Se existe uma atividade capaz de ser fazer presente em todas as atividades econômicas, ela é representada pelas indústrias de máquinas, equipamentos e instrumentos de controle de qualidade, ensaio e medição, pois participam diretamente na qualificação, na certificação, na medição e no controle de praticamente todos os produtos fabricados no Brasil.
Além disso, para que os processos de medições e controle sejam cada vez mais avançados e mais precisos, essas indústrias participam e acompanham a evolução tecnológica de produtos e serviços, porque tudo o que se produz há de ser medido, ensaiado ou testado, controlada sua qualidade.
No entanto, “nossa participação técnica nas indústrias é muito maior que nossa parcela em valores do mercado”, constata Eduardo Fernandes – administrador da Flutrol e presidente da Câmara Setorial para Máquinas, Equipamentos e Instrumentos de Controle de Qualidade, Ensaio e Medição (CSQI), da Abimaq.
Integrando cada vez mais os sistemas de medição e controle com a cadeia de informações geradas por essa indústria, a parte dos testes e ensaios é um ponto importantíssimo nos processos produtivos, cada vez mais executados por máquinas e equipamentos, processos automatizados que demandam cada vez mais eletrônica nos controles e medições. “Há muita necessidade de desenvolvimento do setor nessa área e é um movimento que vai ao encontro da Indústria 4.0”, frisa Fernandes.
Um exemplo é a balança que – independentemente do porte, se de precisão ou para grandes volumes – é um item de segurança capaz de garantir a integridade da pesagem, composta por vários elementos e sistemas integrados. A eles, a Toledo do Brasil, por exemplo, agrega QR codes nos componentes, “facilitando o trabalho do técnico na manutenção, pois tudo está no celular, e contribuindo na prevenção de fraudes na garantia. Estamos desenvolvendo um software para ler o QR codes, para ter controle da vida útil dos produtos”, informa Wagner Perini, gerente da Engenharia de Desenvolvimento da empresa.
Esse novo software – ainda sem nome – complementa, por assim dizer, outros dois desenvolvidos da Toledo: um associado à pesagem e que, além de se integrar ao ERP dos clientes, garante segurança ao processo de fabricação, contribuindo para evitar fraudes, perdas e desperdícios, pois controle de qualidade envolve também controle de processo. Já o outro é uma solução em nuvem, usada para gerenciar e monitorar as pesagens de veículos de forma mais eficiente e precisa para o agrobusiness.
A demanda por metrologia acompanha o desenvolvimento industrial, garantem os entrevistados. Por isso, como explica Sérgio Eduardo Cristofoletti – gerente de Produto, Venda e Pós-venda de Metrologia da Starrett – “à medida que vai aumentando o desenvolvimento industrial, novos equipamentos vão surgindo para atender essas novas demandas. No entanto, a indústria só vai buscar a metrologia por conta da exigência dos clientes ou porque não consegue realizar o controle sem equipamentos”.
Instrumentos digitais transferindo os resultados da medição diretamente a uma planilha eletrônica que dará origem ao controle estatístico do processo é a tendência apontada por Cristofoletti, para quem, com relação a tecnologias, “as que mais se destacam envolvem a comunicação com todos os sistemas de produção. Por exemplo, a máquina faz medição, identifica o resultado e manda o comando para um braço robótico, que pega a peça e finaliza a medição, colocando o produto na esteira de aprovado ou de reprovado. Toda essa interface com as máquinas inferindo nos resultados cria a automação total do processo de qualidade, que é um dos pilares da indústria 4.0”.
Indústria 4.0: uma realidade
Devido aos elevados níveis de precisão exigidos em medição, ensaios e controle de qualidade, os preceitos da indústria 4.0 estão presentes em praticamente todas os equipamentos e instrumentos de controle e medição, e atingem as indústrias clientes das empresas reunidas na CSQI via necessidade de automação dos processos, seja de óleo e gás, naval, automobilístico, sistemista, petroquímico, químico, construção civil, papel e celulose, ou infraestrutura, alimentício, bebidas, farmacêutico, agronegócio e gases, este último, bastante atraente até devido às novas matrizes de energia verde, como hidrogênio.
