Novidade na legislação facilitará investimentos

Um mercado atraente, que necessita de 300 mil km de rede de esgoto (o dobro do existente atualmente) e cerca de 200 mil km de rede de água (regra em função de extensão de rede por ligação e correspondente a 30% da rede atual). Não há dúvida: existe espaço para desenvolver fornecimentos, mas nem sempre há recursos financeiros que os viabilizem. Ou, como afirma Estela Testa – presidente do Sistema Nacional das Indústrias de Equipamentos par Saneamento Básico e Ambiental, o Sindesam da ABIMAQ – “este é um mercado em que quero estar, porque se tivesse 100% de esgoto tratado, pouco haveria a ser feito”.

Entre as certezas que permeiam o setor, uma parece convergente: a soma de esforços entre público e privado é fundamental  para conseguir um avanço na eficiência operacional, nos investimentos e atingir a universalização. Também é fundamental melhorar a gestão e a eficiência operacional por parte das empresas de saneamento ambiental, alavancar investimentos para atendimento das metas e aprimorar a regulação, promovendo a isonomia.

Universalização virá como resultado da soma de esforços públicos e privados para obter avanço na eficiência operacional e investimentos

Estela Testa, destacando o mercado maravilhoso que está disponível no Brasil e a alta capacitação tecnológica das empresas instaladas no País, traduz a percepção das mais de 100 empresas filiadas ao Sindesam: “o Governo está dando sinais nítidos de que vai investir, e se não for o atual, será o próximo, porque não tem alternativa”.

Na visão de Sérgio Ayrimoraes, superintendente de planejamento da Agência Nacional de Águas (ANA), além do desafio da universalização, há um passivo histórico. Mesmo assim, “boa parte do que está previsto está sendo executado, mas não no ritmo que o País precisa e que gostaríamos. Por isso, são bem-vindas iniciativas que possam fortalecer o instrumento  e dar maior celeridade às ações”.

Evolução

A certeza da presidente do Sindesam está vinculada ao retorno de algumas doenças que têm relação direta com falta de saneamento básico. “Às vezes é preciso dar um passo atrás para poder andar”, comenta.

Postura semelhante é a de Ives Besse, diretor do Grupo Veolia, empresa com presença global no mercado de Águas, Resíduos, Energia e no desenvolvimento de soluções voltadas para a Economia Circular. “O ano de 2018 foi o ano da estabilidade. Enxergamos que depois das eleições o Governo terá mais legitimidade e os investimentos voltarão em um melhor ambiente político, econômico e ético, e , assim, retomará o crescimento do País, afinal, o Brasil é maior do que o Governo”, resume, agregando ao setor público os setores de papel e celulose e alimentos e bebidas como aqueles que devem investir em 2019, beneficiando as empresas que atuam em tratamento de água e esgotamento sanitário. Em sua opinião, Petro & Gás – e principalmente Petrobras – deve levar mais dois anos para praticar grandes investimentos.

Com a percepção de que 2018 está se caracterizando por alguns investimentos em esgoto, mais do que em água, Mario Ramacciotti, diretor-geral da Xylem, também crê que, com a definição do quadro político, “o direcionamento de recursos pode ser maior ou menor, mas a tendência é de igual para mais, pois todos estão cientes da importância do saneamento e da necessidade de melhorar os indicadores nessa área, inclusive devido à saúde pública”.

Legislação

Os investimentos podem não acontecer no ritmo adequado, mas, no sentido de favorecê-los e atender a reivindicações daqueles que trabalham não apenas para estar no mercado, mas manter-se entre os protagonistas, há novidades no âmbito da legislação, que podem favorecer o desenvolvimento e a implementação de projetos.

Anualmente, desde 2013, quando da edição do Plansab – Plano Nacional de Saneamento Básico, que preceitua a universalização dos serviços de água e tratamento sanitário até 2033 – há necessidade de investimentos anuais ao redor de R$ 22 bilhões, correspondente a 0,33% do PIB (Produto Interno Bruto).

