“O grande desafio do País não é só o Governo se tornar digital, mas entendermos as inovações e termos condições de fazer uma avaliação diferente”, afirma presidente da ABDI

Luiz Augusto de Souza Ferreira, presidente da ABDI

Próxima a completar 15 anos de atividade, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) opera como organismo de inteligência do Governo Federal para o setor produtivo, articulando e dialogando com os diversos atores envolvidos na execução da política industrial brasileira. Supervisionada pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), a ABDI oferece à indústria estrutura para a construção de agendas de ações setoriais e para os avanços no ambiente institucional, regulatório e de inovação no Brasil, por meio da produção de estudos conjunturais, estratégicos e tecnológicos.

As principais conquistas desde 2004, os planos de curto prazo, os programas em andamento e o relacionamento com a indústria de equipamentos e bens de capital são alguns temas tratados por Luiz Augusto de Souza Ferreira, presidente da ABDI, que entende a ação da Agência e de outros órgãos similares “como um trabalho para o Estado e não para projeto político. Por isso, tentamos deixar uma base sólida para o próximo governo não começar do zero”.

Nesta entrevista exclusiva à M&E, Guto Ferreira (como é conhecido) fala, ainda, sobre temas que impactam diretamente sobre a indústria de máquinas e equipamentos, como reoneração da folha de pagamentos, e deixa um recado para o setor.

Confira!

Máquinas & Equipamentos – Entre as conquistas e realizações desses anos de existência da ABDI, quais podem ser listados entre os principais?
Guto Ferreira –
A ABDI nasce justamente no momento em que se passa a discutir as políticas ministeriais para o País. Essa é uma primeira conquista de uma agência que começou fazendo estudos para novas políticas industriais do Brasil. O segundo ponto é a participação ativa em projetos importantes do País. Nos últimos dois ou três anos, a ABDI tem trabalhado, de forma parceira e integrada, com os ministérios da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) e da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), em diversas frentes. Entre as concretizações, por exemplo, destacam-se a construção do Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e de Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar-Auto), que objetivava estimular a concorrência, aumentar a competitividade e impulsionar a produtividade do segmento automotivo; a execução do Brasil Mais Produtivo (B+P) e programas como o de desenvolvimento da cadeia aeronáutica em parceria com a Embraer e que, recentemente, foi muito elogiado pela Boeing. A ABDI também participou ativamente da política de petróleo e gás e do offset* na Defesa, desde a concepção do supercargueiro KC-390, da Embraer (o maior avião já construído pela indústria aeronáutica brasileira e que é destinado ao transporte militar) e até mesmo no offset de equipamentos de guerra, como helicópteros e tanques.

M&E – Quais são as realizações mais recentes?
GF –
Entre os trabalhos que comprovam a vocação está a atualização, em conjunto com Mdic, da Lei da Informática, da Lei do Bem; o apoio aos Programas InovAtiva Brasil e Brasil Mais Produtivo; e os projetos de estímulo à Manufatura Avançada ou Indústria 4.0. Nos últimos dois anos, a ABDI passou a ser parte fundamental dentro da política automotiva, nas definições do Rota 2030, sobretudo no grupo que discutia carros elétricos e híbridos. Foi a Agência, por exemplo, que colocou a falta de startups e de inovação na rota da discussão com a indústria dentro do Ministério, promovendo o desenvolvimento do Programa Conexão Startup Indústria, que quer ser a ponte entre indústrias e startups, para juntas produzirem inteligência e soluções para um Brasil mais competitivo. A Agência também tem rodado, com o Mdic, o Building Information Modeling (BIM), programa voltado à construção civil e com potencial gigantesco de reduzir os custos das compras públicas e inclusive das construtoras. O BIM promove a digitalização da construção civil e permite controle total do orçamento, pois, via modelo virtual em três dimensões, projeta toda a construção no computador antes de as atividades começarem no canteiro de obras, reduzindo a incidência de erros; quantifica os materiais e organiza a chegada dos insumos à medida que a construção avança. A ABDI vem atuando diretamente em boa parte da construção do programa, dos guias, da divulgação.

M&E – Como é intermediar e dialogar com o governo sendo uma agência vinculada ao governo que trabalha em prol do setor produtivo?
GF –
É um pouco difícil porque, estruturalmente falando, todos os governos são muito mais analógicos do que digitais, e o papel da ABDI é ser uma agência ágil que converse com o setor privado e entenda sua dinâmica, levando em consideração as questões públicas. No começo, foi complicado explicar que esse senso de urgência poderia ser realizado, até porque o Governo é muito fiscalizado por órgãos de controle – Ministério Público, Tribunal de Contas da União (TCU). Assim, o nível de assunção de risco de um gestor público é muito menor do que de um gestor privado. Procuramos passar para o Governo – e todas as medidas da ABDI caminharam nesse sentido – que no momento em que temos a certeza de que o projeto está bem estruturado, que estamos gastando menos e tendo um resultado maior com custo menor, estamos dispostos a assumir o risco de fazer um projeto em menos tempo e a responder aos órgãos de controle. Assim, o desafio hoje – que também é o grande desafio do País – não é só o Governo se tornar digital, mas usar o controle também para entender essas inovações e ter condições de fazer uma avaliação diferente.

