Entrevista: A indústria é o maior consumidor da inovação

Francisco Saboya, Presidente da Embrapii

Em 3 de julho de 2023, Francisco Saboya assumiu a presidência da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Trinta dias depois, esteve na ABIMAQ, na reunião do Conselho de Administração, para a assinatura de um Acordo de Cooperação Técnica com o objetivo de estabelecer uma Aliança Estratégica para fortalecer a relação e aumentar a sinergia entre as 96 Unidades EMBRAPII (“Unidades” ou “UEs”) e as empresas associadas da ABIMAQ. Para isso, serão realizados eventos conjuntos para identificação de oportunidades de desenvolvimento de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) pelas indústrias de máquinas e equipamentos.
Tendo o acordo como pano de fundo, Chico Saboya, como prefere ser chamado, deu uma entrevista exclusiva para a revista Máquinas & Equipamentos, enfocando a inovação no Brasil, o papel da instituição que preside, a função dos centros de pesquisas e das universidades e a importância do setor industrial como maior consumidor da inovação.
Confira e boa leitura!

M&E – Qual a importância da inovação para a sociedade como um todo?
Chico Saboya –
A inovação é o motor do desenvolvimento. Existem inclusive teorias que citam os ciclos econômicos a partir da inovação, que cria e agrega ao mercado novas possibilidades, mais pessoas. A inovação não vem para piorar nem encarecer, ela vem para melhorar e baratear. É o motor dos negócios na sociedade capitalista de mercado. No mundo, entre as razões para inovar estão a demanda percebida pela indústria e a oferta de soluções para uma indústria que nem percebe que tem aquele problema. É fundamental unir essas pontas e ter ganhos com isso.

M&E – Qual a importância da atividade industrial para as inovações?
Chico Saboya –
A indústria tem sido historicamente o carro-chefe desse processo. É o maior consumidor da inovação. Nos tempos atuais, inclusive, nos últimos 40 anos, assistimos a transição clara de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços tecnológicos avançados, de uma sociedade analógica para uma sociedade digital. Também vimos mudar a visão dicotômica e equivocada de que a economia industrial já foi, agora é o momento de uma sociedade de serviços tecnológicos avançados. Hoje, mais e mais, há uma interdependência entre as duas áreas. É o encontro dos átomos, como expressão de uma sociedade analógica e material, com os bits, como uma sociedade desmaterializada e digital. Não há serviços tecnológicos avançados sem indústria, nem há indústria sofisticada sem serviços tecnológicos avançados. Esse encontro é relativamente recente e vem ganhando muita força desde a virada desse milênio, nos últimos 10 ou 15 anos com os conceitos de indústria 4.0. Esse reencontro está fazendo muito bem a todo mundo que se aproveita das potencialidades. Agora não tem mais como voltar atrás porque a indústria já percebeu o valor das tecnologias digitais como habilitadoras de novos padrões de produtividade e competitividade, assim como o setor produtor de serviços avançados de alta tecnologia já descobriu a potencialidade da indústria como usuária de toda a energia criativa, dos novos conhecimentos, das universidades, das instituições de pesquisa.

M&E – Seria esse o objetivo da parceria com a ABIMAQ?
Chico Saboya –
A parceria com a ABIMAQ tem esse objetivo, devido ao poder de articulação da Entidade para trabalhos em rede, que guarda uma potência imensa. Do universo atendido pela Embrapii, 461 empresas são de máquinas e equipamentos. Desse total, 49 são associadas à ABIMAQ e participam com 127 projetos, com taxa de recorrência de três projetos por empresa em média. Essa participação relativa, com o acordo, pode mudar muito. A parceria deve ser o combustível dessa grande travessia para um país mais próspero e uma indústria renovada.

M&E – Nesse contexto, como definir a Embrapii?
Chico Saboya –
A Embrapii é uma inovação institucional porque diferentemente de todas as demais instituições do tecido institucional brasileiro trabalha na articulação de uma rede. Quando falamos de inovação aberta, um dos principais desafios é identificar os parceiros detentores de conhecimento que possam ser mobilizados e disponibilizados para a busca de soluções para um problema. Ela surgiu para encurtar a distância entre a academia e o setor produtivo por meio da inovação, que é o que podemos fazer. Por isso a Embrapii é em si uma inovação, não é trivial, porque vai de encontro a toda uma cultura na qual ou uma empresa desenvolve a inovação internamente, tem segredo industrial, propriedade, concorrência etc., ou a inovação é desenvolvida em universidades e centros de pesquisa que têm uma visão mais acadêmica. É preciso que haja convergência, e a Embrapii veio para isso.

M&E – A Embrapii está completando dez anos. Quais as principais conquistas para a sociedade, para o País e para a indústria?
Chico Saboya –
Nesse período, R$ 3 bilhões foram investidos em projetos, metade deles já concluídos. Nesses 10 anos, a Embrapii atendeu mais de 1.456 empresas, cerca de 1/3 do setor de máquinas e equipamentos, que geraram 2.200 projetos. Interessante que há empresas de portes médio e grande que já são “viciadas” na Embrapii e que já desenvolveram mais de 40 projetos individualmente.

