O Brasil está bem colocado no ranking internacional de pedidos de patente. Mas, poderia – e deveria – estar bem melhor.
Como se ‘mede’ o grau de desenvolvimento e inovação de um país? Para o cidadão comum, muito provavelmente pelo acesso imediato às novidades tecnológicas, pelo usufruto do pleno estado de direito, ou, ainda, pela segurança para empreender sem temores, ou desconfianças. Para o especialista, ou observador com formação acadêmica, existem outros identificadores mais complexos como, por exemplo, o número de pedidos de patentes depositado por um país ao longo de períodos determinados.
Curioso é perceber que, tanto na primeira avaliação – empírica, do cidadão comum – quanto na segunda – estruturada, do especialista – há mais coincidências que discordâncias. Para o cidadão comum, por exemplo, levando-se em conta a simples observação diária, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, França, Alemanha, são nações consideradas desenvolvidas e de grande poder econômico. Para o especialista, uma consulta às estatísticas de órgãos internacionais como a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) constataria que as mesmas nações listadas pelo cidadão comum, também encabeçam o elenco das que mais depositam pedidos de patentes em todo o planeta. Semelhança acidental? Não, em hipótese alguma. De fato, existe relação intrínseca entre o número de patentes registradas por um povo e seu grau de desenvolvimento.
Particularmente, qual a posição ocupada pelo Brasil em relação a essas duas referências – grau de desenvolvimento e inovação e número de patentes depositadas? No que diz respeito ao grau de desenvolvimento, de inovação, não há como negar – o Brasil ocupa lugares de liderança global em alguns segmentos, como o aeronáutico, da mesma forma que cai para posições menos lisonjeiras em outros. Em relação ao número de patentes, ao contrário do que supõe a fértil imaginação popular, o Brasil está bem posicionado no ranking global de pedidos depositados. Na última estatística oficial da OMPI, referente ao exercício 2016 (ano base 2015), o Brasil ocupava a 9ª posição entre as vinte principais nações (descontado o ‘escritório’ europeu) em depósitos formais de patentes, com um total de 30.219 pedidos. Aliás, essa é posição que o País vem ocupando desde 2010.
China, na frente
As listagens disponibilizadas pela OMPI, por sinal, são reveladoras e confirmam o acerto do empirismo popular, quando cotejam as nações consideradas desenvolvidas pelo senso popular com o rol das maiores depositantes em pedidos de patentes e, consequentemente, as mais avançadas do planeta. Pela última contabilidade oficial apresentada pela organização (envolvendo, na oportunidade, 148 Estados e relativa ao exercício de 2016, ano base 2015), o mundo somou o registro de 2,88 milhões de pedidos de Patentes (incluindo Invenção, Modelo de Utilidade e Certificado de Adição); 8,44 milhões de registros de Marcas; 1,14 milhão de registros de Desenho Industrial. Só a China, primeira colocada nesse ranking, respondeu por 1,10 milhão dos pedidos de registros de patentes (quer dizer, 38,2% do total global distribuídos entre Invenção, Modelo de Utilidade e Certificado de Adição). Em segundo lugar posicionou-se os Estados Unidos (589,4 mil pedidos de registros), seguido de Japão (318,7 mil), Coreia do Sul (213,7 mil), Alemanha (66,8 mil), Índia (45,6 mil) Federação Russa (45,5 mil), Canadá (36,9 mil) e Brasil, com os mencionados 30,2 mil pedidos de registros.
Mais um detalhe revelador extraído da planilha da OMPI: com os 1,10 milhão de pedidos, a China supera, pela primeira na história da OMPI, a marca do ‘milhão’ de requerimentos de patentes na entidade.
Quer mais? No curto espaço de dez anos (de 2005 a 2015), a China passou do terceiro lugar no ranking global da entidade, com 173,3 mil pedidos (atrás de Japão, com 427 mil pedidos, e Estados Unidos, com 390 mil pedidos), para o topo da lista, com mais que o dobro de pedidos encaminhados pelo segundo colocado, os Estados Unidos.
No Brasil, o órgão responsável pelo acolhimento, deferimento, ou recusa, dos pedidos de patente é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia vinculada ao Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Suas estatísticas são bastante completas e igualmente reveladoras. De acordo com o último boletim interno (mês de junho deste ano, reportando-se aos doze últimos meses correntes), o INPI registrou 30.166 pedidos acumulados de patentes (período junho/2016 a maio/2017), o que significa queda de desempenho de 7,9% sobre o mesmo período anterior (32.769 depósitos acumulados de patentes).