M&E – O que vem sendo feito para buscar o domínio da rota tecnológica pelas empresas brasileiras?
GF –
A implementação da Indústria 4.0 faz com que as empresas nas fases anteriores (1.0, 2.0 e 3.0) deem saltos na aplicação e no uso de tecnologias. Para favorecer a adoção das tecnologias da manufatura avançada e o domínio da rota tecnológica, a ABDI tem feito parcerias com similares de todo o mundo: Instituto Coreano de Economia Industrial e Comércio. da Coréia do Sul (Kiet, na sigla em inglês); Japan External Trade Organization (Jetro), do Japão; e agência de fomento à infraestrutura industrial israelense (Matimop). Agora, avançam as negociações com a agência do Reino Unido, que é a Innovate UK.

M&E – Quais setores merecem mais atenção neste momento?
GF –
Detectamos, em relação a essas rotas tecnológicas, que o Brasil tem condições de liderar ou estar entre os três principais líderes em cinco setores: Têxtil, com as confecções do futuro que já são uma realidade em alguns lugares; Agro, em decorrência da própria vocação brasileira, mas focado em instrumentos de agroprecisão e análise de inteligência de dados; Defesa, pois podemos crescer muito com uso de tecnologia de desenvolvimento de drones militares, inclusive aumentando o poder de negociação do Brasil na América do Sul e vender para países como América do Sul e África; Saúde, basicamente no setor de imagem, afinal há profissionais ultra qualificados e internacionalmente reconhecidos, e agora só falta começar a desenvolver tecnologia com empresas parceiras; e Automotivo, pois com a localização em Goiana (PE), do Polo Automotivo Jeep, mais moderna planta da Fiat Chrysler Automobiles (FCA) no mundo, foi edificada uma base muito sólida para evoluir levando em consideração que o carro passa a ser uma plataforma de software, de serviços.

M&E – Como aumentar o poder de competição das empresas de engenharia consultiva e elaborar uma agenda para a formação de RH focado em Manufatura Avançada?
GF –
Na visão e no entendimento da equipe da ABDI, a questão de Engenharia é fundamental a toda e qualquer revolução do setor industrial brasileiro – e não apenas na Indústria 4.0 –, mas no Brasil, há um gap de qualificação e de formação de profissionais na Engenharia como um todo, potencializado pelo fato de que, com o boom tecnológico, os profissionais da nova geração passaram a migrar para as áreas de tecnologia e de software. Sabemos que sem profissionais qualificados, teremos de importar mão de obra e serviços. Por isso, temos dialogado com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pedido mais agilidade no acompanhamento dessas mudanças. Enquanto agência de inteligência, nossa opinião é a de que esse tema deve permanecer sob alçada do MEC e estamos convictos, também, de que deve ser criada uma parte específica no ensino superior voltada a essas novas tecnologias talvez em parceria com o Ministério da Indústria. Estamos disponíveis para colaborar com o MEC na questão educacional e na definição das expertises necessárias para esse profissional dessa nova indústria que responderá pela geração de 300 milhões de empregos, a maioria deles ainda desconhecidos. Os jovens que hoje têm 20 anos formam a geração mais conectada da história, mas eles podem não estar preparados para esses novos empregos. Sendo assim, enxergamos que no MEC deveria ter uma área específica que estudasse essas novas possibilidades para não corrermos o risco de precisar importar mão de obra e perdermos esses novos empregos que estarão sendo gerados.

M&E – Na ordem do dia está o debate sobre a reoneração da folha de pagamento da indústria de máquinas e equipamentos. Qual o posicionamento da ABDI e que contribuição pode dar?
GF
– Há dois pontos a serem analisados: a indústria ficou refém da política de incentivo do Governo durante, pelo menos, dez anos, e acabou se acostumando e se acomodando; contudo, a economia percorreu outros caminhos, e o Governo passou a ter de priorizar questões de caixa, e, nesse cenário, essas discussões de reonerações são inevitáveis. Eu particularmente, enquanto Agência, acredito que o setor de máquinas é absolutamente fundamental. Eu sou contra a reoneração nesse momento e defendo a reorganização do parque industrial brasileiro e um retrato mais claro de seu uso, pois o empresário brasileiro acreditou em um discurso dos governos anteriores e expandiu as instalações, comprou mais máquinas, usadas ou novas, endividou-se. Quando o Brasil entrou em recessão, encontrou-se um parque industrial com muitas máquinas obsoletas ou que poderiam passar por um retrofit de máquinas e, assim, proporcionar mais produtividade, mais eficiência e menor custo de produção. A tendência é, em matéria de espaço físico, na média, o parque provavelmente ficar menor do que estava antes da recessão. Por tudo isso, entendo ser interessante uma discussão com o setor para favorecer a modernização de máquinas nacionais em condições de serem utilizadas.

M&E – Que recado deixa para as empresas associadas à ABIMAQ?
GF –
A ABDI tem uma relação direta, aberta e receptiva com toda a indústria nacional. Entendemos o setor da ABIMAQ como fundamental para essa nova indústria e para a reorganização da antiga indústria. Nós acreditamos que a facilitação do retrofit de máquinas poderia desde já elevar a produtividade da indústria nacional sem causar grande prejuízo de novas compras ou de endividamento decorrente de novas compras, usualmente de máquinas que não são fabricadas aqui. Nesse sentido, a reorganização da indústria nacional passa, sem dúvida nenhuma, por uma discussão com a ABIMAQ. Encontramos várias vezes os representantes da entidade, temos um escritório em São Paulo, dentro da Fiesp, então, temos disponibilidade para atender qualquer setor desde que sejamos provocados.