Nesta edição e nas próximas duas, M&E traz matérias especiais sobre energia. A série é aberta por Hidrogênio Verde e será seguida de Biogás e Biodiesel e, finalizando, Eólica onshore e offshore.
A preocupação com a descarbonização de sistemas de produção e o consumo de energia em âmbito global vem conduzindo estudos que colocam o hidrogênio como principal vetor energético, classificando-o em cinza, azul e verde, de acordo com sua origem e modo de produção, assim como eventual acoplamento ou não de tecnologias de captura, utilização e sequestro de carbono (CCUS – Carbon Capture Utilisation and Storage).
No contexto atual, a diferenciação das rotas tecnológicas de produção de hidrogênio por pegada de carbono associada à sua produção tem implicações diferentes em termos de contribuições à mitigação das emissões de gases de efeito estufa e à prevenção das mudanças climáticas globais.
Apoiando a inserção do hidrogênio no Brasil como oportunidade de geração de riqueza para toda a cadeia produtiva e não somente no fornecimento de mais uma commodity – assim como projetos-piloto de demonstração no que diz respeito ao fornecimento de máquinas e equipamentos produzidos no Brasil – a ABIMAQ, em 6 de julho, promoveu a instalação do Conselho de Mercado de Hidrogênio, em evento on-line, empossando Marcelo Luiz Moreira Veneroso como coordenador do Conselho; Idarilho Gonçalves Nascimento Neto, como vice-coordenador; e Alberto Machado, como coordenador-executivo.
E no primeiro mês de atuação, já mostrou a que veio, comemora Veneroso, citando a participação do Conselho em reunião com o Ministério de Minas e Energia (MME) para definição das diretrizes do Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), atendendo, assim, a Resolução nº 6/2021 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que determinou ao MME, em cooperação com os Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações (MCTI) e Desenvolvimento Regional (MDR) e com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a elaboração de proposta de diretrizes para o PNH2.
Apresentado em 4 de agosto pelo MME ao CNPE, o plano prevê observar o desenvolvimento do mercado de hidrogênio no Brasil e a inserção internacional do País em bases competitivas; o hidrogênio como um dos temas prioritários para investimentos em PD&I; a importância do hidrogênio como vetor energético de baixo carbono; o interesse na cooperação internacional; a diversidade de fontes energéticas disponíveis no País para a produção de hidrogênio; a diversidade de aplicações do hidrogênio na economia; o potencial de demanda interna e para exportação de hidrogênio e a liderança do Brasil no tema “Transição Energética” no Diálogo de Alto Nível das Nações Unidas sobre Energia.
E mais: a proposta para o PNH2 define uma série de ações que facilite o desenvolvimento conjunto de três pilares interdependentes que precisam evoluir de forma síncrona para o sucesso do hidrogênio: políticas públicas, tecnologia e mercado.
Em sua participação pela ABIMAQ, Marcelo Veneroso destacou a importância do Plano e a necessidade da inclusão do Brasil em toda a cadeia de valor, envolvendo tecnologia, engenharia, fabricação de máquinas e equipamentos, como oportunidade para o desenvolvimento da economia nacional.
Alberto Machado reforçou que essa inclusão é fundamental para que, no mercado do hidrogênio, o Brasil não se torne apenas exportador de mais uma commodity de baixo valor agregado, mas atue como importante ator no fornecimento de tecnologia e de bens e serviços para os mercados nacional e internacional.
Balanço neutro depende das fontes de geração
Diversas são as rotas de geração e utilização de hidrogênio, e algumas delas consolidadas há muitos anos, como em refinarias, siderúrgicas e outros processos industriais. A novidade sobre o hidrogênio verde, como ressalta Daniel G. Lopes, CEO da Hytron e mentor da SAE Brasil (sigla em inglês para Sociedade dos Engenheiros Automotivos) sobre hidrogênio, é o uso do hidrogênio como insumo energético, gerando eletricidade, abastecendo veículos, produzindo combustíveis hidrogenados, como biodiesel e óleo vegetal hidrogenado (HVO), que pode ser derivado da soja, por exemplo.
