Opinião: Roberto Ardenghy, presidente do IBP

US$ 183 bilhões de investimento e geração de 500 mil empregos: as perspectivas para os próximos dez anos

Roberto Ardenghy, Presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP)

Definindo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás e a ABIMAQ como “parceiros de muitas lutas e de várias pautas”, Roberto Ardenghy, presidente do IBP, em entrevista exclusiva para a revista Máquinas & Equipamentos, fala sobre o novo desenho do setor de petróleo e gás, com a entrada de novas empresas no mercado brasileiro, nacionais e internacionais. Ressaltando que essa transformação é internacional e envolve mudança de paradigma, decorrente da descarbonização das fontes de energia e pela segurança energética, que, devido ao conflito entre Rússia e Ucrânia, evoluiu para soberania energética.

Investimentos de US$ 183 bilhões em dez anos, conteúdo local, desenvolvimento dos campos onshore e em águas rasas, geotermia, eólica offshore são alguns dos temas tratados a seguir pelo presidente do IBP, que também destaca o papel do Brasil – e da indústria de máquinas e equipamentos – tanto na transição, quanto na soberania energética. Além disso, previne: “Talvez o principal recado dessa crise energética seja que a energia barata está com os dias contados”.

Confira!

Internacionalmente, o setor de Óleo e Gás está passando por várias transformações, como o IBP vê a trajetória do petróleo frente à busca de por uma matriz mais limpa?

A transição energética para uma matriz mais limpa faz parte das transformações globais que impactam o setor na atualidade. Essa solução é de longo prazo, devido à importância desse combustível fóssil na economia mundial, pois 80% da energia do mundo vem desse produto. O petróleo, ao longo de 200 anos, tornou-se um produto crucial. Começamos com o carvão, depois passamos para o petróleo e agora estamos chegando até o gás natural. Nesse período, o combustível fóssil simplesmente edificou um modelo de sociedade, devido, inclusive, a uma vantagem competitiva inegável frente aos outros energéticos: confiabilidade, preço, qualidade, e capacidade de geração de energia, pois uma molécula de carbono, de petróleo, de gás, gera muito mais energia do que outros tipos de concorrente, como é o caso, por exemplo, do hidrogênio, do qual muito se fala. A quantidade de energia gerada por uma molécula de hidrogénio é um quinto da gerada por uma molécula de petróleo, mais precisamente 19%, e hoje custaria 300% mais para gerar 19% da energia. Se você comparasse um litro de gasolina para 1 kg de hidrogênio é exatamente isso. O hidrogênio custa de US$ 3 a US$ 8 e produz 19% já da oferta energética de 1 litro de gasolina. Ou seja, as energias renováveis têm um enorme mérito, mas precisam chegar competitivas ao consumidor final.

Nesse contexto, a discussão sobre segurança energética é pauta emergencial?

A segurança energética é o segundo ponto que hoje atrai a atenção de todo o mundo. O energético que se tornou o vilão das emissões, a partir do que aconteceu entre Ucrânia e Rússia, afetando a Europa como um todo, fez com que o que era crítico ficasse ainda mais crítico e mostra a sensibilidade desse tema para o desenvolvimento mundial. Ou seja, uma transição energética feita às pressas pode gerar um estresse econômico absolutamente brutal. Se isso acontece em países como a Europa, que tem uma economia mais madura, imaginemos um processo desse tipo na África, na América Latina, em países que não têm a poupança necessária para fazer uma transição energética, que seja coerente. Por isso, o conceito de segurança energética avançou para soberania energética, ou seja, a preocupação é não ficar dependente de fontes externas.

Como os problemas da Europa, em função da guerra entre Rússia e Ucrânia, podem ser minimizados?

Esses movimentos de encarecimento dos energéticos também fazem as empresas se movimentarem. E projetos que antigamente não faziam nenhum sentido econômico passam a ser repensados, como é o caso do gasoduto de 2.500 km que atravessa a África, indo da Nigéria a Marrocos.  Hoje, o projeto está sendo seriamente cogitado. A mesma coisa com a produção de gás em Israel junto com o Egito e a Palestina que era uma coisa politicamente impossível e agora se justifica, da mesma forma que a colocação de unidades de regaseificação na Europa para trazer gás do Qatar, de Trinidad Tobago e de outros mercados. É claro que eles têm um problema de curto prazo: passar por esse inverno. A notícia que chega é que, com o gás que esses países estão estocando em cavernas, se conseguirem reduzir o consumo de energia em 15% no inverno – que é possível se o inverno não for muito rigoroso – conseguem ultrapassar esse ano, mas pagando um preço bastante caro. Esse ano é mais complicado, ano que vem será melhor, e assim por diante, mas é o caminho para ficarem independentes do gás da Rússia, que diariamente respondia pelo fornecimento de 450 milhões de metros cúbicos, volume cerca de oito vezes o mercado brasileiro, que é de 80 milhões de metros cúbicos.

