; ii) complexo econômico industrial da saúde resiliente para reduzir as vulnerabilidades do SUS e ampliar o acesso à saúde; iii) infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades; iv) transformação digital da indústria para ampliar a produtividade; v) bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras; e vi) tecnologias de interesse para a soberania e defesa nacionais.
Como pode ser visto, trata-se de uma política direcionada para os grandes desafios da transição ecológica e do redesenho das cadeias globais de suprimento afetadas pela pandemia e pelos diversos eventos de natureza geopolítica. Em última instância, a NIB endereça o objetivo de melhoria da qualidade de vida das pessoas e da mobilidade nos espaços públicos urbanos.
A inovação desempenha um papel decisivo nesse processo ao estimular a produtividade e competitividade nacionais, gerando empregos de qualidade e promovendo o reposicionamento do Brasil no comércio internacional, objetivos que foram incorporados na linha BNDES Mais Inovação.
M&E – Com relação à agropecuária, quais linhas se destacaram em 2023 e quais as tendências para 2024?
Gordon – Em 2023, as aprovações por meio da rede de agentes financeiros parceiros credenciados no BNDES para o setor agropecuário alcançaram R$ 38,2 bilhões para 149 mil operações, crescimentos de 48% e 25%, respectivamente, frente a 2022. Destacaram-se os financiamentos realizados por meio dos Programas Agropecuários do Governo Federal (PAGFs), que representaram 74% do total aprovado – R$ 28,5 bilhões (R$ 8,3 bilhões no Pronaf, R$ 7,9 bilhões no Moderfrota, R$ 3,4 bilhões no Pronamp, e R$ 8,9 bilhões em demais programas), sendo o restante financiado por meio de linhas próprias do BNDES, principalmente pelo produto BNDES Crédito Rural – R$ 8,9 bilhões.
M&E – Como o BNDES está contribuindo com o produtor rural com relação ao financiamento do ano-safra 2023/2024? Já há previsões para o próximo ano-safra, que se inicia em 1º de julho?
Gordon – O forte desempenho do ano passado também pode ser explicado pelo fato do BNDES ter disponibilizado o maior orçamento de sua história para o atual Plano Safra 2023/2024, que teve início de vigência em julho de 2023. Foram R$ 38,4 bilhões, um aumento de 53% em relação ao Plano Safra 2022/2023 (encerrado em junho de 2023), sendo R$ 26,4 bilhões em recursos com juros equalizados dos PAGFs e mais R$ 12 bilhões de recursos do Banco por meio do produto BNDES Crédito Rural, crescimento de 130% frente à safra anterior.
Em relação ao produto BNDES Crédito Rural, que teve destaque em 2023 com R$ 8,9 bilhões de aprovações, vale mencionar a criação da linha de financiamento com custo fixo em dólares americanos (TFBD), lançada em abril de 2023. Foram disponibilizados R$ 4 bilhões para operações de investimento (máquinas, equipamentos e projetos) e custeio dos produtores rurais e suas cooperativas. O objetivo foi ampliar e diversificar alternativas de crédito a custos mais competitivos para esse segmento, intensivamente exportador. Até dezembro de 2023, o BNDES já tinha aprovado mais de R$ 3,5 bilhões em 2,2 mil operações. Já em 2024, a dotação orçamentária da linha com TFBD do BNDES Crédito Rural foi ampliada em mais R$ 4 bilhões, totalizando R$ 8 bilhões disponíveis.
Outra novidade anunciada em 2024 foram mudanças implementadas no programa BNDES Procapcred, que tem o objetivo de fortalecer a estrutura patrimonial das cooperativas de crédito, oferecendo financiamento direto aos associados para aquisição de cotas-partes do capital de cooperativas singulares de crédito.
Para reforçar o alcance do programa, que já havia aprovado cerca de R$ 1,4 bilhão em operações com mais de 170 mil cooperativas de crédito, o Banco aprovou nova dotação orçamentária de R$ 2 bilhões, estendeu a vigência até o fim de 2025, ampliou o rol de clientes para também contemplar qualquer cooperado pessoa física de uma cooperativa de crédito ou de banco cooperativo, aumentou o limite de financiamento de R$ 30 mil para até R$ 100 mil por cliente a cada dois anos e reduziu taxas e alongou prazos, com foco especialmente em cooperados das regiões Norte e Nordeste.
O BNDES considera que essas iniciativas reforçam o seu compromisso histórico com o setor agropecuário e com o cooperativismo de crédito, em sintonia com as políticas públicas para o segmento, promovendo maior distribuição de riqueza, especialmente em áreas mais remotas do Brasil.
Em 2024, os financiamentos ao setor agropecuário já alcançaram R$ 6,8 bilhões em aprovações para 27 mil operações. No âmbito dos PAGFs, não existe ainda previsão para o orçamento do Plano Safra 2024/2025, que está sob análise dos Ministérios da Fazenda (MF), da Agricultura e Pecuária (MAPA) e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).
M&E – O período entre o fim de abril e o começo de maio é marcado pois dois eventos importantes para o setor de máquinas e equipamentos: a Agrishow e a Feimec. Como esses eventos contribuem para a disseminação da cultura de inovação e de investimentos voltados à neoindustrialização e aos quatro grandes objetivos do Plano Mais Produção: uma indústria mais inovadora e digital; mais verde; mais exportadora; e mais produtiva?
Gordon – O desafio da neoindustrialização somente será bem-sucedido se beneficiar o conjunto da indústria, que sabemos ser bastante heterogêneo quanto ao porte de suas empresas e ao grau de adoção de tecnologias modernas de produção e de gestão da produção.
Feiras como a Feimec e a Agrishow cumprem um papel relevante ao reunir fabricantes de máquinas e clientes para a demonstração de soluções que resultem em ganhos de produtividade e melhoria de produtos em diversos ramos industriais.
O BNDES tem um longo histórico de parceria e comparecimento a estes eventos e pode se orgulhar de dizer que está presente em todas as etapas de apoio ao setor, seja por meio do credenciamento de fabricantes nos seu portal de fornecedores ou pela oferta de linhas de financiamento à aquisição de máquinas e equipamentos diretamente pelo Banco ou através de sua ampla rede de agentes financeiros.
*José Luís Pinho Leite Gordon
Formado em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com várias publicações na área de indústria e inovação, Gordon assumiu como diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES em janeiro de 2023. Sua trajetória profissional inclui cargos de assessor especial do Ministério da Ciência e Tecnologia e do Ministério da Educação; diretor de Planejamento e Gestão da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii); secretário-executivo da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE); e presidente da Embrapii.