Independente desses desempenhos, Luiz Otávio Pimentel, presidente do INPI, comenta que “o Brasil tem grande potencial para crescer no âmbito da propriedade intelectual e ampliar a proteção às criações industriais, de modo a estimular os investimentos em inovação e garantir segurança jurídica a quem investe em pesquisa e desenvolvimento no País”. Esse potencial, diz ele, “pode, e deve, ser explorado para incentivar o desenvolvimento nacional”. Os resultados ‘brutos’ alcançados no âmbito do INPI não são de forma alguma desestimulantes, quando comparados aos de nações que ocupam os demais grupos no universo global dos depósitos de patentes – o primeiro grupo compreende as nações não signatárias de tratados internacionais na área da OMPI; o segundo compreende as principais nações depositantes de pedidos de patentes; o terceiro formado por nações que desfrutam do mesmo patamar de registros do Brasil; e o quarto grupo constituído pelo restante das nações cujos números anuais de registros são sempre muito baixos.
Exames prioritários
De fato, os números apresentados pelo Brasil, por intermédio do INPI, são interessantes e podem ser ainda melhorados, de acordo com o próprio presidente da autarquia. Em que pese essa categorização internacional positiva, tal desempenho esconde detalhes nem sempre tão aparentes, que acabam turvando o significado mais amplo dos resultados expostos. Duas questões importantes, por exemplo, passam despercebidas quando observa-se apenas o resultado ‘bruto’ exposto pelo INPI. Primeira, o tempo de demora no Brasil para decisão de um pedido de patente. A segunda, o número residual de pedidos de patentes ainda pendentes de decisão final (também chamado ‘backlog’) por parte do INPI.
No primeiro caso, em relação ao tempo médio demandado para decisão de um pedido de patente no INPI, coexistem ‘verdades’ e ‘mentiras’. Como ‘verdade’ o próprio INPI reconhece que, na média, “o tempo de espera supera dez anos”. Na condição de ‘mentira’, explica o coordenador de Difusão Regional e Relações Institucionais INPI/São Paulo, Mauro Catharino Vieira da Luz, “encontra-se a falsa imagem de que todos os pedidos que ingressam no INPI demoram dez anos, ou mais, para alcançarem a condição de registro concedido”. Repare, continua ele, “que quando se comenta que o ‘período médio’ para obter uma patente no Brasil demora muito, estamos desconsiderando os extremos que, em alguns casos pode chegar a doze anos, como também pode demorar, em outros casos, três anos, dependendo da categoria à qual o pedido foi registrado”.
Para combater o tempo de espera de forma proativa, o INPI colocou em prática “exames prioritários”, em condições de reduzir o tempo de espera por uma patente a dois/três anos (em média), podendo chegar, em alguns casos especiais, a até dezoito (18) meses. Ao todo são sete as condições especiais – ‘Tecnologias verdes’ (envolvendo tecnologias voltadas ao meio ambiente); ‘Produtos para saúde’ (patentes destinadas ao Sistema Único de Saúde – SUS); ‘Prioridade BR’ (envolvendo prioridades já existentes no INPI); ‘Patentes MPE’ (para micro e pequena empresa); ‘Patentes ICTs’ (para instituições de ciência e tecnologia); ‘Idade, uso indevido do invento, portador de deficiência, física, ou metal, ou de doença grave, pedido de recursos de fomento, objeto de emergência nacional, ou interesse público’ (para depositantes com mais de 60 anos, além de outras condições decorrentes da idade elevada); e os já conhecidos ‘Patent Prosecution Highway (PPH), para patentes cuja matéria foi considerada patenteável por escritório parceiro do INPI.
Em todas essas condições o tempo de espera pela aprovação de uma patente é bastante reduzido. Fora dessas condições a espera pode continuar longa. Em particular sobre os PPHs, o presidente do instituto, Luiz Otávio Pimentel, informa que “o Brasil já tem acordos vigentes com os Estados Unidos e Japão”. Também estão em discussão os moldes desta cooperação com o escritório Europeu de patentes e logo entrará em vigor o acordo assinado com os países sul-americanos que integram o Prosur. A principal vantagem do PPH, afirma Pimentel, “é permitir que o exame da patente num país seja acelerado a partir da análise já realizada em outro país, pois, para apurar se uma patente preenche requisitos como novidade e atividade inventiva, é preciso fazer uma busca no mundo inteiro”. Além dos acordos assinados e em discussão, o Brasil também recebeu proposta da China, cuja aceitação final está em análise.