“Usando o hidrogênio verde como combustível é possível mudar toda a frota. A previsão é que isso aconteça até 2030”, comenta Lopes, frisando que, durante o período de transição, a ideia “é fazer uso do mesmo combustível, mas a partir de fonte renovável com balanço de emissão de carbono neutro e não mais de combustível fóssil”.
Outra rota é a que produz hidrogênio, capturando o CO2 do ar via processo Fischer-Tropsch, transformando esse gás poluente em CO, criando o metano (CH4), diesel e combustível de aviação. “Esses combustíveis drop-in têm a vantagem de não exigirem ajuste nos motores”, explica o CEO da Hytron, ao comentar: “É um mundo novo que está motivando novas opções de fornecimento, que movimenta toda a cadeia industrial”.
É importante estar atento às fontes de produção do hidrogênio porque são elas que determinam se o balanço será neutro ou negativo. Nesse sentido, a preferência é pela eletrólise da água, processo químico que quebra a molécula em hidrogênio e oxigênio pela utilização da energia elétrica. Portanto, o hidrogênio será verde se essa energia gerada vier de fontes limpas e sustentáveis como a eólica, a hídrica e a solar fotovoltaica.
Outra possibilidade aceita pelos técnicos do setor envolvem a biodigestão, um processo biológico de obtenção do biometano derivado da cana ou dos rejeitos do agronegócio, a biomassa, que pode ser reformado, tal como ocorre com o gás natural, produzindo hidrogênio como coproduto.
Entre as formas de produção de hidrogênio, Marcelo Veneroso – presidente da Neuman & Esser, que assumiu como coordenador do Conselho de Mercado de Hidrogênio – sinaliza tanto a eletrólise da água como a reforma do etanol como opções com sustentabilidade equivalente, destacando um período de transição na substituição de combustíveis de grandes emissões que utilizará a tecnologia e uso do hidrogênio como fonte de redução das emissões via combustíveis sintéticos com resgate de carbono.
Idarilho Nascimento – diretor Institucional da Tenaris no Brasil e vice-coordenador do Conselho recentemente criado pela ABIMAQ – inclui outro elemento no debate: viabilidade econômica e tecnológica. De acordo com ele, no caso da eletrólise da água, “consumia-se mais energia para separar o hidrogênio do oxigênio do que se poderia gerar posteriormente. Estes gargalos tecnológicos têm sido superados a partir da necessidade de termos uma matriz energética mundial mais limpa e com menos emissões de carbono. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento no setor de hidrogênio também podem resultar em projetos mais atrativos do ponto de vista econômico, criando oportunidades para fabricantes de máquinas e equipamentos, geração de emprego e renda e, principalmente, um planeta cada vez mais limpo”.
Viabilidade econômica também é lembrada pelo presidente da Neuman & Esser, com um adendo significativo: “A questão do custo é muito importante, mas, o que realmente definirá o custo final do hidrogênio gerado será o custo da energia renovável pelo gerador do gás e depois sua logística para entregá-lo no ponto de consumo. Se todas estas condições estivessem bem equacionadas, o hidrogênio verde já teria custos bem competitivos nos dias de hoje”.
Produção local para mercado internacional
Devido ao potencial das fontes brasileiras de geração de hidrogênio com balanço neutro (hidrogênio verde), é voz corrente que o Brasil pode estar entre os principais atores no mercado global, fornecendo localmente com a indústria instalada neste país e exportando o produto final para países como a Alemanha, que até 2050 almeja não mais depender do petróleo nem do gás natural e só tem condições de produzir 11% de toda sua necessidade.
Neste contexto, o reconhecimento do Brasil como detentor de uma matriz energética bastante limpa, com 85% do total originados em fontes renováveis hídrica, solar fotovoltaica, eólica e biomassa, deve contribuir no processo de liderança global de produção de energia via hidrogênio verde.