Esses novos projetos serão suficientes para a Europa conquistar soberania energética?

Isso não acontecerá na Europa, a não ser que mude totalmente o perfil de consumo. E aqui tem outro aspecto a ser considerado: o mundo se viciou na energia barata e o mundo consome muito. Se quisermos realmente fazer uma transição energética importante, teremos de contar com tecnologia e com mudança do paradigma, mas as pessoas terão de mudar o seu hábito de consumo, terão de se acostumar a outra situação de vida, sem o conforto da energia barata. É até possível que o principal recado dessa crise energética seja que a energia barata está com os dias contados.

Como fica a posição do Brasil nesse cenário?

Toda essa crise rearruma os fluxos de energia do mundo e gera oportunidade comercial inédita para o Brasil, como exportador líquido de energia. Assim, o mercado europeu pela primeira vez se tornou um mercado interessante para os energéticos brasileiros, sejam renováveis, sejam não renováveis. E a Europa está procurando um outro fornecedor para abastecimento. É claro que acho que o Brasil precisa se posicionar com relação a isso. Hoje, o conceito de segurança energética se pluga muito com o conceito de transição energética, tendendo para a soberania energética, condição que para alguns países é muito difícil, mas que o Brasil já venceu e se posiciona de uma maneira muito positiva nesses dois caminhos, tanto da transição energética, quanto da soberania energética. O Brasil hoje já cumpriu praticamente as metas do acordo de Paris: 47% da geração de energia brasileira é renovável, 83% da geração de energia elétrica é renovável, enquanto nos Estados Unidos é 19%.

No Brasil também mudou muito o desenho desse mercado nos últimos anos. Que aspectos destaca?

A abertura do setor de óleo e gás, iniciada em 1998 com a mudança na lei do petróleo para empresas não Petrobras, foi um processo que começou naquele momento e se consolida ao longo desses 25 anos, mostrando que o Brasil está no caminho certo no sentido de se abrir para investimentos não Petrobras. Em 1998, tínhamos apenas uma empresa autorizada a explorar petróleo no Brasil. Hoje, temos 58 empresas, de diversos tamanhos e perfis de negócio. Praticamente todas as grandes empresas petrolíferas estão operando no Brasil, porque é um país que tem uma geologia muito favorável. Isso é muito bom porque é geração de empregos e de renda, compra de equipamentos e de serviço.

E os investimentos, como caminham? Qual o futuro?

Estão programados para o setor, nos próximos dez anos, investimento de US$ 183 bilhões na área de exploração e produção no Brasil, o que corresponde a 2/3 dos US$ 250 bilhões de investimentos previstos para infraestrutura. Serão gerados cerca de 500 mil empregos especializados, para profissionais com conhecimento técnico, como engenheiro, técnicos de plataforma e de perfuração, pessoas com no mínimo segundo grau completo com curso técnico. Além disso, serão pagos US$ 65 bilhões em impostos ao poder público nos próximos dez anos.  Importante destacar que esses US$ 183 bilhões podem ser extrapolados para atingir US$ 300 bilhões, desde que seja mantida a estrutura de leilões oferecendo áreas para as empresas praticarem preços competitivos, alinhados aos preços internacionais, como todas as economias maduras do mundo. Também é necessário manter uma estrutura regulatória que seja razoável, pois um setor muito regulado dificulta a entrada de players no mercado. As exigências devem acontecer em um prazo razoável, para o investimento ser viabilizado.

Com a abertura do mercado e a venda de ativos pela Petrobras, para a empresa focar no pré-sal, como ficou o desenho do setor e, mais especificamente, a atividade de poços onshore?

Nesse segmento de óleo e gás existe como se fosse uma cadeia alimentar: há a grande empresa, como Petrobras, Chevron, Petronas, British Petroleum, etc, que se dedicam a projetos de grande tamanho, que exigem significativa mobilização de recursos e, portanto, apenas um grupo pequeno de empresas têm saúde financeira para tomar um risco desse. Mas, se descermos nessa cadeia, encontraremos empresas e projetos menores, como os campos onshore, os campos maduros, os campos em águas rasas, com quantidade enorme de projetos também interessantes para pequenas empresas por serem de pequena monta. Só nos Estados Unidos, onde esse setor é muito forte, 2,5 milhões de barris por dia são produzidos por esse segmento. Estima-se cerca de 10 mil postos onshore, basicamente na Bacia do Recôncavo (BA), na Bacia Capixaba, Rio Grande do Norte, além de alguma coisa em Alagoas, Ceará e Pernambuco. Soma-se a isso os poços em águas rasas no Espírito Santo, Alagoas, Sergipe, entre outros. O Brasil tem ainda muitas opções onshore e em águas rasas que nunca foram exploradas. Calcula-se que somente 8% do território das bacias sedimentares brasileiras são devidamente exploradas para fins de ocorrência de petróleo e gás. E especificamente nesse setor o potencial é muito grande. Alguns desses campos menores vendidos pela Petrobras estão produzindo 400% a mais de petróleo no mesmo campo, porque as novas proprietárias são mais especializadas, têm mais vocação, conhecem mais a realidade geológica e têm custo menor.