Patentes pendentes
No segundo caso, ao final do ano passado, o número de patentes pendentes de decisão final no âmbito do INPI atingiu 243,8 mil pedidos (o chamado ‘backlog’ em primeira instância). No ano anterior, em 2015, esse número era de 242,1 mil pedidos à espera de decisão da autarquia. Para os próximos exercícios espera-se aumento desse número (até 2020), quando deverá atingir 269,7 mil pedidos. No caso de Marcas, a situação é ainda mais crucial: em 2015 eram 474,6 mil pedidos pendentes de primeiro exame; em 2016, 421,9 mil; e neste ano espera-se chegar a 433,3 mil pedidos de Marcas na lista de espera, com previsão de atingir-se 2020 ainda com pendência de 332,4 mil pedidos.
Mas, por que tantas ‘patentes’ e ‘marcas’ assim, à espera de aprovação? A razão é muito simples e vem sendo enfrentada pelo presidente da entidade, Luiz Otávio Pimentel, de forma transparente – não há número adequado de examinadores dentro da instituição capaz de dar solução ao problema. “O INPI tem cerca de 350 examinadores, sendo que 150 deles estão em treinamento porque foram nomeados recentemente”, explica o principal executivo do instituto. O quadro máximo de examinadores permitido ao INPI é de 810 profissionais e o efetivo atual é de menos da metade (na verdade, 43,2%) do total possível.
Estratégia de negócio
De acordo com Anita Dedding, gerente divisional de Tecnologia Industrial, da ABIMAQ, um aspecto precisa ser destacado, quando o assunto envolve Propriedade Intelectual dentro da associação: a ABIMAQ orienta regularmente as empresas associadas no sentido de buscarem seus registros de patente. Ou seja, há interesse declarado da entidade no sentido de que seus associados protejam suas invenções a partir de registros de patentes, seja no âmbito do INPI, ou de abrangência internacional. A Divisão de Tecnologia Industrial (DTEC), ligada à diretoria de Tecnologia da ABIMAQ, explica Anita Dedding, “dissemina junto aos seus associados à importância da Propriedade Industrial, inserida no âmbito da Propriedade Intelectual, como estratégias de negócios, transmitindo conhecimentos sobre os principais conceitos de marcas, patentes, transferências de tecnologia, informações e prospecções tecnológicas”.
Recentemente, inclusive, representantes do Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) mantiveram contato com a gerente divisional da ABIMAQ para ‘avançar’ alguns aspectos envolvendo Propriedade Intelectual no Brasil. A entidade, comenta Anita Dedding, “manifestou-se, como vem manifestando-se regularmente, contra a lentidão para análise dos processos, que afeta diretamente a competitividade e a capacidade de inovação da indústria nacional”. Como sugestão a ABIMAQ reforça a argumentação geral de que a instituição precisa elevar o número de examinadores. Para acelerar a análise de patentes, sem a perda da autonomia do INPI, a ABIMAQ apoia o projeto Patent Prosecution Highway (PPH), via rápida para acelerar processos de patentes por meio da partilha de informações entre Escritórios Oficiais de Propriedade Intelectual. “O PPH permite que esses escritórios beneficiem-se do trabalho previamente realizado pelo escritório parceiro, diminuindo os prazos de análise”, acrescenta a gerente divisional da associação.
Entre os principais motivos apresentados pela ABIMAQ junto aos seus associados em relação à importância dos registros de patentes e marcas, Anita Dedding lembra que “a proteção legal de ativos é tão importante que o INPI é vinculado ao MDIC”. No comércio exterior, completa ela, “os documentos de patentes aumentam a capacidade e poder nas negociações e é parte integrante de Contratos de Transferência e Licenciamento de Tecnologia”. A proteção legal do direito do uso de marcas e patentes, assinala Anita Dedding, “deve garantir a exclusividade, impedir a cópia e ampliar a competitividade, pois, só a proteção no Brasil, não assegura o direito de proteção de uma invenção nos países para os quais se pretende exportar”.
Guias direcionados
Outra entidade que permanece ativa, disseminando conhecimento e difundindo informações sobre Propriedade Intelectual é a Confederação Nacional da Indústria (CNI). De tão importante que considera o tema, a CNI acaba de realizar, em São Paulo, o 1º Seminário de Propriedade Intelectual, numa iniciativa que contou com a participação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). O evento debateu o papel do multilateralismo e bilateralismo nas discussões sobre propriedade intelectual, as medidas recentes para tornar o sistema brasileiro de propriedade industrial mais eficiente, o uso da proteção ao conhecimento por brasileiros no exterior, a indústria criativa e o futuro da propriedade intelectual. “Por muito tempo o Brasil privou-se de maior participação em discussões globais e agora vemos a necessidade de recuperar o tempo e o espaço perdido e, com certeza, um dos temas que precisamos colocar melhor é o da propriedade intelectual”, comentou o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi.
