Relação homem-máquina se fortalece com ganhos para a indústria e o trabalhador

A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) defende que o trabalho integrado e a adoção de conceitos de robótica, inteligência artificial, análise de dados e a internet das coisas – conhecidos como Manufatura Avançada ou Indústria 4.0 – poderiam gerar economia de R$ 73 bilhões ao ano na matriz produtiva brasileira, resultantes da redução dos custos com reparos em manutenção, que podem chegar a R$ 35 bilhões ao ano; dos ganhos proporcionado pela maior eficiência produtiva, estimados em R$ 31 bilhões; e de diminuição de R$ 7 bilhões no gasto com energia.

O impacto desse montante é ainda maior quando o valor é comparado à soma do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados de Roraima, Amapá, Acre e Rondônia: R$ 72 bilhões segundo dados de 2015 divulgados pelo IBGE em novembro de 2017.

Sem investir em Manufatura Avançada, indústria perde mercado e tende a desaparecer

E, no que depender das empresas participantes do Grupo de Trabalho de Manufatura Avançada (GTMAV), da ABIMAQ, essa economia sinalizada pela ABDI, mais do que concretizada, pode ser potencializada com a inserção de tecnológicas como a robótica colaborativa, aquela em que os robôs coexistem permanentemente ao lado do operador, favorecendo aperfeiçoamento da mão da obra, menos incidência de lesões por esforço repetitivo e do absenteísmo, melhoria da qualidade de trabalho e dos indicadores de segurança e salubridade.

Esse movimento, que teve início nos últimos dez anos, além de gerar dramáticas mudanças nas indústrias e nos processos de manufatura em geral, propicia redução de custos e ganhos em agilidade na implementação de projetos em ambientes onde o uso da robótica convencional exigiria equipamentos periféricos e de engenharia de hardware e software extremamente complexos e onerosos. Locação também aparece como uma opção relevante.

Troca de experiências

Multidisciplinar, o GTMAV foi criado há três anos e congrega 57 associados, com atividades de fabricante de software e de robôs, assessoria, pneumáticos, e o integrador, “que é uma empresa de engenharia, que vai montar a proposta, vender e entregar para o cliente final a linha funcionando”, resume seu coordenador, Bruno Gellert.

Entre as atividades desenvolvidas nas reuniões mensais está o debate de padrões, marcos regulatórios, normalização, certificações, com gestões inclusive junto com o governo para poder aumentar o fluxo de automatização com robôs colaborativos, assim como a apresentação de uma empresa-cliente com proposta de Manufatura Avançada, que apresenta o plano e se propõe a trocar, com o grupo, ideias, problemas, soluções etc.

“Presenciamos a entrada do robô colaborativo na pauta dessas empresas, no projeto e no programa estruturado de investimento, e as experiências são boas para o grupo. Além disso, cada vez mais as pessoas estão entendendo como essa tecnologia pode ser usada e estão investindo em testes e aplicações”, informa o coordenador, reforçando o conceito de que, se não investir nas novas tecnologias – seja robô compartilhado, inteligência artificial, ou qualquer outra tecnologia vinculada ao conceito de Manufatura Avançada –, “a indústria vai desaparecer. E quem não faz nada nesse sentido já está ficando para trás”.

Pessoas com o DNA da empresa exercem tarefas mais complexas e interativas

Os robôs industriais convencionais permitem alto peso e alta velocidade, mas, geralmente precisam estar enclausurados para garantir a segurança, enquanto os colaborativos podem trabalhar no mesmo ambiente que o Homem e serem instalados em carrinhos, suspensos ou em tabletop (mesa), constituindo-se, portanto, tecnologias díspares, com finalidades diferentes, resume Denis Pineda – gerente de desenvolvimento de negócios da Universal Robots para Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, empresa dinamarquesa que lançou o primeiro robô industrial com características colaborativas em 2008, após três anos de pesquisa, e dedica-se unicamente à produção desse equipamento.

“A grande quebra de paradigma que o robô colaborativo trouxe foi possibilitar a convivência, no mesmo espaço, do robô e de uma pessoa, conectando a engenhosidade humana com tecnologia avançada em situações nas quais são possíveis ganhos de eficiência e de competividade do preço do sistema. Inserir um robô colaborativo na produção devolve força para o operador, porque ele para de fazer o trabalho não-cognitivo e repetitivo e passa a pensar, monitorar e fazer os ajustes necessários ao longo do processo. Os cobots (nome usado em inglês para definir robôs colaborativos industriais) são ferramentas que trazem pessoas para o processo produtivo, capacitam e melhoram a condição técnica do trabalhador”, destaca o gerente da Universal Robots.

