Entrevista exclusiva: Jose Velloso Dias Cardoso, Presidente-executivo da ABIMAQ

Oportunidades no mercado internacional, reindustrialização e equilíbrio macroeconômico relevantes para o setor

José Velloso trabalhou há mais de 30 anos no setor de máquinas e equipamento e conhece de perto as necessidades das empresas associadas. Ao mirar o futuro, vê oportunidades para inserção do Brasil nas cadeias globais de valor, com a internacionalização das empresas brasileiras. Alerta ainda sobre a necessidade de equacionamento de temas que se fazem presentes na agenda há muitos anos e que são imprescindíveis para o processo de reindustrialização.
A ABIMAQ tem o nome forte. Vem da herança passada ao longo dos anos, o reconhecimento do papel desempenhado e da reputação conquistada – na indústria, na imprensa, na sociedade e nos diferentes governos –, favorecendo ação e sugestões junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Confira!

M&E – Oitenta e cinco anos de atuação significam muita história. Entre as realizações que levaram o setor a ser representativo no cenário nacional, quais pontos resumem esse período?
Jose Velloso Dias Cardoso –
Nessa história, há marcos intangíveis, que somente são alcançados ao longo do tempo e exigem atenção permanente para sua preservação, como a consolidação da ABIMAQ, reconhecida pela atuação e reputação, na indústria, na imprensa, na sociedade e nos diferentes governos.
O patrimônio perene, que é a sede, inaugurada em 1983, também é um legado importante, que precisa ser creditado aos que começaram esse trabalho, pois tiveram a percepção de que para ter representatividade e realizar um trabalho efetivo em prol do setor, uma entidade necessita também de patrimônio e recursos.
Manter um quadro extremamente qualificado de colaboradores proporciona às associadas a certeza de que a atenção da Entidade está voltada às associadas e ao setor, antecipando-se às necessidades e atendendo as solicitações com dedicação e emprenho. As áreas de interesse são múltiplas e há equipes para cada uma delas, como Jurídico, Comércio Exterior, Promoção Comercial e Relações Internacionais, Mercado Interno, Tecnologia, Financiamento, Relações Governamentais, Comunicação, Marketing e, no suporte interno, Relações Humanas, Administração e Tecnologia da Informação.
Há ganhos que falam diretamente ao industrial, como desoneração do IPI, desoneração da folha de pagamento, Finame, criado em 1964, especialmente para a ABIMAQ, e participação relevante na recente Reforma Trabalhista, entre tantos outros. Destaque também para as ações desenvolvidas junto ao BNDES e diversas instituições financeiras em vários Estados; e para a implantação de espaços para a exposição de produtos, que se materializam, por exemplo, nas quatro feiras da Entidade – Agrishow, Feimec, Expomafe e Plástico Brasil -, todas referências em seus setores.
Capacitar e promover indústrias do setor no mercado externo, por meio de feiras internacionais, projetos compradores e missões empresariais, entre outras ações, é atividade contínua que responde pela evolução do número de empresas associadas exportadoras de cerca de 20%, em 2007, para 53% em 2021, último ano com dados disponibilizados, uma vez que os resultados de 2022 ainda não foram divulgados por parte do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

M&E – Medir a efetividade das ações da ABIMAQ pelos resultados institucionais do setor é um dos métodos que podem ser utilizados. Em um país como o Brasil, algumas “vitórias” levam décadas a serem concretizadas, e, assim, o rela­tório de atividades pode parecer repeti­tivo ou nem tão representativo assim. Quais critérios e/ou metodologia vêm sendo utilizados para o desempenho?
Velloso
– As ações desenvolvidas pela Entidade refletem-se nas pesquisas NPS de satisfação que são realizadas anualmente junto aos associados. No caso do NPS – Net Promoter Score, metodologia de satisfação de clientes desenvolvida em 2003 pela Bain & Company, avalia o grau de fidelidade dos clientes de qualquer perfil de empresa, e que se tornou referência internacional em pesquisas.
A métrica mede a probabilidade de um cliente indicar a sua empresa para um amigo. Ele é usado globalmente em pesquisas para medir o nível de fidelidade e satisfação com um produto/serviço. O ranking vai de -100 a 100.
A definição de um bom NPS, de acordo com as médias de mercado, é obtida por meio da classificação geral: Excelente (Pontuação de NPS que varia entre 75 e 100); Muito bom (Pontuação de NPS que varia entre 50 e 74); Razoável (Pontuação de NPS que varia entre 0 e 49); Ruim (Pontuação de NPS que varia entre -100 e -1).
No caso específico da ABIMAQ, desde que essa pesquisa é realizada (2019), os indicadores vêm crescendo e mantendo a Entidade na zona de excelência, que é a mais alta, contabilizando notas de 75 a 100, o que significa que a maior parte dos clientes é fiel e a indicará a outros possíveis compradores. Em 2022, o NPS atingiu 82, maior número já obtido.
Saber como os associados avaliam o trabalho desenvolvido, obtido por meio da pesquisa de satisfação, é fundamental para que a ABIMAQ continue aprimorando atendimento e serviços. Consequentemente, permite o aumento a cada ano do NPS e do índice de satisfação. Em 2022, também foi superior em comparação aos anos anteriores: o índice de satisfação obteve média 9.0, resultado mais expressivo desde que a Entidade passou a realizar a pesquisa com o atual método, em 2019.