De seu lado, a confederação vem realizando trabalho esclarecedor em relação ao tema Propriedade Intelectual. Fabiano Barreto, da gerência Executiva de Política Industrial da CNI, lembra que a instituição vem produzindo e distribuindo aos interessados (jornalistas, professores, empreendedores) guias direcionados através dos quais apresenta e aprofunda a discussão sobre a necessidade de o empresário/inventor brasileiro “registrar as patentes perante órgão responsável”. Fabiano Barreto lembra que a CNI vem desempenhando papel crítico e proativo ao encaminhar, sempre que considera essencial, sugestões aos órgãos e entidades governamentais visando agilizar processos internos relacionados à emissão de registros de propriedade. Em relação ao público, explica o representante da gerência Executiva da confederação, “a CNI mantém-se ativa informando sobre a importância crucial que representa a questão da Propriedade Intelectual”.
Para Juliana Correa Crepalde, coordenadora Geral da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica, da Universidade Federal de Minas Gerais (CTIT/UFMG), a posição da instituição que representa não difere muito das apresentadas pela ABIMAQ e CNI. Da mesma forma que observa aspectos críticos dentro do principal instituto responsável pela emissão de direitos de propriedade intelectual do País, também destaca a importância e significado da autarquia não apenas na concessão dos direitos mencionados, mas, como agente definidor, em última instância, de condições voltadas ao aperfeiçoamento e impulso de produtos brasileiros no mercado internacional.
Vale destacar que a UFMG posiciona-se, ano após ano, nas posições de lideranças em pedidos de patentes junto ao INPI. Esse é o resultado, segundo Juliana Crepalde, “de trabalho desenvolvido no sentido de proteger o conhecimento produzido na instituição”. A CTIT atua na gestão do conhecimento científico e tecnológico gerado na UFMG e tem política interna de incentivo, junto aos seus pesquisadores, ao registro de propriedade perante o órgão competente. Criada em 1997 a CTIT ostenta em seu acervo de registros, desde então, números invejáveis – 829 pedidos de patente, 103 registros de marcas, 56 registros de softwares e 187 desenhos industriais. Ao todo são 829 pedidos de patente em âmbito nacional e 346 de abrangência internacional. Grande parte do sucesso das atividades da CTIT é ‘medido’ pelos números de depósitos de propriedade intelectual registrados pela universidade. Outra forma de mensurar o acerto desse trabalho deriva das conexões estabelecidas com o mercado. “Hoje a UFMG tem 89 licenciamentos de tecnologia e esse é um número expressivo para nós”, informa Juliana Crepalde.
Consulta de avaliação
Para o cidadão comum, pessoa física, inventor, ou para uma instituição acadêmica, empresa, ou centro de pesquisa, desejosos de entrar com um pedido de patente junto ao INPI, uma prática comum consiste em recorrer aos inúmeros escritórios de patentes espalhados pelo Brasil. A principal função desses escritórios baseia-se, na verdade, “em proteger a propriedade intelectual de seus clientes sob todas as formas possíveis, incluído copia, plágio e uso indevido por terceiros”, de acordo com Bruna Suemy, do departamento de marketing da Vilage Marcas e Patentes, com sedes nas principais cidades do Brasil, além de Miami e Londres. Tudo começa com uma consulta de avaliação envolvendo a liberdade de uso de uma inovação através de buscas de anterioridades utilizando banco de dados mundiais, antes do depósito do pedido de patente.
Essa busca, explica Bruna Suemy, “é de extrema importância para avaliar a possibilidade de o pedido tornar-se uma carta patente, ou se o cliente não infringirá direitos de terceiros”. A questão inerente ao custo operacionais do processo, ou custos, deve ser bem definida entre as partes, incluindo a manutenção do registro, com o rígido cumprimento dos recolhimentos das anuidades requeridas. No caso da Vilage, estatísticas internas demonstram que o escritório já protocolou, no período de 2005 a 2015, mais de 31 mil marcas, sendo que desse total 20 mil (ou 65%) foram deferidas, quer dizer, o registro foi concedido.
O compromisso do escritório de marcas e patentes é essencial no encaminhamento e acompanhamento de todo o processo junto ao INPI, ou órgão internacional, influindo diretamente no tempo de analise por conta da qualidade de execução de todo esse serviço. Por exemplo, ensina Bruna Suemy, “é essencial assegurar uma redação que atenda os requisitos de patenteabilidade e com suficiência descritiva, para que na fase de exame o processo não sofra exigências, ou pareceres técnicos críticos por parte do examinador do INPI”.