Administrador da Ashcroft Willy no Brasil e diretor Comercial para a América do Sul, o engenheiro Mario S. Filippetti relaciona as causas para isso: “O mundo está se tornando cada dia mais digital, a indústria 4.0 chegou para ficar e, com estas tendências, são incorporados mais e mais sensores, computadores de processo e elementos finais de controle que fazem diretamente ou facilitam os diagnósticos de qualidade e automatizam os ensaios e medições de maneira a aumentar a velocidade de produção, aprimorar a qualidade e baratear o custo dos produtos de nossos clientes finais. O futuro está sendo construído dia a dia, e nosso setor tem sobre si a responsabilidade de garantir a qualidade desse futuro”.
Linha de raciocínio semelhante é expressa por Ricardo Salgado Moura – diretor-geral e Head para a América Latina, da Wika, empresa global de origem alemã, fundada há 75 anos e presente no Brasil desde 1981. “Observamos a tendência crescente de automação de processos e da transformação digital das empresas, combinadas com estratégias de gestão enxuta (Lean Manufacturing), como sendo fundamentais para a evolução do setor”, agrega.
A automação do setor de controle de qualidade, ensaios e medição é realidade gerada pela necessidade de as empresas se atentarem às mudanças de comportamento e à evolução de tecnologia, para não ficarem para trás. “E é essa a função de nossa câmara, manter nossos associados inteirados e trocar informações entre o setores, promovendo o crescimento de todos, pois apesar das adversidades e dificuldades do mercado, o Brasil é um país onde têm muita coisa para ser feita e construída, é um país de oportunidades, e há muito a se desenvolver”, alerta o presidente da CSQI.
O contexto também conduziu a indústria de sensores de pressão e temperatura a registrar significativa evolução nas últimas décadas, “incorporando tecnologias desenvolvidas inclusive para exploração espacial, como é o caso dos sensores de pressão capacitivos”, cita o executivo da Ashcroft Willy.
O aperfeiçoamento dos produtos fabricados por essas empresas deriva do nível de automação e dos protocolos de comunicação para transmissão de dados, via comunicação sem fio, assim como da utilização de interfaces homem-máquina mais amigas do usuário, incluindo o desenvolvimento de apps em celulares para leitura de dados.
Para Moura, o futuro do segmento será determinado pela IIOT, Industrial Internet of Things ou internet das coisas industrial, agregando valor à qualidade, à produtividade e ao desempenho das instalações industriais, pois “a conectividade oferecida pela IIOT permite transformar instrumentos de medição passivos em pontos de detecção e troca de dados dos processos, que, aliados à computação em nuvem e à análise de dados, oferece melhorias em produtividade, eficiência e qualidade, apoiando a tomada de decisão na gestão de ativos e de processos de plantas industriais”, afinal, seguindo a tendência da indústria em geral, “também a conexão dos produtos com a internet tem sido o caminho para ampliar funcionalidade e inteligência nas aplicações”, reforça.
Para o cliente dessas empresas da área englobada pela CSQI, os benefícios também são gerenciais, pois as soluções integradas levam informações precisas ao cliente, com relação aos testes e ensaios; há equipamentos que transformam dados em informações, geram relatórios e certificados, dados confiáveis que garantam a ótima qualidade dos produtos testados e informações que possam ser passadas a outros softwares de gerenciamento de fábricas (supervisórios), tornando os equipamentos totalmente automáticos, ficando sob responsabilidade dos operadores somente o apertar de botões. O resultado são produtos que cada vez mais garantam a segurança dos operadores e dos dados gerados.
O diretor-geral da Wika agrega outra necessidade à digitalização do setor: “Precisamos promover uma transformação na liderança empresarial brasileira. O Brasil necessita de mais lideranças inspiradoras, líderes empresariais que efetivamente engajem pessoas em prol do desenvolvimento, que inspirem a criatividade e a inovação, que promovam ambientes de trabalho motivadores e diversos e que proporcionem aos seus colaboradores oportunidades para poderem exceder suas capacidades, aprender, errar, desaprender, reaprender e assim se desenvolver”.
Perspectivas estimulantes
Os entrevistados são unânimes em reconhecer os impactos da pandemia na economia: aumentos dos preços dos insumos e dos impostos, assim como do dólar; escassez de algumas matérias-primas e componentes; menor número de voos, afetando a logística e encarecendo os fretes; tudo isso conduzindo a repasse dos custos ao cliente e renegociação de prazos de entrega.
Além disso, a crise global provocada pelo novo coranavírus gerou queda em alguns setores – como o de quatro rodas – mas elevou a atividade e, por conseguinte, as necessidades de outros, como os relacionados direta ou indiretamente à saúde e às atividades essenciais.
