Entrevista: “Flutuações nos preços das commodities podem impactar investimentos”

Victor Rodriguez, consultor principal da CRU para a América Latina
Victor Rodriguez

Em entrevista exclusiva para Máquinas & Equipamentos, Victor Rodriguez, consultor principal da CRU para a América Latina e responsável pelo desenvolvimento de negócios da consultoria na região, fala sobre o mercado mundial de mineração e as perspectivas para este segundo semestre e para 2020, situando o Brasil no contexto global.

Com mais de 17 anos de experiência profissional em desenvolvimento de negócios e consultoria em gestão, marketing e planejamento comercial nas indústrias de petróleo & gás e mineração & metais, Rodriguez iniciou sua carreira na Tenaris – empresa global de serviços petrolíferos – na qual, durante mais de nove anos, exerceu diversos cargos comerciais e de marketing na América do Sul e no Oriente Médio, de onde transferiu-se para a Interpipe – fabricante ucraniano de aço – como diretor de marketing global. Possui MBA na Saïd Business School, Universidade de Oxford (Reino Unido) e é graduado em Administração de Empresas pela Universidad Católica Argentina.

“Apesar de suas dificuldades, o Brasil segue como um dos principais países mineiros da região, respondendo por 25% a 30% do valor da produção mineral da América Latina”

A CRU, por sua vez, chega aos 50 anos de atividade como empresa focada em inteligência de mercado para os mercados globais de metais, mineração e fertilizantes por meio de suas áreas de Análise de Mercado, Precificação, Consultoria e Eventos. Desde a fundação, em 1969, a empresa investe consistentemente em pesquisa e metodologias, tendo desenvolvido um time de experts em localizações-chave ao redor do mundo, incluindo mercados de difícil acesso como a China, onde está presente desde 2004. Com 11 escritórios espalhados pela Europa, Américas, Ásia e Austrália, em 2018, abriu um novo escritório em Cingapura, a fim de acompanhar a evolução e expansão do mercado de commodities na região. A CRU emprega 280 pessoas.

Em julho, a CRU participou de evento realizado pela Câmara Setorial de Cimento e Mineração (CSCM), da ABIMAQ, sobre Uso da Tecnologia para Melhoria da Competitividade e do Meio Ambiente na Mineração.

Confira a entrevista e boa leitura!

Máquinas & Equipamentos – É possível dar uma visão geral do setor de mineração em 2019 na América Latina e mais especialmente no Brasil?
Victor Rodriguez –
A mineração na América Latina está passando por um período desafiador. Os preços de várias commodities relevantes para a região – como cobre, zinco, carvão ou lítio –, este ano, estão instáveis e em queda, por diversas razões. O contexto global da guerra comercial entre EUA-China é fator importante que afeta o mercado de mineração. Apesar disso, vemos a força nos volumes de produção em países importantes como o Chile e o Peru. O Brasil tem sido grandemente afetado pelo infeliz acidente de Brumadinho, que impacta a maioria dos grandes produtores locais de minério de ferro. No geral, esperamos queda na produção de minério de ferro no Brasil – no entanto, o aumento acentuado dos preços em 2019 mais do que compensaria esse declínio.

M&E – O que esperar para 2020?
Victor Rodriguez –
A região continua a ser um destino atrativo para investimentos internacionais e, sem dúvida, continuará a ter posição de liderança na produção de minerais como o cobre, ferro, zinco e lítio. Este último destaca o sucesso da Argentina como um produtor emergente, bem como as expansões planejadas de capacidade de produção no Chile. A Vale deve, ao menos, recuperar parcialmente sua produção em Minas Gerais, enquanto a S11D continuará expandindo a produção, ultrapassando os níveis de 2019. No geral, esperamos que os preços das principais commodities minerais para a América Latina mostrem ligeiro crescimento (cobre, bauxita, ouro, níquel) ou declínio (ferro, lítio, carvão) em 2020, mas não antecipamos um boom em qualquer um deles.

M&E – Como o Brasil está posicionado na esfera latino-americana e global?
Victor Rodriguez –
Apesar de suas dificuldades, o Brasil continua sendo um dos principais países mineiros da região. Em 2018, o valor da produção de seus minerais mais importantes foi estimada em US$ 35 bilhões e representou entre 3% e 4% do total global nos últimos anos. No âmbito da América Latina, o Brasil responde por 25% a 30% do valor da produção mineral.

