No Brasil, a tecnologia contribui para cinco safras em dois anos. Mesmo assim, há muito a crescer e dificuldades a vencer, inclusive de infraestrutura
O setor de irrigação pode ser entendido como um catalisador para a produtividade e para a prosperidade do produtor rural, bem como um dos setores mais estratégicos para a produção de alimento, seja para consumo interno ou para exportação, define Renato Silva, presidente da Câmara Setorial de Equipamentos de Irrigação (CSEI) da ABIMAQ.
Inúmeros são os benefícios proporcionados pela irrigação – independentemente da tecnologia aplicada –, com ênfase para a produtividade superior das lavouras sem aumento da área cultivada, independentemente do porte (pequeno, médio ou grande portes), e o uso racional de recursos hídricos.
Dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estimam um total de 1,533 bilhão de hectares cultivados com produtos permanentes ou temporários, dos quais cerca de 278 milhões de hectares irrigados, correspondendo a 18% da área e respondendo por mais de 40% dos alimentos produzidos.
Cada produtor que se torna irrigante amplifica sua contribuição para com a produção de alimentos em nível nacional, com benefícios econômicos e sociais para todos, em larga escala.
Sozinha, a irrigação não resolve tudo, pois a produtividade depende de condições climáticas e de diversas outras variáveis, como manejo, solo da lavoura, tempo em que a lavoura ficou em estresse hídrico etc. – informa Silva –, pois “a falta de água afeta o desenvolvimento das culturas, gerando perdas de produtividade mais ou menos significativas. A irrigação garante fornecimento adequado de água, essencial para o bom desenvolvimento das lavouras, o que resulta diretamente em aumentos de produtividade”.
Conquistas brasileiras
A experiência brasileira mostra que, em uma área irrigada, o produtor poder fazer até cinco safras no período de dois anos. Sem a aplicação da tecnologia, a produtividade é reduzida para 1 safra normal e a 1 safra com maior risco climático, no máximo. Demonstra, ainda, pelo uso da tecnologia, a transformação de pastagens degradadas em áreas cultiváveis, alternativa viável e estrategicamente recomendável para o desenvolvimento da agricultura nacional.
Eduardo Navarro, diretor-geral da Lindsay Brasil – empresa que atua com as marcas Zimmatice, FieldNET e o conceito Smart Pivot –, explica que isso é possibilitado pela autonomia que proporciona, uma vez que “o produtor deixa de depender do início das chuvas para plantio; pode antecipar a primeira safra, promovendo a colheita antes do período tradicional e garantindo maior preço do produto. A segunda safra do ano em áreas irrigadas é uma safra regular, sem o risco de perda de produtividade por falta de chuva. Com a antecipação do período de plantio existe espaço para a terceira safra exclusivamente”.
À possibilidade de obter ganhos de produção e produtividade, desenvolvendo a atividade agrícola ao longo de todo o ano, maximizando o retorno econômico do investimento, o produtor irrigante – de acordo com Antonio Alfredo Teixeira Mendes, gerente-geral da NaanDanJain Brasil & Suporte América do Sul – beneficia-se do uso de todas as tecnologias existentes para gerenciamento remoto e manejo da irrigação e, “naturalmente desenvolve seu negócio de forma muito expressiva e sustentável, constituindo-se verdadeiramente uma nova classe de empreendedor rural”.
Cristiano Del Nero – CEO da Bauer do Brasil Irrigação – vai além da agricultura ao afirmar: “Nosso país é um dos maiores exportadores de carne bovina do mundo, e hoje o termo boi irrigado (gado de corte em pasto irrigado) está se tornando cada vez mais comum no dia a dia”.
Mercado latente
O momento vivenciado pela agricultura irrigada é de expansão, revela o presidente da CSEI. Informações da FAO apontam aumento de 138 milhões de hectares em todo o mundo, entre 1960 e 2000 – no mesmo período, o sequeiro cresceu apenas 36 milhões. Essa expansão não acontece de forma uniforme em todo o mundo.
