Hidráulica e pneumática: fabricantes evoluem para soluções e consultoria

A indústria 4.0 e a transformação digital podem contribuir para a evolução do nível básico na topologia da automação até a comunicação em nuvem

Controle de movimento e força, tendo como desafio o custo, seja financeiro, seja ambiental, na busca pela utilização sustentável dos recursos. Essa frase de Mauricio Garcia – presidente da Câmara Setorial de Equipamentos Hidráulicos, Pneumáticos e de Automação Industrial (CSHPA), da ABIMAQ – resume as tendências e os desafios das indústrias desse setor que, ao longo dos anos, “deixaram de ser simplesmente fornecedores de componentes e equipamentos e passaram a ser fornecedores de soluções e consultoria”, detalha.

Cada aplicação tem sua particularidade, o que confere características únicas para cada componente, que tende a se integrar com a eletrônica, para os acionamentos, e com a comunicação em rede para proverem informações valiosas sobre o processo produtivo.

A agregação da eletrônica computadorizada favoreceu a realização de operações mais precisas e de baixo consumo energético

“Poderíamos dizer que a evolução tornará esses dispositivos inteligentes, pois tais informações permitirão que possamos ter tanto as informações pertinentes à produção, quanto à própria vida útil do dispositivo, de forma a que, no caso de condições anormais de funcionamento, que alterem suas características, possam ser usadas para prevenir quebras indesejadas e até acidentes”, prevê Karla Alo, gerente-geral da Norgren Brasil, empresa do grupo inglês IMI (Imperial Metal Industries), que atua em diversas aplicações desde automação industrial, veículos comerciais, equipamentos para a área médica e a indústria de óleo e gás.

Transformação digital e crise

Todo e qualquer assunto, atualmente, remete à pandemia e à sua interferência na economia. Com os componentes hidráulicos e pneumáticos isso não é diferente.

Aumento das vendas e a necessidade da reestruturação da organização, tanto em gestão administrativa-financeira, como na produção, foi também detectado por Marta Elza de Souza Silva, gerente de Novos Negócios da Dynar, que, contudo, vislumbra como fundamental a necessidade de conectividade em todos os níveis, afinal, se antes havia uma necessidade da vitrine virtual (e-commerce), desde o início da pandemia é prioritário “estar nas redes sociais, adotar o home-office, estruturar-se para maior consumo tecnológico, viabilizar as implementações de aumento da produção, abrir possibilidades que atendam as novas demandas”.

É consenso que, durante a crise ocasionada pelo novo coronavírus ocorreu aceleração da demanda por automação dos processos, migração para conceitos remotos e digitalizáveis, fortalecendo o processo de transformação digital nas indústrias e nas empresas em geral.

A pandemia exigiu novos requisitos e padrões de consumo, demandando soluções criativas e inovadoras para manutenção e melhoria dos indicadores de produtividade e de eficiência sem poder contar diretamente com o recurso mais comum, que era o ser humano. O uso racional dos recursos tornou-se ainda mais prioritário, pois que o desperdício, em muitos casos, pode representar até 10% dos gastos em uma produção.

A crise sanitária ampliou e criou alguns mercados para esses componentes, relacionados diretamente com produtos médicos e farmacêuticos e fabricantes que atendem esses segmentos. Exemplo é que produtos como respiradores e ventiladores pulmonares, tão popularizados nos últimos meses, utilizam componentes pneumáticos embarcados.

Essa demanda levou as indústrias desses itens a olharem para o mercado médico-hospitalar com muito mais atenção, “de uma forma muito dura, a pandemia nos fez voltar nossa atenção para o aumento de consumo de alguns componentes de forma muito acelerada”, constata o presidente da CSHPA, ao explicar: “Foi preciso estarmos preparados para rapidamente atendermos as demandas desses produtos, pois a instalação e o início do funcionamento deles poderiam salvar vidas”.

Lamentando a situação, a gerente-geral da Norgren Brasil lembra que “todas as crises trazem inúmeros problemas e igual quantidade de oportunidades. A necessidade de ações rápidas exige que as empresas tenham produções flexíveis, que possam ser monitoradas e controladas, pois quem deixa de produzir nesse cenário atual, perde muito”. Nesse cenário, a automação inteligente deixa de ser apenas inovação e passa a ser necessidade básica para produzir e lucrar nesse novo ambiente”, comenta.

Coleta de dados e monitoramento

Nesse contexto, o conceito de Indústria 4.0, como é alinhado à inteligência distribuída e à troca rápida de informações com melhoria dos processos industriais e aumento da produtividade, favorece monitorar, por exemplo, parâmetros funcionais no acionamento. “As informações de diagnósticos disponibilizadas permitem a verificação da produtividade e da tendência de comportamento funcional, sustentando informações para manutenção preditiva”, reforça Hernane Kaminski Cauduro – diretor da Metalwork, indústria de São Lepoldo (RS), fornecedora de produtos para automação industrial, atuadores pneumáticos elétricos, válvulas, sistemas para manufatura avançada em manipulação e robótica, entre outros.

