O Produto Interno Bruto (PIB) de 2019, divulgado em 4 de março pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, registrou evolução de 1,1% em comparação a 2018, atingindo R$ 7,3 trilhões. Nesse volume, a Indústria contribuiu com 0,5%. Segundo o IBGE, no período, a taxa de investimento representou 15,4% do PIB, percentual superior ao observado em 2018 (15,2%). O IBGE também ressalta que este foi o terceiro ano consecutivo de crescimento do indicador.
O cenário que o empresariado vivencia agrega outros ingredientes, como a demanda e a confiança do empresário brasileiro, que – de acordo com Hernane Kaminski Cauduro, diretor da Metal Work Pneumática do Brasil – “vêm crescendo à medida em que as reformas estruturais do País começam a avançar. A inserção do País nas cadeias globais virá junto com a abertura maior da nossa economia, fator que vai expor a indústria brasileira a maior concorrência, mas ao mesmo tempo permitirá maior acesso aos mercados. Seguramente, todos têm planos para inserir suas fábricas nos conceitos da 4ª Revolução Industrial para poder competir globalmente”.
Somando essas possibilidade a estudo elaborado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) que sinaliza que 40% a 48% dos ganhos originados pela aplicação dos conceitos da Indústria 4.0 virão da redução nos tempos de disponibilidade de máquinas, ou seja, menos tempo de paradas em manutenção e redução do custo de peças alocadas nos estoques para manutenção, Cauduro entende que esse resultado será conseguido “sem grandes investimentos em novas tecnologias, mas sim, adotando boas práticas, especificando os elementos de máquinas com base no MTBF (tempo médio entre falhas). Isto, por si só, permitirá diminuir os tempos de paradas e, consequentemente, reduzir estoques de peças de reposição”.
As expectativas são positivas no setor de automação industrial e robótica conforme expresso pelos entrevistados para esta edição de Máquinas & Equipamentos, que, em 2019, viram suas empresas retomar o crescimento, com indicadores, em alguns casos, que superam os 15% ao ano. E, confirmado o movimento notado em 2018, de predisposição das indústrias em investir em produtividade e qualidade da produção, independentemente do segmento de atividade, os entrevistados creditam essa conscientização do mercado à necessidade de se manter competitivo num mercado cada vez mais globalizado, mesmo para as empresas que atuam apenas no mercado interno.
Dicotomias
No contexto brasileiro da automação industrial e da robótica, há correlações interessantes, que tornam as expectativas viáveis, apesar do Covid-19 (coronavirus) e da queda de braço com os preços do petróleo: O mundo vive a 4ª Revolução Industrial e, no Brasil, há empresas totalmente engajadas nos conceitos da Indústria 4.0, mas a maioria – principalmente das pequenas e médias, que no âmbito da ABIMAQ correspondem a 80% do total – ainda não chegou à 3ª Revolução, que se caracteriza pelo ingresso da eletrônica na indústria.
“2020 começou a todo vapor. Em janeiro, fizemos muito mais propostas do que em 2019 inteiro. Grandes e médias indústrias já se movimentam; o mercado está mais maduro e sabe o que precisa implementar para obter os resultados esperados; a terminologia tecnológica está mais conhecida e ficando transparente para o usuário. Além disso, automação tem voltado à tona porque o preço dos componentes caiu e o interesse aumentou”, comemora Diego Mariano – CEO BirminD – garantindo que os mercados mais regulamentados tendem a investir mais, como é o caso das indústrias farmacêuticas, alimentícias e automotiva.
O cenário tem dois atores bem definidos: o setor automotivo, que utiliza robótica e automação desde meados dos anos 1980, com a indústria eletroeletrônica e a farmacêutica integrando esse mesmo grupo; e os demais segmentos industriais, que começaram a ter contato com a robótica mais recentemente e que – principalmente as pequenas e médias empresas fabris – defasados tecnologicamente, têm a consciência de que precisam aumentar a produtividade para voltarem a ser competitivos e crescerem.
Segundo Carlos Urbano, diretor de Industrial Automation da Schneider Electric, cerca de 70% das indústrias brasileiras têm uma base instalada com 20 anos ou mais de existência, ou seja, existe uma demanda enorme que está por vir. “E a Industria 4.0 está aí para ajudá-los nessa empreitada”, frisa, recomendando “olhar para a automação como uma ferramenta para ganhar eficiência e produtividade. Algumas empresas investem milhões e milhões para estar na indústria 4.0, mas não é só isso. Estar conectado e gerando dados para a nuvem não é a resposta. O adequado é saber o que fazer com esses dados para tomar ações e melhorar a eficiência, diminuir desperdícios e eventualmente eliminar aqueles produtos que não trazem retorno financeiro. Decisões duras, mas não basta ter tudo conectado, precisamos estar conectados a tudo isso”.