A tecnologia aplicada em linhas de produção, na visão de Tobias Daniel, diretor de Vendas e Marketing da Comau, garante colaboração real entre o homem e a máquina. “Os robôs industriais não estão mais confinados, mas podem trabalhar próximos aos operadores com total segurança. Eles contribuem para tornar os processos industriais mais abertos, conectados e simples de usar e de entender”, declara, ao explicar que, para a Comau, “o termo HUMANufacturing representa a maneira como atuamos na Indústria 4.0, reforçando o valor humano no ambiente de manufatura. É justamente essa abordagem que utilizamos para enfrentar os desafios e as necessidades de um mercado em constante mudança”.

Mercado em expansão

Algumas certezas já permeiam o ambiente da robótica colaborativa, atividade recente, que vem sendo desenvolvida no mundo todo há cerca de dez anos, mas que ganha espaço rapidamente, devido a suas características e benefícios.

Nesse período, alguns temores também foram afastados, como a substituição do homem pela máquina. “Trocar operador em dois ou três turnos, em processos repetitivos, por robôs é vantajoso, sem gerar desemprego, pois, se não robotizar a linha de produção, a empresa não terá competitividade mundial e, como consequência, reduzirá sua atividade ou até fechará, demitindo funcionários. O investimento em automação e robótica, ao contrário – e a exemplo do que ocorreu em vários países –, aumenta a competitividade, estimula o crescimento das fábricas e a volta da manufatura ao Brasil, com certa escala. E mais: geramos emprego e trabalhamos com um profissional mais capacitado e melhor qualificado, com maior poder de raciocínio e de interação”, resume Gellert, descrevendo o círculo virtuoso que caracteriza essa revolução em todos os mercados.

Os números comprovam a teoria. Dados divulgados em setembro de 2017, relativos ao ano anterior, pela International Federation of Robotics (IRF), sediada nos EUA, mostram que, durante 2016, no mundo todo foram entregues 294 mil unidades de robôs industriais (segundo a Federação estão inclusos nesta categoria os equipamentos de uso industrial de três ou mais eixos incluindo scara ou aranha, cartesianos muito usados na indústria de injeção de plástico e obviamente os braços articulados de até sete eixos). A estimativa é que o mercado deve crescer em média 15% ao ano, atingindo, em 2020, a marca de 520 mil robôs. Desses todos, os robôs colaborativos responderam em 2015 por apenas 5.000 unidades, ou seja 2% do volume de robôs industriais, com exponencial previsão de crescimento de 70% ao ano.

“Enxergamos o robô colaborativo com a possibilidade de criação de valor humano na produção, porque permite que pessoas já capacitadas, com o DNA da empresa, exerçam outras tarefas cognitivas, deixando ao cobot a tarefa repetitiva. Por isso, puxarão a evolução do mercado de robôs industriais”, comemora Pineda, citando estudo pontual do MIT (sigla em inglês para Massachusetts Institute of Technology), veiculado na Financial Times de 5 de maio de 2017, que comparou processos 100% manuais, 100% robotizados e com cobots. A pesquisa mostrou que um sistema de robô com pessoas é 85% mais produtivo do que o processo completamente robotizado ou completamente manual, porque no processo conjunto, há o homem com capacidade cognitiva ao lado da máquina com processo repetitivo e que, ao interromper a atividade por algum problema, como variação do processo ou falta de matéria-prima, o retorno à operação depende da ação humana.

Uma fórmula comumente utilizada para dimensionar o mercado no mundo da robótica envolve o indicador demográfico, que mostra a quantidade de robôs para cada 10 mil empregados em manufatura. A média global, de acordo com o IRF, é 74 robôs para cada 10 mil trabalhadores. O Brasil aparece no final do ranking, com 11 robôs a cada 10 mil. Os primeiros lugares nas Américas são ocupados por EUA, com 176, e Canadá, 136. O México e a Argentina situam-se à frente do Brasil, com 33 e 16, respectivamente.