O desenvolvimento das indústrias e o atendimento às necessidades que surgem a cada momento são o dia a dia de um grupo extremamente qualificado de funcionários e colaboradores que trabalha na defesa do setor, sobre temas como reformas estruturantes, ajustes macroeconômicos, equilíbrio fiscal, redução do risco Brasil e previsibilidade do câmbio. A meta é a reindustrialização do País, o estabelecimento de uma agenda de competitividade e a maior participação no mercado internacional.

M&E – Os resultados do setor graficamente mostram ciclos, alguns de baixa atividade e outros de evolução. Em qual ponto da curva situam-se os números de 2022?
Velloso
– Depois de registrar crescimento por quatro anos consecutivos, mesmo tendo expandido suas exportações e ampliado o número de pessoas empregadas, o setor de máquinas e equipamentos registrou queda nas receitas líquidas de vendas em 2022.
O resultado negativo foi puxado pela retração no mercado doméstico, que no último trimestre do ano foi impactado por incertezas políticas, mas, principalmente, pela política monetária contracionista, que colocou a taxa básica de juros nacional como a mais elevada do mundo, comprometendo o consumo das famílias e tornando a aplicação dos recursos disponíveis em títulos públicos, mais rentáveis que a ampliação ou modernização do processo produtivo.
As exportações, por outro lado, mantiveram a curva de crescimento, assim como a taxa de investimento das empresas e o nível de emprego. Foram mais 7.500 postos de trabalho gerados no período e um aumento de 21% nas exportações, que chegaram a US$ 12 bilhões naquele ano. No período, o setor realizou investimento acima do nível previsto em 2021 na intenção de modernizar o seu parque fabril, mas também de ampliar a sua estrutura produtiva. As empresas investiram, em média, 5% de suas receitas líquidas em 2022, ou seja, R$ 16 bilhões.
No âmbito da ABIMAQ, houve conquista de associados o que levou a Entidade a bater novo recorde, ultrapassando o total de 1.700.

M&E – O diálogo entre os que atuam nos mesmos segmentos está entre as finalidades de uma entidade de classe. Como esses espaços de trocas de informações são estruturados e definidos na ABIMAQ?
Velloso
– A ABIMAQ representa o setor de máquinas e equipamentos abarcando os subsetores de atuação das associadas. Esse olhar holístico facilita a detecção dos segmentos em desenvolvimento e das novas oportunidades para as fabricantes, conhecendo as demandas e revertendo-as à cadeia industrial do mercado. Essa percepção conduz à criação de fóruns – Câmaras Setoriais, Grupos de Trabalho e Conselho de Mercados, por exemplo – que refletem esses subsetores com flexibilidade para acompanhar a evolução do mercado e do setor.
Neste momento, por exemplo, há um mundo de oportunidades em transição energética, e as indústrias interessadas podem se congregar em grupos de interesse em hidrogênio, eólica e solar fotovoltaica, assim como naqueles vinculados a combustíveis convencionais, como Óleo e Gás, e o setor de Saneamento.
Essa atenção ao mercado e às necessidades dele derivadas responde pela evolução desses fóruns, que, em 2000, eram 20 e hoje totalizam 48, incluindo os Conselhos de Mercado. Nesse mesmo ano, 2000, o quadro de associados era de 705 empresas, e com o crescimento dos últimos anos atraiu cerca de 1.000 empresas. Hoje, são mais de 1.700 associadas, o maior número obtido em toda a história da Entidade.
As ações envolvem, ainda, atenção permanente e adequação aos movimentos internos e externos à Entidade, ao setor e ao País, somando-se à evolução tecnológica e a um mundo que vai ficando mais complexo e dinâmico. Assim, a equipe da ABIMAQ mantém-se aberta a mudanças, encampando transformações importantes, como indústria 4.0, digitalização, transformação digital, mudanças do clima, energias renováveis, ESG. Em muitos momentos, a Entidade foi pioneira em âmbito global, como no desenvolvimento do Demonstrador de Manufatura Avançada em 2016.