M&E – Quais são as principais empresas de mineração instaladas na América Latina?
Victor Rodriguez –
A maioria dos grandes atores mundiais tem uma presença importante na região, como, por exemplo, BHP, Anglo American, Rio Tinto, Teck, Glencore, etc. A América Latina também tem várias empresas locais líderes em seus mercados como Codelco e Antofagasta Minerals em cobre, Vale em minério de ferro, Nexa Resources em zinco e SQM em lítio.

M&E – Como a variação de estoque na China e na LME (London Metal Exchange) afetam a produção e o lucro das empresas de mineração?
Victor Rodriguez –
Em geral, os estoques são, muitas vezes, um reflexo dos fundamentos do mercado em termos de oferta e demanda e têm muito pouco a ver com as ações tomadas por grandes produtores. Em situações normais de mercado, as empresas produtoras tendem a ser rentáveis, de modo que seu incentivo é maximizar a produção. No caso do minério ferro, as empresas líderes são extremamente rentáveis mesmo a preços de US$ 60 a US$ 80 a tonelada. Consequentemente, suas decisões de produção independem de mudanças de curto prazo nos estoques na China. Entretanto, o que elas certamente farão é ajustar seu portfólio de produtos para melhor atender a demanda do mercado.

M&E – Quais são os investimentos previstos pelas empresas de mineração no Brasil e na América do Sul que podem afetar a indústria de máquinas e fornecedores de equipamentos?
Victor Rodriguez –
É complexo para calcular e fazer previsões de investimento, portanto, qualquer figura deve ser tomada cautelosamente. De acordo com nossas estimativas, o investimento em capital de desenvolvimento (CAPEX) em projetos de mineração na América Latina foi de US$ 11,5 bilhões em 2018 e esperamos um montante ligeiramente maior para 2019 e 2020. Vale destacar que este valor exclui fertilizantes e o grupo platina. Além do valor absoluto, é importante mencionar que há uma correlação muito forte entre os preços das commodities e os investimentos, sendo assim, fortes flutuações nos preços podem afetar diretamente as decisões das empresas de mineração.

“Esperamos que os preços das principais commodities minerais para a América Latina mostrem ligeiro crescimento (cobre, bauxita, ouro, níquel) ou declínio (ferro, lítio, carvão) em 2020, mas não antecipamos um boom em qualquer um deles”

M&E – Quais são os principais desafios para a indústria mineira e quais são as formas de vencê-los?
Victor Rodriguez –
É uma pergunta complexa que mereceria um artigo inteiro sobre ela. Acredito que um dos maiores desafios que se pode ver em nível mundial é a aceitação de projetos de mineração por comunidades: a chamada “licença social”. Acidentes em minerações têm um enorme impacto negativo sobre o público. As demandas ambientais também estão aumentando – por exemplo, países como Argentina e Chile estão revisando suas leis de proteção aos glaciares, afetando potenciais investimentos futuros em áreas de alta montanha. Em ambas as questões (social e ambiental) é necessário que as empresas mostrem uma gestão profissional e transparente de comunicação e articulação com o seu ambiente. Outro desafio importante é o papel da mineração em relação às mudanças climáticas: Que medidas a indústria tomará para atender às normas de sustentabilidade e emissão de carbono cada vez mais rigorosas? Nesse sentido, é interessante ver o caso da BHP que estabelecerá um fundo de US$ 400 milhões (“Programa de Investimento Climático”) para estudar tecnologias que permitam reduzir as emissões de suas operações e as das indústrias que utilizam seus produtos. Além disso, parte da remuneração de seus executivos estará vinculada a metas de emissões. Finalmente, um desafio sempre presente na mineração é como melhorar a produtividade das operações. Neste sentido, vemos um foco muito importante na digitalização e no uso de tecnologias de informação.

M&E – A destinação das barragens a montante no Brasil deve ocorrer até 2023. Qual é o investimento estimado? Quais são as prioridades?
Victor Rodriguez
– Não há nenhum valor de investimento oficial para a remoção das barragens atualmente em vigor. Mas, se considerarmos o investimento anunciado da Vale para a eliminação de suas barragens, chegamos a um custo estimado de US$ 17,50/m³ de rejeito. Com base em dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), há aproximadamente 570 milhões m³ de rejeitos estocados em barragens a montante que precisarão ser removidos, portanto, um cálculo de custo total para descarte seria da ordem de US$ 10 bilhões. Acreditamos que tanques maiores e mais próximos das populações, e tanques de maior nível de risco de acordo com ANM, devem ser tratados com prioridade.