“Toda a tecnologia de ponta, no mínimo 85% dela, é acessível e disponível, no Brasil, sem barreiras para chegar aqui, mas, sem interação local e sem conhecimento local, é impossível fazer o projeto”
João Carlos Visetti, CEO da Trumpf Brasil
A possibilidade de otimizar o processo fabril com máquinas antigas que se comunicam – e via digitalização confere transparência ao sistema produtivo e pode corrigir distorções que prejudicam a produtividade e geram desperdícios diversos – é lembrada por João Carlos Visetti, CEO da Trumpf Brasil, que afirma: “Toda a tecnologia de ponta, no mínimo 85% dela, é acessível e disponível, no Brasil, sem barreiras para chegar aqui, mas, sem interação local e sem conhecimento local, é impossível fazer o projeto”. Esse alerta é ainda mais significativo quando o projeto de automação é implementado em etapas.
A manutenção é elencada por Rafael Schimer – diretor da SPI Integração de Sistemas – como atividade importante neste momento de cenário heterogêneo, com um parque de máquinas, em alguns segmentos, funcionado desde 1970, 1980, “o que também prejudica a retomada das atividades, pois, por estarem antigas, as máquinas estão sem suporte e, se houver qualquer parada, o impacto é alto, e o risco também, então justifica o investimento”. Lista, ainda, as mudanças regulatórias, principalmente NR12 e rastreabilidade de produtos farmacêuticos, como estimuladoras de investimentos.
Edouard Mekhalian, diretor geral da Kuka, falando sobre as pequenas e médias empresas que produzem e vendem para grandes indústrias, frisa que os clientes exigirão os investimentos em tecnologia, que “devem levar à fusão de muitas empresas para que possam se manter. Pode também ser criado um movimento de cooperação entre o comprador e o fornecedor, melhorando o mercado para os fabricantes e os integradores de automação e de robótica”, favorecendo a injeção de recursos nas adequações imprescindíveis.
O caminho indicado por Júlio Monteiro, diretor Industrial da Bosch Campinas, passa pela correlação entre produto final, rastreabilidade, fabricante de componentes e outros agentes, mas, independentemente da meta a ser atingida – conectividade, software que recebe as informações das máquinas e as processa, inserção de alertas e avisos para o operador ou o gestou ou a equipe de manutenção, Inteligência Artificial – “o primeiro passo é a Lean Manufactoring, para ter dados e aplicá-los no sistema, com ganhos efetivos de produtividade e competitividade”.
Recomendação semelhante é dada por Bruno Castellani, gerente de Marketing da Balluff. Para iniciar o processo de digitalização, “a utilização de ferramentas da metodologia Lean irá ajudar a focar em partes do processo que realmente geram baixa produtividade e resolver pontualmente parte do processo, realizando baixo investimento inicial, facilitando a aprovação do investimento através do ROI, além da experiência com o processo de digitalização e os benefícios que ela traz na operação do negócio”, informa.
“Vivemos anos conturbados com muitas mudanças, expectativas, questões e realizações. Atualmente, existe um mercado no qual os investimentos estão sendo feitos: fábricas de produtos para saúde animal, automação de data center por conta de investimento em Indústria 4.0 e infraestrutura”, resume o diretor da SPI. Em decorrência, os integradores começaram um trabalho de educação para que o mercado entendesse e pudesse adequar sua base, como, por exemplo, no caso da rastreabilidade de medicamentos, cita Schimer, explicando que, “se automatizar o final da linha de montagem dos pallets e das caixas, os ganhos de produtividade serão sentidos e favorecerão outras automações”.
Investimento
“Quando seu negócio for competitivo lá fora ele será competitivo no mercado interno”, enfatiza o CEO da Trumpf Brasil, alertando que, no momento da decisão pelo investimento, deve-se evitar fazer a comparação entre o custo do sistema de automação e custo de um funcionário, porque “a conta não fecha nunca, porque os ganhos vão além das pessoas e envolvem fluxo, aumento de faturamento, entre outros, dificultando a mensuração”.
Para Alexandre Moraes, gerente de consultoria e transformação digital da Atos na América do Sul, é patente a preocupação dos empresários com a preservação do investimento: “Buscam inovação, tecnologias e a melhor relação custo-benefício possível do que vai trazer retorno a curto prazo. O grande desafio é como selecionar o caminho para evitar perdas da produção por quebra de equipamento”. Cita a necessidade de criação de plano de negócios robusto, que preveja a inovação e os investimentos, e a mudança de cultura da gestão operacional, pois a adequação das plantas industriais deve ser acompanhada por processos e pessoas.