Essa adequação à indústria 4.0 demanda componentes mais inteligentes e, assim, vem sendo a principal rota dos investimentos em tecnologia. A confirmação vem na fala de Flávio Rodrigues, diretor de Marketing da Festo, pois a meta é que esses componentes estejam aptos a integrar os novos sistemas da industria 4.0, ou seja, que “sejam capazes de obter dados do sistema produtivo através de sensores, que tenham capacidade de comunicação (Internet das Coisas), que possam analisar os dados e propor ações (Inteligência Artificial e Machine Learning), o que permite o total controle dos processos”.

O big data integra essa relação como um dos pilares da indústria 4.0 exigindo que sejam disponibilizados nesses componentes dados não só de processo, como também de segurança, eficiência e diagnósticos antes não existentes ou ignorados pelos controladores. Os entrevistados explicam que a evolução da eletrônica (hardware) e das formas de comunicação (software) acelerou – e muito – a disponibilização de dados, tornando comuns e padrão em quase todos os produtos conceitos antes inéditos, como IO-Link, wireless, web servers instalados.

Diferenciais e finalidades

Tecnologias voltadas à transmissão de potência, usando o meio fluídico, os componentes hidráulicos e pneumáticos possuem grandes áreas de atuação, podendo ser utilizados na maioria dos equipamentos industriais, adaptando-se o uso a cada necessidade.

José Folha – gerente de Portfólio de Produtos da Festo, empresa de produtos e processos para soluções em automação industrial nas tecnologias pneumática e elétrica – explica que, “em geral, os equipamentos hidráulicos são responsáveis por movimentos que necessitam de muita força envolvida, e os equipamentos pneumáticos, apesar de terem forças compatíveis, necessitam ser muito maiores que os equipamentos hidráulicos para obterem a mesma força. De maneira inversa, os equipamentos hidráulicos normalmente são mais lentos que os equipamentos pneumáticos, pois o ar flui muito mais rapidamente do que o óleo“.

Fornecer muita força aos movimentos é a função dos equipamentos hidráulicos

A esses diferenciais, garante Folha, deve-se ao fato de, por muito tempo, a hidráulica ter sido marcada por “ possuir muito maior poder de controle de posicionamento, o que atualmente já não é uma exclusividade, pois os equipamentos pneumáticos atingiram uma evolução que permite controle de força, posicionamento e velocidade com precisão e repetibilidade”.

Focada em soluções para gerenciamento de energia através do fornecimento de componentes hidráulicos para mercados agrícola, construção, mineração, marítimos e offshore, caminhões e ônibus, além de soluções diversificadas para os setores industrial e de equipamento móveis em geral, a Eaton, como frisa Rodolfo Egon Perhs – engenheiro de aplicações avançadas hidráulica/software – os sistemas hidráulicos são “historicamente responsáveis pela execução de atividades dispendiosas do ponto de vista energético nos mais amplos segmentos da economia. Ainda que haja uma tendência natural da ampliação de outros sistemas de competente eficiência como os sistemas elétricos, a necessidade de trabalhos pesados não só persiste como amplia-se, apresentando uma proposta de convivência entre as diferentes naturezas de soluções de maneira complementar para a indústria e não unicamente exclusivas e mutuamente eliminatórias”.

Já a aplicação pneumática é caracterizada pelo uso de infraestrutura compartilhada de rede de ar comprimido industrial. É empregada para atender demandas de altas velocidade e repetibilidade; fáceis instalação e manutenção. A aplicação hidráulica, por sua vez, é caracterizada por unidades locais de pressurização, no atendimento de demandas em que é necessário elevado nível de esforço mecânico, mas com velocidade moderada de acionamento, detalha Cauduro.

Atender demandas de altas velocidade e repetibilidade: meta dos equipamentos pneumáticos

A evolução segue tendências já presentes. No caso dos sistemas hidráulicos, Perhs define três pilares: suporte à conectividade, permitindo emprego das técnicas típicas da era da indústria 4.0; incorporação de recursos eletrônicos, como sensores e controladores, objetivando maior precisão sustentada com o auxílio de algoritmos; e compactação dos envelopes dos diferentes componentes hidráulicos, possibilitando vantagens para o manuseio e consumo de energia, sem prejudicar a execução das tarefas idealizadas.

No entanto, independentemente de hidráulicos ou pneumáticos, a tendência, como apontada pela gerente de Novos Negócios da Dynar, compreende “melhor eficiência com baixo consumo de energia, agregando mais segurança de aplicação. A agregação da eletrônica e da eletrônica computadorizada potencializou o avanço destes componentes, trazendo operações mais precisas e de baixo consumo energético”.