M&E – Ao longo dessas décadas de atividades, a ABIMAQ tem atuado reforçando a importância da indústria. A participação no PIB chegou a 30% e hoje é inferior a 20%, sendo que a indústria de transformação tem participação de apenas 11% do PIB. Como retomar a expressão?
Velloso
– Um país sem uma indústria forte é um país fragilizado e carente de riquezas. A indústria é responsável diretamente por parte importante da agregação de valor do país, pela capacitação da mão de obra visando incorporar novos conhecimentos tecnológicos ao processo produtivo e pelo estímulo, com suas encomendas, ao desenvolvimento de serviços sofisticados na econômia. Desse modo, influencia o processo de desenvolvimento econômico de um país. O setor de máquinas e equipamentos, por exemplo, ao fornecer seus produtos transforma a produção nacional, elevando a produtividade, a eficiência do sistema econômico, aperfeiçoando tecnicamente todas as atividades.
Além disso, a indústria é o setor que necessita de mão de obra com mais tempo de estudo. Ao exigir mão de obra mais qualificada é capaz de elevar a renda das famílias, exercendo papel significativo no processo de aceleração do crescimento econômico, impactando outras atividades econômicas com reflexos nos ambientes social e institucional.
No entanto, com o passar dos anos, as assimetrias sistêmicas impostas à indústria, como o sistema tributário perverso, elevados custos de capital, sejam eles para financiamento de investimentos, da produção, das exportações ou capital de giro, uma infraestrutura de logística deteriorada e outros inúmeros fatores, tornaram seus bens poucos competitivos e o resultado foi o seu encolhimento de forma precoce no Brasil.
Reverter esse quadro exige atuação em diversas frentes, por isso o debate recente sobre reindustrialização é primordial. Ao nosso ver, para isso é necessário o estabelecimento de um novo arcabouço fiscal que sinalize ações concretas para o uso eficaz do recurso público em prol do desenvolvimento; uma reforma tributária dos tributos indiretos que simplifique, desonere investimentos e exportações; uma política focada na redução do custo do dinheiro dentre outras.
A ABIMAQ, olhando o futuro, trabalha para que o Brasil tenha responsabilidade fiscal e possa proporcionar um ambiente de negócios saudável e benéfico para todos os atores.

M&E – Ao olhar para o futuro, como vê o horizonte?
Velloso –
Existe uma oportunidade para o Brasil nas cadeias globais de valor. É possível que essas cadeias venham a internacionalizar o nosso país. Essa possibilidade cresceu com a guerra comercial entre EUA e China, acelerou-se com a pandemia e o conflito entre Rússia e Ucrânia. Contudo, a presença brasileira no mercado internacional será transformada em realidade se fizermos nossa lição de casa das reformas, ajustes macroeconômicos, perseguindo superávit fiscal de 2% a 4% ao ano. O equilíbrio fiscal reduzirá o risco Brasil e contribuirá para a previsibilidade do câmbio. Necessária também é a agenda de competitividade e, assim, usufruir das oportunidades de maior participação no mercado internacional.

M&E – Essa é a agenda que continuará norteando as ações da ABIMAQ em prol do setor? Quais as prioridades?
Velloso
– Há necessidade de muito trabalho pela reindustrialização e pelo equilíbrio macroeconômico do País, o que interliga várias temáticas, como a criação de agendas de competitividade, de política industrial, de inovação e tecnologia, de liberdade econômica, de segurança jurídica. É necessário trabalhar por uma âncora fiscal confiável e pelas reformas necessárias, que reduzam o tamanho do organismo estatal e a carga tributária, ampliando a eficiência do Estado.
Enquanto inexistir equilíbrio macroeconômico e juros baixos no País, qualquer política industrial será ineficiente e não promoverá a necessária transformação digital nem a absorção de tecnologias mais modernas, governança e indicadores que meçam produtividade, com uma política de inovação apoiada em linhas de financiamento viáveis.
A agenda de competitividade depende de reforma tributária, principalmente tributos sobre o consumo – a Entidade defende o IVA Nacional – que desonere a folha de pagamentos. Precisamos ter custo de crédito compatível com os retornos das empresas, como para capital de giro e comercialização, mais sistema garantidor à exportação. Aqui também entram a formação de mão de obra, com modernização dos currículos das escolas técnicas no País, para que se adequem à realidade da indústria, e aperfeiçoamento dos institutos para apoiar a inovação nacional.

M&E – Durante o governo de transição, a Entidade reuniu-se com algumas áreas e apresentou sua agenda…
Velloso
– Desde dezembro de 2022, vimos trabalhando com o novo governo, inicialmente via reuniões e entrega de documentos para o governo de transição de áreas tais como Indústria e Comércio, Trabalhista, Economia, Ciência e Tecnologia, Agricultura e Pecuária, neste caso específico sugerindo os segmentos que precisam ser apoiados no Plano Safra e que agora estão com agenda estratégica de recursos.
Entre as ideias que estamos levando como sugestão ao governo, destacamos a mudança do funding do BNDES com uma nova TLP; depreciação acelerada para reduzir o custo de investimento no Brasil; reforma tributária; maior prazo de pagamento de tributos para que o setor produtivo não tenha de recorrer a bancos para pagar impostos; e aperfeiçoamento dos investimentos para apoiar a inovação nacional.