Icaru Rocco Sakuyoshi – diretor da Yaskawa Motoman Robótica do Brasil – ao falar sobre o mercado, comenta que “a maioria já despertou para a automação, mas o próximo passo depende de crédito e de financiamento, pois as empresas estão sofrendo com fluxo de caixa, juros altos, burocracia nos bancos de fomento, porque o crédito está escasso. Há aqueles que pedem para nós, fornecedores, parcelarmos o pagamento. A tecnologia está disponível, o que falta é financiamento. Não dá para ser competitivo com essa realidade”. A solução, para ele, passa pela conscientização de todos de que “o concorrente está lá fora, aqui, temos de nos unir”.
De forma resumida, para investir, principalmente no universo das PME, é fundamental ter mercado e, para ter mercado, é preciso ser competitivo e melhorar os níveis de produtividade. Em outras palavras: o mercado existe, está acessível e sensibilizado, mas os recursos são insuficientes.; ou como prefere Mairon Cezar Anthero – diretor geral da Schunk Intec BR, “temos um oceano de possibilidades a ser explorado”.
Essa realidade é confirmada por Denis Pineda – gerente de vendas da Universal Robots no Brasil – quando afirma que “há projetos definidos, que estão congelados, que já foram negociados e tecnicamente aprovados, à espera de início do investimento. Quem está fazendo o investimento é porque já sentiu o começo da retomada ou está com visão de médio prazo e se preparando para quando a ocupação chegar aos 80% da capacidade instalada. O vento virou, estamos no melhor momento em termos de confiança do empresariado, mas a ociosidade ainda está muito alta”.
As alterações proporcionadas e a contribuição da automação industrial na configuração da cadeia produtiva são argumentos utilizados por todos os elos. “Com indústrias totalmente conectadas, será possível personalizar produtos e inclusive identificar tendências de mercado para antecipar necessidades”, garante o diretor de Industrial Automation da Schneider Electric. “Com a indústria 4.0, processos automatizados e com o suporte de software adequado, a personalização torna-se factível, sem onerar drasticamente a produção”, reforça.
Estudo elaborado pela ABDI sinaliza que 40% a 48% dos ganhos originados pela aplicação dos conceitos da Indústria 4.0 virão da redução nos tempos de disponibilidade de máquinas, ou seja, menos tempo de paradas em manutenção e redução do custo de peças alocadas nos estoques para manutenção
Independentemente do segmento de atuação da indústria, a retomada da atividade tem como ponto de partida – de acordo com Marco Tanaka, diretor da Prodwin – a obtenção de um sistema de monitoramento com apontamento automático da produção, utilizando IIoT conectado a máquinas, pessoas, robôs, impressoras 3D, processos e tudo trabalhando de forma integrada a outros sistemas.
“Com essa ferramenta, os gestores e colaboradores tomam decisões mais rápidas e assertivas, em poucos meses aumentando os níveis de produtividade, produzindo mais com menos ou com os mesmos recursos, além disso, fica mais evidente saber qual a parte do parque produtivo deverá ser atualizado e/ou melhorado”, resume Tanaka, lembrando a digitalização do chão de fábrica como fundamental para que os dados da produção tornem-se informações úteis e relevantes, conferindo mais visibilidade e transparência aos processos da produção. O uso de ferramentas de Business Inteligence (BI) pode ampliar a previsibilidade e a adaptabilidade da produção utilizando algoritmos de machine learning e inteligência artificial.
Para iniciar a jornada rumo à Indústria 4.0 com a aplicação de várias tecnologias, Danniel Hernandes, sócio-diretor da Prodwin, recomenda: “É essencial traçar uma estratégia para implementação da indústria 4.0 e saber onde se deseja chegar, pois a tecnologia não é o fim, e sim o meio. Em seguida, é recomendado realizar o monitoramento da produtividade de forma automática, confiável e em tempo real”, alerta, citando o Sistema Pw-1 como ferramenta “para trilhar o caminho rumo ao ápice da indústria 4.0, que trabalha em malha fechada, integra-se com o sistema ERP e universaliza as informações das máquinas de todas as marcas e modelos, desde as mais velhinhas com leitura de sensores até as mais novinhas com integração OPC/MTConnect diretamente no CLP”.
Tendências em tecnologia
Garantindo que o universo tecnológico da automação industrial não mudou significativamente nos últimos 30 anos, com a indústria mantendo o mesmo hardware tradicional do PLC (Controlador Lógico Programável, em inglês) e CNC (sigla em inglês para controle numérico computadorizado), com suas características limitantes face às ideias da Indústria 4.0 –, Marcos Giorjiani – diretor da Beckhoff Brasil – contrapõe a isso o mundo “do mercado de consumo de grande escala, com produtos com enorme capacidade computacional capazes de acessar a internet de grande velocidade, baixar filmes em sistemas stream, executar programas de jogos de alta complexidade visual e algorítmica e muito mais”.
