Uso de laser em ambientes industriais: na falta de legislação específica, vale a NR-12

Um mercado em transformação decorrente do crescimento das aplicações de laser em ambientes industriais, principalmente para corte, dobra e solda, responde por debates quanto à segurança física dos operadores e de todos que circulam no local onde a máquina está instalada, envolvendo a necessidade de enclausuramento do laser.

Fabricantes, integradores, engenheiros e responsáveis por segurança defendem a imprescindibilidade de a análise de risco do projeto eletromecânico (ou a Anotação de Responsabilidade Técnica-ART, como é definida pelo Sistema Confea/Crea) acompanhar as máquinas, comprovando a adequação do equipamento à NR-12, que trata da segurança no trabalho em máquinas e equipamentos.

Os equipamentos ainda devem atender à classificação do laser segundo a norma norte-americana ANSI Z136.1-2014, que define os lasers usados em ambientes industriais como Classe 4, pois são de alta potência e, portanto, geram danos aos olhos e à pele. De acordo com os especialistas, para esta classe não há limite de potência e o maior perigo está na geração de chamas, sendo recomendada a utilização de salas de segurança para lasers (LSO).

No entanto, há controvérsias, pois para alguns a NR-12 estaria mais vinculada à saúde e à integridade física dos trabalhadores, estabelecendo requisitos mínimos para a prevenção de acidentes e doenças do trabalho nas fases de projeto e de utilização de máquinas e equipamentos, não incluindo, portanto, aspectos como o fato de o laser estar ou não enclausurado.

Situação exposta pelos entrevistados sinaliza práticas que vêm sendo adotadas que contrariam essa premissa, pois há fabricantes, revendedores e integradores que chegam a colocar o fornecimento da ART como opcional. Ou seja, a adequação do equipamento à norma é um adendo ao fornecimento e, portanto, tem um custo extra.

A esse quadro agrega-se o fato de, no caso de ocorrer fiscalização por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, o comprador da máquina e a fabricante serem multados. No primeiro caso, por utilizar máquinas sem adequação à norma, e no segundo, por todas as máquinas fornecidas sem a ART.

Evolução das máquinas

Todo esse cenário tem como pano de fundo, segundo João Carlos Visetti, CEO da Trumpf Brasil, o desenvolvimento de máquinas mais produtivas e velozes, que despertam o interesse de mais e mais usuários, com ganhos expressivos na qualidade do acabamento, na precisão tanto do corte e da dobra, quanto da solda e da gravação, assim como em agilidade da produção, baixo custo, larga escala e em cortes projetados em AutoCad, entre outros.

Os diferenciais do laser frente às outras tecnologias de corte, dobra e solda, são destacados pelos entrevistados, e as palavras de Tânia Barros, diretora de Novos Produtos e Inovação da Messer Cutting Systems, resumem as opiniões : “A versatilidade do laser de fibra é notável, permitindo cortes precisos em uma ampla gama de materiais, desde metais ferrosos e não ferrosos até materiais não metálicos. Sua qualidade de corte superior, bordas suaves e capacidade de lidar com geometrias complexas eliminam a necessidade de etapas secundárias de processamento. Além disso, o laser de fibra ocupa menos espaço físico em comparação com seus equivalentes CO2, o que é uma vantagem valiosa em ambientes de produção”.

Tânia Barros comenta, ainda, que “a tecnologia também se destaca pela sua integração perfeita com conceitos da Indústria 4.0, permitindo automação avançada e eficiência na produção. A redução do consumo de energia não apenas contribui para economias substanciais, mas também se alinha com as metas de sustentabilidade das empresas. Com suas diversas vantagens, o laser de fibra continua a moldar o panorama da indústria com eficiência aprimorada, qualidade superior e maior sustentabilidade”.

Essas qualidades vêm sendo desenvolvidas e aperfeiçoadas ao longo dos anos, explica Visetti, usando como exemplo a própria evolução da Trumpf, empresa de alta tecnologia, que oferece soluções de fabricação nas áreas de máquinas-ferramenta, tecnologia laser, eletrônica e Indústria 4.0: “Se olharmos somente as máquinas 2D, as vendas vêm oscilando desde 2013/14, quando atingiu o pico no mercado nacional, com US$ 127 milhões, considerando todas as marcas. Isso se deve ao desenvolvimento tecnológico, que turbinou as máquinas. Oito anos atrás, uma máquina laser de fibra de 6 kW era considerada de alta potência. Hoje, nossas máquinas cortam três a cinco vezes mais material, com o dobro ou o quádruplo da potência. Isso representa pelo menos quatro vezes mais produção do que há dez anos, considerado o melhor período da série histórica”.

O laser classe 4 exige atenção e prevenção de fugas

Abreviação em inglês de “Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”, que, em tradução para o português significa Amplificação da Luz por Emissão Estimulada de Radiação, a potência do laser está diretamente relacionada à espessura e ao material a ser trabalhado.

Como dispositivo que cria e amplifica um intenso feixe de luz monocromática, organizado e que se propaga como um feixe, emitindo radiação ionizante, afeta as camadas internas da pele e dos olhos, principalmente a retina, sendo indolor e favorecendo o surgimento do câncer e a cegueira.