“Os mercados evoluem e com ele nós evoluímos. Os setores hospitalar, alimentos e bebidas, energias renováveis, saneamento básico e fabricantes de semicondutores são os principais mercados em desenvolvimento no momento, com reflexos positivos para todos os fabricantes de equipamentos”, resume o executivo da Ashcroft Willy, recordando a necessidade de o governo brasileiro, a exemplo do que é feito em outros países, manter e criar incentivos às exportações e à mão de obra, reduzir o Custo Brasil e estimular investimentos no setor produtivo, tornando as empresas internacionalmente competitivas.
Esse aspecto defendido por Filippetti tem relação também com o perfil exportador da Ashcroft, uma multinacional norte-americana, fundada em 1852 para fabricar Instrumentos de medição de pressão, inicialmente para segurança e controle de caldeiras a vapor. Rapidamente incorporou a seu portfólio produtos para medição e controle de temperatura, expandindo-o, na sequência, para outros pressostatos, termostatos, equipamentos de teste, sensores e transmissores de pressão e temperatura. Em 1975, incorporou a Willy, no Brasil, tornando-se a segunda fábrica em volume de produção em nível mundial, produzindo localmente todas as linhas de instrumentos da matriz, e responsável pela distribuição local e na América do Sul, além de exportar para todas as demais unidades do mundo em regime intercompanhia.
Para Moura, o gargalo mais importante envolve falta de mão de obra qualificada, “o que é um paradoxo, se considerarmos o índice de desemprego que nosso país apresenta. Essa situação se agrava quando consideramos a velocidade das mudanças trazidas pela transformação digital das empresas. Na medida em que as empresas avançam em sua transformação e se modernizam, pessoas que estejam fora da indústria, se quiserem voltar a atuar no setor, precisarão se atualizar para acompanharem o processo”.
O caminho, para o executivo da Wika, envolve ampliação do papel das empresas como formadoras de mão de obra com programas de capacitação e desenvolvimento de talentos, de aprendizagem e de estágio, complementando a educação escolar. Vejo ser fundamental estreitar relações e ampliar a colaboração das empresas com instituições de ensino, Sistema S, CIEE e demais atores do ecossistema de educação e formação profissional”.
O administrador da Flutrol insere outro tópico, que conquista espaço no setor industrial como um todo e, portanto deve ser considerado: a prestação de serviços de manutenção e reparos, instalações, retrofit de equipamentos, serviços de embarque em plataformas de petróleo etc.
Normas e certificações
Nesse setor, seguir normas é fundamental. Várias instituições, como o Inmetro, fiscalizam os produtos e a conformidade com certificações e normas nacionais, internacionais e regionais, ou seja, quando comparado com outros segmentos, o setor é bem exigido no quesito normas técnicas.
A questão – alerta o executivo da Wika – está em “transformar as normas em requisitos que condicionem fornecedores a estarem aptos a trabalhar no mercado. E isso somente acontece quando as normas são efetivamente aplicadas e requeridas pelos clientes ao adquirir os produtos e por ampla fiscalização”.
No âmbito da CSQI, como informa seu presidente, “buscamos sempre manter nosso setor atualizado em normalizações, a fim de adeque-se às novas tecnologia. Promovemos apresentações de cases de sucesso de empresas do setor e/ou de outras Câmaras Setoriais. Além disso, a CSQI é bastante participante em Comissões de Estudo na ABNT e em outras entidades, buscando atualização de normas e regulações”.
Precisão e controle – No caso de empresas como a Toledo do Brasil, detentora da marca Prix, de instrumentos de pesagem para as áreas de recebimento, produção, manuseio e expedição integrados a outras demandas, a calibração é o ponto focal.
Nessa disciplina, “o conceito técnico é colocar o peso-padrão, que precisa ser calibrado periodicamente. Os ajustes são feitos pela assistência técnica como permissionária do Inmetro via Ipem, que é a própria Toledo, no caso de todos os setores industriais, ficando o comércio (varejo) a cargo de nossos representantes. Os padrões são definidos por ensaios fisioquímicos, com base na metrologia legal, que é mais usual do que a metrologia científica”, detalha Edson Freire, vice-presidente da empresa.
“Em receitas que dependem de dosagens, é preciso ter a evidência de estar pesando corretamente e, para isso, em consonância com o ambiente, a frequência da pesagem e sua criticidade, define-se um modelo”, resume Freire, frisando que “a balança também precisa ser resistente”, assim como todos os instrumentos e equipamentos que se fazem presentes em ambientes de produção industrial.