A gestão do processo industrial, através da implementação de um sistema MES, de acordo com Luiz Fernando Gonçalves, head de Engenharia de Aplicações da SKA, permite o monitoramento em tempo real das atividades, através de acompanhamento digital, “proporcionando dados atualizados em real-time, eliminação de papel, e possibilitando que as decisões industriais sejam baseadas em números sempre atualizados, gerando controle de qualidade diretamente ligado ao processo; a validação de projetos através da simulação em software, objetivando a otimização de todos os recursos envolvidos, e levando à tomada de decisão baseada em dados e à otimização de recursos”.
André Kakehasi, gerente regional de Vendas Automation América do Sul da Valmet, destacando que “a globalização permite que, em geral, todas as tecnologias disponíveis no mundo possam estar disponíveis no nosso mercado, existindo soluções para todos os tamanhos, necessidades e capacidade de investimento”, aponta que “diferentes mercados e setores necessitam de diferentes tecnologias e soluções. Dentro deste cenário, a indústria pode contar com desenvolvedores e fabricantes dedicados à sua área de atuação”.
Digitalização passa a ser a chave para o mundo atual. “Todas as tecnologias são ferramentas e podem ser usadas de inúmeras formas”, afirma Fernando Oliveira, responsável por Indústrias de Processo da ABB na América do Sul, destacando entre as tendências o 5G como estimulador de grandes mudanças devido a possibilitar aumento da conexão de dispositivos, favorecendo o trabalho com dados; e o blockchain, como instrumento de autenticação que terá seu uso potencializado pela necessidade de rastreabilidade e estendido também ao histórico da empresa como um todo.
Inteligência Artificial é inserida na lista por facilitar o trabalho com dados desde o fornecedor até o usuário final. Provas de conceito (POC) também vêm sendo usadas para testes de tecnologias em indústrias, informa o gerente da Atos, evoluindo para prova de valor (PDV) que permite testar o processo e as tecnologias com base no cenário do próprio cliente, desenvolvendo projetos específicos com benefícios significativos e otimização dos investimentos.
Fábio Pietro, gerente de vendas LAM da Danfoss, define automação como “uma combinação de fatores, desde eficiência, economia de energia, produtividade e uso da informação da forma mais adequada, que criaram a Indústria 4.0”. Em paralelo, o mercado também mudou: “Hoje, compra solução e não mais equipamento; compra o benefício que a solução oferece, exigindo do fornecedor de tecnologia o entendimento da necessidade do cliente”, resume, falando que a colaboração e o relacionamento entre sistemas e soluções de fabricantes diferentes para transformar a indústria via adaptação das tecnologias para ser colaborativo, sensível e conectado, são o segredo dos projetos.
Entre os exemplos, no campo da digitalização, está a nova versão do TIA Portal V16 (Totally Integrated Automation Portal), da Siemens, um software de engenharia que abrange funções para as diversas fases do projeto: desde o planejamento e engenharia até o comissionamento. As inovações se concentram na contínua integração do processo de desenvolvimento, que inclui padronização, engenharia integrada entre diferentes times e teste de funções, permitindo ao usuário o aumento da qualidade do software e a diminuição do tempo de comissionamento, reduzindo os custos do projeto. Permite, ainda, que o usuário acesse suas atividades por meio da função de Engenharia Exclusiva. A nova versão do TIA Portal V16 também ganhou o modo de comissionamento assíncrono para habilitar o comissionamento entre os engenheiros do time.
A maior tendência de todas é a eletrônica embarcada em máquinas e equipamentos industriais (IoT, MES) que torna os recursos produtivos inteligentes (é a fábrica no escuro) que produz e avisa quando precisa de manutenção preventiva ou mais insumos para continuar produzindo. “Pode-se citar também a manufatura digital, que coloca a impressão 3D como um recurso de produção, não mais protótipo, trazendo o conceito de sustentabilidade a este processo, devido a eliminação de peças e armazenamento. Outro ponto importante é a nuvem, que serve como suporte às engenharias de alto desempenho para que elas possam colaborar e acessar projetos de forma online, garantindo que todas os envolvidos estejam lidando com a mesma informação”, comenta o executivo da SKA.
Outra atividade crescente listada pelos entrevistados é a locação de robôs, serviço modelado pela Pollux em 2016 e que hoje, com 200 robôs locados, responde por 40% do negócio da empresa e se estendeu do Brasil ao México, Canadá, Guatemala, Colômbia e Panamá, sendo que o mercado internacional responde por 10% do negócio de locação. Ricardo Gonçalves, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Pollux, explica que a locação é feita diretamente ao cliente final e que a cada dez robôs que saem da empresa nove são locados.