Considerando a mesma metodologia, mas com um olhar sobre a segmentação, a indústria automotiva é a mais automatizada. Ainda sob a perspectiva do indicador demográfico, a Coréia do Sul lidera com 2.145 robôs, seguida de Estados Unidos (1.261) e Japão (1.240). Nesse ranking, o Brasil aparece com 147 robôs/10.000 empregados. Se considerados todos os demais segmentos industriais, a Coréia do Sul ainda lidera, com 475; em segundo lugar está o Japão, com 214, seguido da Alemanha, com 181, e, bem depois, aparece o Brasil, com apenas 5 robôs/10.000 funcionários.

Citando o investimento dos fabricantes na difusão da tecnologia de modo a ampliar o número de máquinas por colaborador, reduzindo a defasagem do País frente a outros países, inclusive da América Latina, como a Argentina, Rodrigo Costa, gerente Regional de Vendas da Motoman Robótica do Brasil, informa que a tecnologia encontra aplicação em “todos os segmentos industriais com operações de manipulação, proporcionando aumento da qualidade de vida em substituição às tarefas repetitivas e insalubres e diminuindo custo para repasse ao consumidor final”.

Cultura e realidade

O processo brasileiro de absorção de tecnologias sofre consequências históricas e econômicas. No entanto, otimista, o coordenador do GTMAV nota “que a dificuldade é presente em todo o mundo, até porque a inclusão de tecnologias digitais na indústria é algo que está acontecendo, globalmente, de cinco anos para cá. Além disso, sua adoção exige mudanças estruturais, e a intensidade do choque, dependendo da cultura e da capacidade inovadora da empresa, varia, mas é sempre generalizada, envolvendo desde o presidente até o nível mais baixo da hierarquia. Por isso, há algum tempo, o robô era visto como um concorrente, hoje é um colaborador”.

Rodrigo Bueno, gerente geral da Unidade de Negócios de Robótica da ABB, falando sobre os impactos da tecnologia na sociedade, ressalta que a combinação de robótica industrial e inteligência artificial representa grande oportunidade. “Atualmente, apenas 2% dos robôs industriais estão conectados a centros de monitoramento remoto. Os sistemas de robôs industriais modernos não precisam ser desligados para programação ou otimização; engenheiros podem realizar simulações com ferramentas de programação offline, usando o mesmo software que executa na produção. No Brasil, algumas indústrias brasileiras já automatizaram seus processos, mas ainda há muito a fazer no sentido da manufatura digital. A indústria brasileira passa por uma transição rumo à digitalização”, revela.

O conceito de colaboração, juntamente com os parâmetros da Manufatura Avançada, para o diretor de Vendas e Marketing da Comau, “ganha evidência e, com a retomada do crescimento econômico, as empresas têm voltado a investir em tecnologia, na melhoria e na otimização de processos e na digitalização do ambiente de trabalho para reduzir ou evitar perdas de matéria-prima, horas produtivas e até mesmo identificar a necessidade de manutenção dos equipamentos em tempo real”.

Na mesma linha de pensamento, Edouard Mekhalian – diretor geral da Kuka Roboter do Brasil – cita trecho de uma das últimas apresentações da IFR, no Study of Mannheim Centre for European Economic Re­search (ZEW), Alemanha, e na University of Utrecht, Holanda, em 2016. Segundo ele, os cinco pontos são um mantra que movem “os principais países desenvolvidos na implementação maciça de automação e robótica (convencional e/ou colaborativa)” e resumem o grande desafio para o Brasil, já vencido em outros países. Em tradução livre, o texto preceitua: A automação tem um efeito positivo na demanda do trabalho na Europa. Reduz os custos de produção e os preços dos produtos. Como decorrência, diminui os preços dos produtos e aumenta a demanda por produtos, gerando emprego.

“Não basta apenas o robô ser colaborativo, a célula toda precisa ser colaborativa”, alerta Silvio Dias Luqueti, engenheiro de Vendas da Fanuc, lembrando que a solução é passível de ser aplicada nas mais diversas áreas e para os mais variados fins. “O Brasil posiciona-se atualmente como usuário destes equipamentos, mas temos algumas restrições, mitos e paradigmas a serem esclarecidos. A demora na renovação de nossa legislação industrial nos deixa em posição de desvantagem em relação ao mundo”, denuncia.

“Lá fora, nos principais países desenvolvidos, na China, na Índia, na Rússia, entre outros, este foco está muito claramente direcionando o desenvolvimento de suas indústrias, produtos e mercado. A ordem é conquistar o mundo”, sintetiza Mekhalian.