Poucas certezas e muita expectativa dominam o cenário do agronegócio em relação às condições e volume de recursos disponibilizados para o Plano Agrícola e Pecuário 2017/2018
O ano-safra 2016/2017 está finalizando e, com ele, esgotam-se parte dos recursos correspondentes para financiamento do agronegócio, entre os quais os vinculados ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Aproxima-se rapidamente o final do ano-safra vigente (iniciado em 1 de julho de 2016 e que será encerrado no próximo dia 30 de junho de 2017) e pouco, ou quase nada, sabe-se à respeito das condições e montantes de recursos governamentais que estarão disponíveis para o período seguinte. E nem poderia ser diferente, considerando-se o momento político/econômico que a nação atravessa.
Em meio a uma crise fiscal sem precedente na história do Brasil, o governo federal viu-se obrigado a colocar em prática programas considerados impopulares para aumentar a arrecadação e reduzir os impactos dos cortes – programados, ou emergenciais – que serão feitos no orçamento da União à medida que forem sendo necessários. Alternativas sufocantes fazem parte da orquestração que os estrategistas ligados aos ministérios da Fazenda, do Planejamento e Banco Central vêm colocando em prática com esse objetivo. Tudo rigidamente conduzido pelo ‘maestro’ da pasta da Fazenda, ministro Henrique Meirelles, cujos olhos, ouvidos e movimentos encontram-se espartanamente focados na partitura que limita o déficit primário em R$ 139 bilhões para as contas do governo central no presente exercício (equivalente a 2,1% do PIB projetado para 2017).
Tanto é verdade que, impelido por ajustes nos planos originais, Meirelles convocou a imprensa especializada para comunicar valores e novas projeções para o rombo no déficit público deste ano e vindouros. O encontro foi realizado no último dia 7 de abril no Palácio do Planalto, em Brasília, e serviu para o governo federal comunicar que estava reafirmada a meta projetada para este ano e indicar as projeções para os exercícios posteriores – déficits de R$ 129 bilhões (1,8% do PIB) para 2018 e de R$ 65 bilhões, para 2019, e superávit primário de R$ 10 bilhões, em 2020. Projeções essas suportadas, segundo o regente Meirelles, “pela expectativa de crescimentos positivos de 0,5% para o PIB em 2017, de 2,5% em 2018 e 2019 e 2,6% em 2020”.
Nada a declarar
No caso particular do Agronegócio, que inclui o virtuoso Plano Agrícola e Pecuário 2017/2018, o governo federal ainda não se manifestou em extensão e profundidade necessárias. Na melhor das hipóteses vem retardando qualquer definição que envolva recursos para tentar executar a sinfonia das cifras oficiais em perfeita sintonia com a partitura mencionada na entrevista coletiva no Palácio do Planalto. Sobre o programa Moderfrota 2017/2018, importante linha de financiamento vinculada ao BNDES destinada à compra de máquinas agrícolas e cujo nome oficial é Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras, nenhuma palavra ‘oficial’ foi dita até agora. Nem palavra, tampouco qualquer raciocínio que possa ser interpretado como ‘descuido’ por parte das autoridades econômicas e, nessa condição, seja capaz de alimentar ilações sobre o assunto, em que pese o fato de o ano-safra 2016/2017 já estar pelos últimos estertores.
Envolvendo a safra atual (correspondente ao ano agrícola 2016/2017) e tendo por base apenas o programa Moderfrota, a informação mais atualizada e pertinente que se dispõe diz respeito apenas aos volumes de recursos ainda disponíveis. Técnicos do banco de fomento, através de assessores de imprensa do BNDES, informaram no último dia 11 de abril à redação da Revista Máquinas & Equipamentos, da ABIMAQ, que “a disponibilidade de recursos estava praticamente esgotada”. Como se sabe, esse programa de financiamento é dividido em duas faixas: clientes com faturamento anual de até R$ 90 milhões tomam empréstimos com juros anuais de 8,5%; clientes com faturamento anual acima de R$ 90 milhões tomam recursos com juros anuais de 10,5%. De acordo com os mesmos especialistas, “na faixa relativa ao juro anual de 10,5%, a disponibilidade de contratação está totalmente esgotada, enquanto na faixa relativa ao juro anual de 8,5% havia, até a data mencionada, R$ 583 milhões disponíveis”.