Como está evoluindo o setor de refino?

Aqui também existe uma abertura no mercado, mas ainda há poucas empresas atuando. A Petrobras fez um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no sentido de liberar 50% da sua capacidade de refino. Até agora, vendeu quatro refinarias (Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia; duas refinarias menores. uma no Paraná, que trabalha com Xisto, e outra no Rio Grande do Norte; e a Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas) e ainda detém 86% da produção. Há notícias de que outras empresas estão pensando em vir ao Brasil operar no refino, construindo refinarias não tão grandes quanto as da Petrobras na região de Pecém (PE), na Bahia perto de onde está a Refinaria Landulfo Alves. Nesse tema, o importante é a questão do preço do refino, que tem de ser um preço alinhado ao preço internacional, para atrair interessados, porque nenhuma empresa virá para o Brasil na possibilidade de o preço ser controlado ou abaixo do preço Internacional, pois nenhum investidor conseguirá superar este risco para vir ao mercado brasileiro.

As empresas que trabalham com petróleo e gás, estão também investindo em energias alternativas?

É muito difícil encontrar uma empresa que não esteja olhando para a energia alternativa, mesmo porque as empresas de petróleo possuem uma base tecnológica muito grande e têm vocação investidora em Pesquisa & Desenvolvimento. Por exemplo, quando o tema é eólica offshore, que recentemente passou a contar com uma norma sobre instalação dessas eólicas offshore, temos muitas empresas acostumadas a fixar plataformas no fundo do mar, já conhecem a questão das marés, têm uma atividade naval muito grande e, por isso, para colocarem uma eólica offshore é muito mais fácil do que uma empresa que nunca trabalhou no setor.

Outra área que se fala muito é a do hidrogênio. O setor de óleo e gás há mais de cem anos produz hidrogênio, só que é hidrogênio marrom, com origem no hidrocarboneto. Aqui é apenas mudar a origem da energia.

Há ainda uma terceira tecnologia, não menos importante, que é a geotermia. Muitas vezes, ao perfurar o poco, em vez de petróleo, encontra-se água quente. Não há diferença entre perfurar um poço de petróleo e um poço de água quente. Desse modo, a empresa de petróleo tem potencial para essas novas energias.

Como as empresas representadas pela ABIMAQ podem participar dessas oportunidades?

Pensando na ABIMAQ, essas são oportunidades gigantescas para o setor industrial brasileiro. A meu ver, a produção de equipamentos, de pás para energia eólica e de estruturas metálicas de plataformas vai movimentar muito o setor industrial brasileiro, afetando muitos segmentos da economia, pois o setor de óleo e gás tem uma atuação em praticamente todos os setores. Cabe lembrar que o setor de óleo e gás responde por 15% do PIB industrial brasileiro, o que não é pouco.

E como fica a discussão sobre conteúdo local?

Eu acho que todos os países do mundo têm a legítima preocupação com conteúdo local. A discussão é válida, é uma agenda que tem importância, porque a ocorrência de petróleo em determinado país é uma oportunidade para desenvolver uma indústria local. Por isso, vemos com naturalidade este tema ser colocado em pauta. Mas, como a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, entendemos a importância de uma política Industrial que incentive a produção de bens e serviços localmente, sem que isso gere ineficiência, porque no fundo se estaria subsidiando uma atividade e não deixando aquela atividade ser uma atividade competitiva em âmbito internacional. Quando uma empresa brasileira vende um conjunto de válvulas offshore que chamamos de “árvore de natal” para um projeto na Guiana é porque ela é competitiva, afinal o processo de procurement é aberto a empresas do mundo inteiro. Isso mostra que nesse campo – como em vários outros – o Brasil tem competência. Mas isto não significa o Brasil tenha vocação para fazer tudo dentro da indústria do petróleo. Precisamos identificar as vocações setorizadas e a partir delas conversar sobre aumentar o conteúdo local a partir de onde você tem a competência já existente. Como a construção de um edifício. Sempre começa pelo alicerce. Assim, qualidade do produto, preço e prazo de entrega são elementos que sempre devem estar conectados com uma política de conteúdo local. O conteúdo local hoje é de 2/3 e não apenas da plataforma, porque o grande valor de um projeto de petróleo offshore, por exemplo, está no mar ou enterrado embaixo da terra, e aí é que estão esses 2/3. Na Noruega, por exemplo, o índice de conteúdo local é de cerca de 70%.  Nenhum país atinge 100%. Por isso, para fazer uma política de conteúdo local sustentável a longo prazo, precisamos olhar nossas vocações e trabalhar em cima delas. A noção de cluster pode ser muito útil, já testada e aprovada na Ásia. A partir daí será possível ir aumentando paulatinamente e de maneira sustentável o controle local. Nós do IBP somos parceiros nessa discussão.