“O setor de bens de capital é estratégico para manter e distribuir a geração de riqueza que virá desse setor para a sociedade como um todo. Não podemos simplesmente nos contentarmos de vender internamente ou exportar somente a molécula sem que a nossa cadeia produtiva esteja envolvida no processo. Somente dessa forma faremos que tal riqueza deixe um legado para a sociedade”, reforça Veneroso.
O setor de máquinas e equipamentos, por outro lado, beneficiar-se-á “utilizando o hidrogênio em suas indústrias ou também fornecendo componentes e máquinas para os sistemas e plantas de geração do energético, tais como bombas, compressores, válvulas, instrumentações, painéis elétricos e de controle, cabos, tubos, skids, cabeamentos etc.”, indica Veneroso.
Complementando seu posicionamento, o coordenador do Conselho define a possibilidade de o hidrogênio verde posicionar-se como uma das fortes opções de sustentabilidade para o setor de energia como “oportunidade ímpar, que está criando um mercado enorme e totalmente novo”. As indústrias – sinaliza – poderão aproveitar essa onda introduzindo o hidrogênio verde em seus processos fabris, quer seja na geração de energia, redução de emissões, mobilidade etc., ou para suprir as soluções de sua linha de fabricação para o mercado que utilizará os sistemas de hidrogênio”.
O desenvolvimento do mercado de hidrogênio – alega Idarilho Nascimento – demanda altos investimentos e deve ocorrer “de forma diferenciada em cada região do mundo. De modo mais rápido em países que têm maior necessidade de fontes renováveis e com menos emissões de carbono, como vários países da Europa, e no Brasil, com um prazo mais longo, mas com estudos e investimentos pontuais a médio prazo”.
Ações necessárias
Essa temática, presente na pauta nacional há cerca de 20 anos, permitiu a criação de uma estratégia brasileira de PD&I de hidrogênio com foco no desenvolvimento de várias rotas tecnológicas – renováveis (etanol, hidro, eólica e solar) e a gás natural –, que apresenta resultados na gestação e na efetivação de políticas públicas, arranjos comerciais etc.
Foi para contribuir com a viabilização dessas metas que a ABIMAQ criou o Conselho de Mercado de Hidrogênio, lembra Alberto Machado, elencando entre as necessidades “ações coordenadas para que as oportunidades sejam absorvidas pelo mercado local. O Brasil tem tecnologia e parque industrial instalado, o que falta é conhecimento, divulgação e desmitificação do uso do hidrogênio. Necessitamos mostrar o espaço que se abre para essa nova aplicação”.
“Para a produção dos equipamentos localmente são precisos incentivos para ter maior valor agregado, pois capacidade de produção o Brasil tem. Empresas também há, como a própria Hytron, que há 18 anos fabrica equipamentos para produção do hidrogênio com tecnologia nacional, com ofertas para exportar 80% de sua produção, e integra o Grupo NEA”, informa Lopes.
Para o diretor Institucional da Tenaris no Brasil, “entender a performance de nossos produtos atuais versus as principais normas disponíveis e entender o nível de conservadorismo que existe é fundamental. Sendo assim precisamos trabalhar em diversas frentes para acelerar os processos de adequação tecnológica, como iniciativas de P&D e trabalho normativo, por exemplo”.
Veneroso deixa um alerta: “Precisamos estar atentos à demanda que será crescente, e as indústrias precisarão se adaptar para conseguirem atender a demanda futura tanto em termos de capacidade fabril como de capacidade de mão de obra específica para esse mercado. As tecnologias de geração e manuseio do hidrogênio são bem dominadas, no entanto, muitas inovações e possibilidades estão aparecendo todo dia para melhorar a segurança e a eficiência dos sistemas. A questão dos grandes tamanhos das novas plantas é desafiadora, pois os projetos, até então, envolviam modelos de tamanho reduzido para testes. O Brasil precisa aproveitar essa onda, estar à frente dos estudos e pesquisas para liderar novas tecnologias e tendências”.