Aprofundando um pouco: o Moderfrota fecha o ano-safra 2016/2017 totalizando R$ 6,74 bilhões em recursos disponibilizados (contra R$ 4,9 bilhões para o ano-safra 2015/2016). Na faixa de juros de 10,5% ao ano, o orçamento chegou a R$ 640 milhões, sendo que todo esse montante havia sido contratado até a data mencionada (na verdade, o banco de fomento informa que todo esse volume de recurso estava, agora, vinculado à rubrica ‘Valores Comprometidos’, que comporta operações contratadas e outras ainda em fase de análise, ou seja, não liberadas aos interessados). Na faixa de juros de 8,5% ao ano, o orçamento alcançou finalmente – e depois de vários aditivos – a cifra de R$ 6,1 bilhões, dos quais R$ 5,52 bilhões estavam agregados (na data mencionada) à rubrica ‘Valores Comprometidos’, além dos R$ 585 milhões que correspondem ao estoque de recursos disponíveis. Nunca é tarde para lembrar: o programa de financiamento Moderfrota está sempre vinculado ao ano-safra vigente. Como o ano-safra, o período de financiamento cobre o exercício iniciado sempre em 1 de julho de um ano e encerrado a 31 de junho do ano seguinte, as operações financeiras relativas ao Moderfrota de um ano agrícola só podem ser contratada na vigência desse mesmo período.
De micro a macro empresas
A plataforma de financiamentos vinculada à rede pública é bastante ampla e inclui várias alternativas acessadas pelos tomadores de recursos. Dela participam os três principais agentes financeiros ligados ao Estado – BNDES, com especial participação dentro dessa plataforma, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. No caso específico do BNDES, as linhas de crédito ofertadas alcançam várias etapas de um mesmo projeto e estendem-se por praticamente todos os setores da economia nacional. Só no ano passado – ano fiscal de 2016 – o banco de fomento contabilizou empréstimos totais (incluindo todas as modalidades destinadas para todos os ramos e atividades amparadas pela instituição) de R$ 88 bilhões, resultado que representa retração nominal de 35% frente ao montante disponibilizado em 2015 (de R$ 136 bilhões).
Apenas como esclarecimento, vale destacar que do volume (R$ 88 bilhões) de recursos ofertado pelo banco de fomento ao longo do ano fiscal (ou seja, período de janeiro a dezembro de 2016), os programas agrícolas responderam por R$ 15,7 bilhões com alta de 16,9% frente ao ano fiscal de 2015. Esse montante difere do projetado (e até agora realizado) pelo BNDES para o ano agrícola 2016/2017 (período de 1º de julho de um ano a 31 de junho do ano seguinte). Para o ano agrícola 2016/2017 o BNDES destinou pouco mais de R$ 17 bilhões, o que representa crescimento de 20% em relação ao ano agrícola anterior. Desse total, R$ 4,7 bilhões estão sendo aplicados na aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas; R$ 2 bilhões em capital de giro das cooperativas agropecuárias; e R$ 10,7 bilhões alocados em projetos de investimento para a agropecuária empresarial e familiar.
Entre outras informações mais amplas já conhecidas (porém, sempre alteradas) está o valor oficial programado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para o Plano Agrícola e Pecuária – PAP 2016/2017. Ao todo são R$ 185 bilhões colocados à disposição dos interessados para financiamentos de custeio, comercialização e investimento no ano-safra 2016/2017 através dos três principais fomentadores financeiros ligados ao governo central – BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Em maio do ano passado, quando foi anunciado oficialmente, o total de recursos do PAP chegava a R$ 202,8 bilhões. O encolhimento deve-se ao esforço do novo governo federal em relação ao programa desenhado pelo Ministério da Fazenda para reconduzir as finanças do Estado brasileiro a patamares menos vulnerárias a partir de alternativas não palatáveis para segmentos da sociedade.
Volume menor
A respeitável cifra foi apresentada ao setor do agronegócio pelo próprio ministro Blairo Maggi, do MAPA, que procurou explicar as razões do esvaziamento do volume. Segundo ele, “a redução reflete o redimensionamento da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), que terá em torno de R$ 10 bilhões à taxa controlada de 12,75% ao ano”. As operações de custeio e comercialização, com juros controlados, contarão com R$ 115,6 bilhões (os juros foram ajustados sem comprometer a capacidade de pagamento do produtor, com taxas que variam de 9,5% a 12,75% ao ano; já os juros para agricultores enquadrados no Pronamp – Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural são de 8,5%). Para os programas de investimento, o governo federal destinou R$ 34,045 bilhões.
O mesmo ministro Blairo Magg, que responde perante o setor agrícola/pecuário do País como representante do governo atual esforça-se para defender as razões pelas quais a equipe econômica toma determinadas decisões, ouve os pleitos e lamentações de agricultores e pecuaristas com ouvidos de quem conhece bem as dificuldades do mundo rural (Blairo Maggi é empresário afastado do setor). O ‘cabo de força’ mais desgastante em que está envolvido corresponde às definições sobre montante de recursos e taxas de juros relativos ao Plano Agrícola e Pecuário, ano-safra 2017/2018, dentro do qual o Moderfrota está alojado via BNDES. Em recente encontro com representantes da categoria, Maggi apresentou ideias e argumentos sobre o tema e ouviu contrapropostas não tão bem alinhadas quanto desejava.