Transcorridos cinco anos do lançamento do Plansab, a situação melhorou, mas não o suficiente para que as projeções se cumpram. Alexandre Ferreira Lopes, presidente do Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Sindicon), lembra que “o desafio para atender as metas é muito grande, pois temos 15 anos de prazo, e os investimentos estão distantes do ideal. Nos últimos quatro anos, a média de investimentos foi de R$ 12 bilhões, o correspondente a 0,18% do PIB”.

Essa realidade, no entanto, não tem relação com falta de legislação. Em 2017, por exemplo, o marco regulatório – Lei 11.445/2007 – completou dez anos. Quando lançado, recorda o presidente do Sindicon, gerou expectativa positiva, pois “conferiu mais segurança jurídica às parcerias público-privadas. No entanto, não avançou, e as PPP são poucas: apenas 6% dos municípios têm participação em algum modelo de parceria”.

Mais recentemente, em 06 de julho de 2018, foi lançada a Medida Provisória 844/2018, que precisa ser votada no Congresso Nacional, após passar por Comissão Mista. O prazo para não perder a validade é de quatro meses a partir da assinatura pelo Presidente da República. A previsão é de que apenas será votada após as eleições.

A MP 844/2018 é uma proposta que traz aprimoramentos, abre o diálogo e favorece a união e o consenso

Como explica Martha Seillier, assessora especial da Casa Civil, responsável pela redação final da MP 844/2018, o objetivo do documento é reduzir a grave disparidade no País resultado da dimensão continental, “em que temos mais de 35 milhões de pessoas sem acesso à água potável e cerca de 100 milhões de habitantes sem coleta de esgoto, além de 45% do esgoto gerado não ser tratado. Para sanar esses problemas e reduzir o impacto gerado em outras áreas – como saúde pública, educação, desenvolvimento das pessoas, valorização das cidades e dos imóveis, geração de emprego e renda etc. – é preciso muito mais do que fazer a obra e tratar o esgoto. A meta, entre outros aspectos, é a de dar segurança jurídica aos municípios que queiram investir e obter parcerias”.

“A MP 844 mexe na estrutura do setor. Traz avanços e tem pontos consensuais, como isonomia contratual, fortalecimento da regulação, diretrizes nacionais que orientam as agências em âmbito de bacias a seguir um mesmo formato regulatório, entre outros. No entanto, o ponto polêmico é o artigo 10a, que interfere na forma de contratar e está gerando debates”, resume Lopes.

Mas, a MP 844 também altera legislações existentes e práticas usuais, com a finalidade de fomentar os investimentos no setor e, por isso mesmo, vêm provocando discussões.

No que diz respeito ao marco regulatório, Lei 11.445/2007, a MP 844 abre a possibilidade de chamamento público, estabelecendo o fim da dispensa de licitação para a contratação das companhias estaduais com a finalidade de se buscar igualdade para os setores público e privado competirem pela prestação mais eficiente dos serviços e pela menor tarifa a ser cobrada dos usuários.

Ao modificar a Lei 9.984/2000, amplia o protagonismo da Agência Nacional de Águas (ANA), outorgando-lhe competência para estabelecer os padrões de qualidade e eficiência na prestação dos serviços de saneamento básico, incluindo regulação tarifária e padronização dos instrumentos negociais de prestação dos serviços, entre outros aspectos, nos âmbitos estadual, municipal ou regional.

Entendendo que a implementação do Plansab pode ser beneficiada pela medida provisória, Ayrimoraes informa que a questão da descentralização do saneamento em várias áreas vem sendo discutida até pela própria ANA, com proposta de formação de uma espécie de comitê interministerial reunindo os vários entes executores dos recursos federais de forma a dar racionalidade aos investimentos.

“A proposta que está na mesa não é necessariamente a melhor, mas traz consigo aprimoramentos. O debate tem de acontecer, e a partir daí evoluir para algo que tenha o maior consenso possível entre todas as partes envolvidas”, conclama o superintendente de planejamento da ANA, alertando para o cuidado de esse diálogo não enveredar para o corporativismo ou para uma discussão ideológica: “O saneamento como um todo se ressente muito e é muito prejudicado por posições que defendem única e exclusivamente seus próprios interesses e ideologias.  Está claro que nenhum deles dá conta do problema como um todo. Precisamos de união e da busca do consenso que permita os avanços e traga benefícios para a sociedade”.