A especialização do design dos equipamentos é outro indicador de tendência considerado pelo gerente de Portfólio de Produtos da Festo, pois, “bem aplicada desde a concepção do projeto é o principal fator de mudança para máquinas mais eficientes e profissionais. Isso passa pela forma de projetar, pela correta identificação de componentes (os mais adequados), ao correto dimensionamento (sem superdimensionamento) e ao monitoramento constante que permite que imprevistos aconteçam e que metas de produtividade e eficiência possam ser discutidas de maneira clara e simples pelos profissionais envolvidos”.

Evolução e sensoriamento

A evolução vai além, pois nesses componentes e equipamentos cresce a presença de sensoriamento e conectividade, favorecendo que informações importantes durante seu uso possam ser facilmente acessadas, de qualquer local físico e a qualquer momento, ou seja: produtos inteligentes com possibilidade de diagnóstico e prognóstico integrados; comunicação em redes edge, 3G ou 4G, além de gateways para comunicações em nuvem.

Como ressalta Garcia, o primeiro desafio das indústrias do segmento reunido na CSHPA é a economia sustentável, uma vez que “o custo, financeiro ou ambiental é extremamente alto. As empresas deste setor estão cada vez mais buscando soluções econômicas, preocupando-se em desenvolver projetos otimizados, orientando seus clientes e usuários na utilização sustentável dos recursos”. Concordante com essa informação, Karla Alo complementa: “O maior gargalo enfrentado por nosso setor é a falta investimentos. Acredito que quem continuou investindo em inovação, sairá na frente”.
A pneumática digitalizada atesta este avanço, com o recente lançamento de equipamentos “como as válvulas inteligentes, que podem substituir 50 outros produtos por apenas um. Essas válvulas são programadas e reprogramadas a qualquer momento e operam de diferentes formas eliminando a necessidade de outros equipamentos nas máquinas”, informa Folha, destacando que “essa tecnologia baseada em válvulas piezoelétricas e parametrizadas através de aplicativos é um grande avanço para fabricantes e usuários finais. Os fabricantes passam a ter a flexibilidade necessária em sua máquina sem ter de se preocupar em comprar o equipamento correto na primeira vez e os aplicativos são baixados diretamente da internet. Já os usuários finais não precisam ter diversos modelos diferentes de produtos em seus almoxarifados o que diminui o capital empregado em equipamentos parados”.

Soluções econômicas e projetos otimizados são usuais e visam à utilização sustentável dos recursos

Analisando as aplicações hidráulica e pneumática, o diretor da Metal Work indica como tendências “as ilhas de válvulas de acionamento pneumático inteligentes, com comunicação com unidades mestres, via redes de campo; incorporação de unidades de sensoriamento de posição; avaliação do nível de pressão de linha e medição de fluxo, visando a racionalizar o consumo de energia. Na construção de sistemas de manipulação em linhas na alimentação e descarga, e montagens para máquinas, através de sistemas modulares com interface padronizadas, permitindo a construção de manipuladores acoplando diretamente os atuadores lineares, rotativos, pneumáticos, elétricos, guias lineares e pinças diretamente às estruturas de máquinas sem a necessidade de construções mecânicas. Modulares, do tipo plug and play, atendem os requisitos da indústria 4.0 para redução, com flexibilidade, de set ups mecânicos”.

Duas linhas de tendências são apontadas por Leonardo Brand, gerente de Vendas e Aplicações da Emerson: as transformações mecânicas dos produtos que permitem atender cada vez mais aplicações específicas e a criação de componentes com tecnologia eletrônica embarcada para atender a indústria 4.0.

No caso das transformações mecânicas, alguns exemplos do gerente de Vendas e Aplicações da Emerson compreendem válvulas direcionais com construção interna toda em inox para 200 milhões de ciclos (exigência em aplicações onde a manutenção é complicada ou processos agressivos), atuadores pneumáticos em inox 316 ou com pinturas específicas de proteção (para ambientes agressivos), atuadores com vedações de baixíssimo atrito (para aplicações de alta velocidade) etc. Quanto a sensores com tecnologia embarcada – que eram um opcional e tornaram-se uma necessidade – há opções para informar posicionamento linear do atuador com sinais de instrumentação configuráveis, sensores de fluxo com banco de dados e diversas opções de monitoramento local e remoto de grandezas como pressão, vazão, temperatura, energia, volume, entre outros indicadores.

A esses objetivos, Cauduro adiciona a aplicação no controle dos movimentos, elevado range de velocidades e forças, facilidade de instalação e de manutenção e longa vida útil; enquanto a gerente de Novos Negócios da Dynar acentua que, decorrente dos avanços tecnológico impressos diariamente, as indústrias de componentes atendem novas demandas, como a possibilidade de fabricar produtos com menos mão de obra e maior precisão, através do uso da robótica; a autoprogramação, a redução do desperdício, o aumento da produção, a redução de falhas nos equipamentos, com diminuição do volume de resíduos sólidos no processo de fabricação, entre outros.