“Como a reflexão é inerente ao processo de corte, dobra e solda e diretamente dependente da qualidade do feixe emitido, para poder estar em operação em algum ambiente, seja em uma indústria, seja em uma exposição de máquinas, é imprescindível que a luz não seja vista do lado de fora. Isso é obtido com o enclausuramento do laser, em um gabinete, uma cabine, por vidros, com portas e fundo fechados e um sistema de segurança que impeça a máquina de operar aberta”, detalha Visetti.

As recomendações estão fundamentadas em normais internacionais, em especial na norte-americana ANSI 136.1 e na europeia IEC 60825/1, de 2014, pois no Brasil ainda não há legislação específica para o processo e, por isso, a base é a NR-12.

Assegurar um ambiente operacional seguro e protegido exige o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) pelos operadores, a exemplo de óculos com proteção contra raios laser, proteção para a pele, manga e luva, proteção para a face etc. As máquinas podem ser equipadas com cortinas de proteção antichamas confeccionadas em PVC Screenflex ou policarbonato com densidade óptica, capaz de bloquear a radiação laser no comprimento de onda utilizado pela máquina.

O local e a máquina também devem contar com sistemas inteligentes de detecção de presença humana, como laser scanner de presença humana, que possui a função de bloquear o uso caso detecte a presença de uma pessoa na área de trabalho. A relação inclui chaves de segurança e botões de emergência estrategicamente posicionados no equipamento, facilitando a interrupção imediata das operações em caso de risco iminente.

No âmbito dos riscos elétricos, Visetti inclui aterramento adequado e chaves seccionadoras apropriadas, garantindo a segurança dos operadores durante as operações. Já Gustavo Carlos Afonso, diretor de engenharia da Metalique frisa a necessidade do fornecimento de manuais completos em português do Brasil, pois “facilita o entendimento e o uso dos equipamentos, permitindo que os operadores tenham acesso a comandos e orientações claras e precisas na sua língua nativa. Diferentemente de traduções geradas automaticamente por programas de tradução computadorizados”.

A importância da adoção desses procedimentos de segurança – permeada ainda pela necessidade de os projetos considerarem a ergonomia, visando criar um espaço de trabalho confortável e seguro para o operador – cresce conforme o mercado se expande, trazendo para o território brasileiro máquinas de todo o mundo, inclusive de fabricantes que não mantém escritórios neste país.

No Brasil – estima Visetti –, “há umas 8.000 máquinas laser, de todos os portes e para as mais diversas atividades. Desse total, sem receio de errar, cerca de 3.000 estão irregulares, permitem operação aberta e, às vezes, nem possuem nenhum tipo de proteção”.

Segurança operacional: o papel das fabricantes, distribuidoras, importadoras e integradoras

As máquinas a laser apresentam riscos físicos, químicos, mecânicos e elétricos para os operadores e o ambiente industrial. Isso é fato comprovado e referenciado pelas fabricantes entrevistadas.
A periculosidade do laser pode ser minorada, assim como a irreversibilidade dos danos à retina e à pele humana podem ser prevenidos, com proteções específicas.

Resumindo as recomendações e citando os procedimentos adotados nas células de soldagem da Powermig – uma empresa Lincoln Electric Company – Mairon Marques, coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento da Automation Solution Group (ASG), lista “paredes metálicas duplas e vedação das portas, CLPs de segurança, sistema de pedidos de saída e travas magnéticas nas portas, monitoramento da área de atuação do laser para garantir que somente seja habilitado quando estiver direcionado para a peça, e sistema de câmeras para monitoramento de processo em tempo real”.

Fabricante brasileira com tecnologia própria de equipamentos para a indústria de corte e conformação de metais e importadora da China de máquinas laser CNC exclusivamente desenvolvidas para a empresa, a Metalique, como explica o diretor de engenharia da empresa, atua com a consciência da necessidade de ser “responsável por todo seu processo de fabricação em território nacional, garantindo qualidade e conformidade com as normas e requisitos locais”. No caso das importações, é fundamental implementar “recursos de segurança de acordo com as normas brasileiras NR-12, visando a garantir a conformidade das máquinas com os requisitos de segurança estabelecidos no País”.

Nesse sentido, Afonso agrega outro aspecto a ser atentado no desenvolvimento do projeto e instalação da máquina: a exaustão. “O sistema de exaustão – que no caso da Metalique utiliza exaustores triplos – deve ser projetado para evitar que partículas e fumos gerados durante o processo de corte ou gravação causem danos ao operador. Esse sistema contribui para a preservação da qualidade do ar e para a manutenção da saúde e bem-estar do operador”, garante o engenheiro.

Máquinas de precisão utilizam tecnologia avançada, componentes sensíveis e softwares especiais de gerenciamento de produção, que incluem análise de dados para tomada de decisões alinhadas com os princípios da Indústria 4.0, e soluções e periféricos que automatizam tarefas repetitivas e facilitam o manuseio e o armazenamento das chapas e dos produtos. Por tudo isso, necessitam de cuidados igualmente avançados, do mesmo modo que os recursos de proteção e segurança agregados à operação desses equipamentos devem ser de alta qualidade, como vidro especial ou acrílico resistente ao laser, e alguns adesivos especiais.

Nesse contexto, como lembra Tânia Rocha, “a capacitação da equipe operacional também é um fator importante para garantir o uso correto conforme normas de operação e segurança”, exigindo dos fabricantes a atualização do conhecimento dos operadores e mantenedores dos equipamentos.