No Brasil, as áreas irrigadas ainda estão aquém da média mundial e posicionam o País em sexto lugar no ranking, atrás da China, EUA, Índia, Paquistão e Irã. O Atlas Irrigação, publicado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), lançado em fevereiro de 2021, revelou que o Brasil alcançou os 8,2 milhões de hectares irrigados e coloca como meta, até 2040, agregar 4,2 milhões de hectares, reforçando o papel do Brasil enquanto fornecedor mundial de alimentos.
O lado positivo é que os equipamentos estão cada vez mais acessíveis e eficientes, “o que ajuda a democratizar o acesso à irrigação”, garante o presidente da CSEI, reconhecendo que “muitos produtores – particularmente os de pequeno porte – têm bastantes dificuldade para obter acesso a tecnologias mais avançadas, por questões de burocracia e pela inviabilidade financeira dos investimentos na irrigação”.
Burocracia e deficiência estrutural
Entre os pontos que dificultam o desenvolvimento da irrigação no Brasil, o diretor-geral da Lindsay Brasil soma à ampliação dos financiamentos e programas de incentivo à irrigação; o equacionamento da infraestrutura para suportar os sistemas, como energia elétrica, outorga para a captação de água, crédito e conectividade no campo, obtenção do necessário licenciamento ambiental para atuar como produtor irrigante e a impossibilidade de criação de barragens para irrigação.
A falta de infraestrutura em energia tem sido minorada pelo uso de fontes renováveis de energia limpa – energia solar, entre outras – potencializando o impacto positivo da irrigação. Como informado pelos entrevistados, é usual os próprios fabricantes de soluções de irrigação resolverem os problemas de infraestrutura.
Nesse sentido, Navarro destaca a utilização de sistema fotovoltaico como alternativa explorada “pelos produtores para ajudar a equacionar o problema do consumo de energia elétrica, reduzindo o custo de irrigação com a produção própria de energia, além de disponibilizar maior oferta para as companhias de distribuição”.
A Valmont Industries – detentora das marcas Valley e Irriger – desenvolve, com a Valmont Solar Solutions, solução solar completa e automatizada que, como opcional, é fornecida junto com o sistema de irrigação, informa Diego Funghetti Pezzini, gerente de Engenharia e Serviços da empresa.
Juan Latorre, gerente Comercial de Irrigação Nacional e Exportação da Fockink – que no setor de irrigação atua com o sistema Supremo de alinhamento contínuo e desenvolveu o Ecopump, que faz controle de rotação nos motores dos bombeamentos – fala sobre o desenvolvimento, pela empresa, de “projetos de engenharia para atender a escassez energética, como por exemplo, geração de energia solar ou biomassa”.
Este tipo de projeto – detalha Latorre – “traz elevado nível de customização para atender as necessidades do cliente e as regulamentações legais”, e declara: “O grande desafio do agricultor moderno é utilizar as tecnologias de comunicação disponíveis e converter as informações obtidas em ações que tragam maior eficiência na atividade”.
Para minimizar esse gargalo, a Valmont criou o Fazenda Conecta. “Com ele, nossas soluções passam a entregar conectividade total entre equipamentos e ferramentas adjacentes, além da fazenda e demais profissionais envolvidos. Com o advento do avanço da conectividade, o agricultor possui de forma instantânea acesso e controle a seus equipamentos, proporcionando a tomada de decisão de forma mais rápida e controle apurado da irrigação em execução”, descreve Pezzini.
A Fockink, por sua vez, desenvolveu o portal Konecta, que permite receber informações das diversas máquinas e equipamentos utilizados na propriedade, independentemente de sua marca. Latorre cita como objetivo do portal “concentrar as informações em uma única plataforma, que facilitará a gestão das informações e apoiará nas tomadas de decisão”.
Os entrevistados alegam, ainda, aspectos culturais relacionados à visão da sociedade urbana sobre o agricultor. O gerente-geral da NaanDanJain Brasil adiciona o desconhecimento sobre a agricultura irrigada “constituir-se atividade ambientalmente sustentável pelo fato de prescindir da abertura de novas fronteiras agrícolas para o seu desenvolvimento”.
Entre os caminhos possíveis para equacionamento desses pontos, Mendes lembra ações da “indústria, através da CSEI da ABIMAQ, que tem trabalhado junto ao Ministério do Desenvolvimento Regional e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para tentar viabilizar políticas adequadas para o setor”.