Blairo Maggi admitiu, na oportunidade, que enfrenta dificuldades para ampliar recursos e reduzir juros do PAP 2017/2018. “Estou trabalhando para conseguir mais recursos e, também, juros menores, mas, tudo está bem difícil e ainda não tenho resposta alguma da equipe econômica do governo sobre esses assuntos”, resigna-se o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Em outras palavras: não há informação alguma sobre a robustez do próximo Plano Agrícola e Pecuário, ano-safra 2017/2018. Cifras e, quem sabe, novos parâmetros de juros poderão ser anunciados ao longo da Agrishow 2017, que ocorre nos dias 1 a 5 de maio próximo em Ribeirão Preto (SP). Ao menos empresários ligados ao agronegócio torcem para que isso aconteça, como forma de desengavetar projetos, redimensionar investimentos, com a antecedência necessária para atravessar o próximo ano-safra.
Insistentes debates
Por onde ande, o ministro da Agricultura posiciona-se em relação aos dois assuntos, tomando sempre o cuidado de não definir valores, ou percentuais, que possam acabar “virando teto para essas mesmas discussões” em futuro próximo. Considerando basicamente o atual cenário econômico, com o índice da inflação declinando, assim como a taxa de juros (Selic), Blairo Maggi reconhece a pertinência para aplicação de taxas menores de juros para o PAP 2017/2018. Segundo ele, “no ciclo passado os juros do mercado eram de 14% ao ano e os agricultores pagaram taxas de 8,5% a 9% ao ano”. Com a inflação em queda e a taxa de juros da Selic recuando para um dígito “é natural que os juros para a atividade rural também caiam”, raciocina o ministro da Agricultura.
Na prática, o MAPA vem sofrendo pressões de ambos os lados – seja do governo federal, através de equipes econômicas, seja por parte dos produtores rurais e suas entidades representativas. Do lado governamental, o MAPA vem digerindo a nova proposta de uma Taxa de Longo Prazo (TLP) que substituirá, a partir de 1º de janeiro de 2018, a sistemática atual, baseada na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) para os contratos do BNDES. Segundo seus criadores, a TLP insere-se em um conjunto de ajustes e reformas que vêm sendo feitos pelo governo para indexar os juros do crédito rural à taxa básica de juros (Selic). A TLP será definida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais a taxa de juro real da NTN-B (Notas do Tesouro Nacional) de cinco anos. A convergência da TLP para a taxa de juro real da NTN-B será gradativa, acontecendo em cinco anos.
O Ministério da Agricultura vem se pronunciando a respeito e informa que prefere insistir no modelo atual, no qual as taxas de juros são definidas antes do início das temporadas – entre julho de um ano e junho do ano seguinte -, como já se habituou a fazer há mais de uma década. Mais ainda. Para 2017/2018 o MAPA pleiteia juros de, no máximo, 7,5% ao ano para as operações de custeio agropecuário, ante os 9,5% em vigor neste ciclo 2016/17. E, nas linhas de investimento, juros de 6,5% ao ano. “O setor tem os pés fincados nas cotações de mercado internacional e não é atrelado à Selic”, afirmou recentemente o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller. Para alguns economistas e analistas de mercado, vincular o crédito agrícola à Selic faz sentido somente num cenário de juros baixos.
Contraofensiva à TLP
A contraofensiva clara à posição do ministro e, por tabela, às definições estratégicas da equipe econômica do governo federal, vem da parte de instituições representativas de classe. Entidades como a ABIMAQ, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), a Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (FAESP), a Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG), ou, ainda, a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), entre outras, que defendem alternativas incentivadoras à ampliação do volume de crédito, à redução das taxas de juros para o agronegócio nacional gerador, por consequência, no aumento da produção e da produtividade do agronegócio brasileiro.
Em sua mais recente manifestação, a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) apresentou o que define como “prioridades para o Plano Agrícola e Pecuário 2017/2018” a uma seleta plateia composta pelos deputados federais que compõem a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). O conteúdo dessa manifestação não difere em nada das posições assumidas pelas outras entidades, entre as quais a ABIMAQ.
Aliás, todas as entidades acima mencionadas esperam que o governo federal anuncie oficialmente, na próxima Agrishow 2017, em Ribeirão Preto, a liberação de mais R$ 1,5 bilhão para o Moderfrota, deste ano-safra, num total de R$ 6,74 bilhões. Pleiteiam que o próximo Moderfrota, ano-safra 2017/208, receba aporte total de R$ 9 bilhões. Em reunião realizada no final de março para apresentar a feira Agrishow 2017 a um grupo de jornalistas e convidados, João Carlos Marchesan, presidente da ABIMAQ, e Francisco Matturro, vice-presidente da ABAG, criticaram duramente a proposta desenhada pelo governo federal de atrelar os juros de financiamentos à taxa básica de juros (Selic). “Queremos um plano-safra compatível, principalmente na questão do custeio. O juro pré-fixado foi uma grande conquista e nenhum setor da economia pode suportar taxas pós-fixadas, que significam, em última análise, um desastre anunciado, pois não há estabilidade política para essa mudança”, comentou Francisco Matturro.