M&E – Qual o principal ativo que a Embrapii transfere para essa nova fase?
Chico Saboya –
Os números são muito sorridentes, mas há um capital ao qual damos mais importância na economia de hoje de troca simbólica, do conhecimento e da inovação, que é a imagem e a reputação da instituição. Esse é o maior capital da Embrapii, e tem a ver com a inovação em si. A Embrapii é uma inovação e, como toda inovação, apresenta risco, mas, quando dá certo, o ganho é expressivo. Nesses anos, a Embrapii ocupou espaço e se beneficiou exatamente do fato de ter sido inovadora. Esse é o maior ativo. E para mantê-lo tem de continuar ágil e eficiente.

M&E – Em linhas gerais, quais são os planos para os próximos anos?
Chico Saboya –
Nesta nova rodada da Embrapii, queremos estimular o esforço de comercialização de conhecimento, afinal, conhecimento é insumo muito valioso na nova economia. Se algo tem valor de mercado, tem de ter ação comercial. Esse é um aprendizado também para a academia. Hoje, o pesquisador vê muito mais a importância da pesquisa aplicada, mas ainda não desenvolveu as habilidades necessárias para comercializar o seu conhecimento.
Isso não significa abrir mão da pesquisa de base. Hoje é percebido que, em boa medida, a pesquisa aplicada é que puxa a pesquisa de base e não o contrário. A pesquisa de base, que gera o conhecimento fundamental, mas tem de balancear melhor e ver que parte do esforço em pesquisa poderia ser melhor aplicado caso tivesse a ciência aplicada puxando o esforço nacional de investigação.
O aprendizado é de todos. A universidade está cada vez mais percebendo a importância do conhecimento e entendendo mais a necessidade de comercializar sua produção, de bater na porta de uma indústria, da agricultura, do governo, dizendo: podemos encaminhar a solução para os seus problemas com o desenvolvimento de uma tecnologia, seja de produto, de processo, de modelo de negócio.

M&E – Quando fala em eficiência e agilidade, está falando também dos prazos de contratação da inovação?
Chico Saboya –
O tempo médio de contratação de projetos da Embrapii é muito inferior ao de contratação de um financiamento em banco privado: são de 30 a 45 dias a partir do momento em que começa a negociar com o ICT (unidades parceiras da Embrapii para Ciência, Tecnologia e Inovação). Antes mesmo de ter um projeto, quando a empresa tem apenas uma dor, o ICT é o doutor da inovação. A parte da Embrapii é 50% para faturamento de até R$ 90 milhões e de um terço para faturamentos acima de R$ 90 milhões, sempre a fundo perdido, sendo 55,4% de micro e pequeno portes; 27% de médio.

M&E – Quais são as ferramentas da Embrapii para o desenvolvimento da inovação?
Chico Saboya –
Conhecimento, dinheiro e articulação. A Embrapii articula a maior rede de conhecimento que há no Brasil. São 96 ICTs selecionadas entre 35 mil grupos de pesquisa existentes nas universidades brasileiras, cerca de 15 mil na área de Engenharia. Então, a Embrapii seleciona alguns grupos e institutos de pesquisa para integrarem uma rede e com complementariedade entre eles. Na outra ponta, há uma rede de clientes, trabalhando em rede. Permeando o cenário, está o financiamento, uma ação em rede, formada por 1.456 indústrias – são as empresas que solicitam os projetos e pagam em média 33% do projeto –, alguns ministérios, além de Sebrae, BNDES, Rota 2030 e Lei de Informática.

M&E – O Brasil envelheceu muito cedo e registra um atraso de 30 anos… Essa é uma frase sua. Poderia explicar essa sua leitura?
Chico Saboya –
Esse é o pano de fundo da existência da própria Embrapii. A desindustrialização é um processo normal em qualquer economia desenvolvida por duas razões. Primeiramente, cresce o peso relativo do setor de serviços, que são cada vez mais especializados, intensivos em conhecimento e, portanto, com maior valor agregado, o que faz com que o peso relativo da indústria decline. O segundo aspecto relaciona-se a quanto mais desenvolvida forem as economias, mais urbanas elas são, e nas cidades há um grau maior de segmentação e especialização de trabalho social. Não existe mais, como na sociedade mais antiga, aquele profissional que faz tudo. Por isso, cresce o setor de serviços. Mas esse é um fenômeno que se observou no século passado nos países mais desenvolvidos, mas o Brasil perdeu vigor antes que chegasse à condição de ser uma economia desenvolvida, ou seja, vivencia uma desindustrialização precoce. Esse é o maior drama que vivemos. E isso aconteceu por questões tributárias, de infraestrutura, déficits em educação e formação de mão de obra, e vários outros fatores, mas o mais importante é o déficit de inovação que deriva, em parte, do distanciamento entre a produção acadêmica e a produção industrial, e a Embrapii entra para ligar esses dois polos.

M&E – Ao encerrarmos a entrevista, que recado deixa para os leitores?
Chico Saboya –
Tradicionalmente, uma das principais portas de entrada da inovação é através da aquisição de máquinas e equipamentos. Contudo, nos últimos anos a escassez de recursos combinada a uma taxa de juros alta fez com que a capacidade de aquisição de máquinas caísse. A Embrapii está preparada, com sua rede que contempla o maior capital intelectual do País e recursos ofertados de maneira ágil, para apoiar as empresas a modernizarem de forma acelerada seu parque industrial também pela via do desenvolvimento da pesquisa e de novas tecnologias produtivas.

Francisco Saboya

Economista e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é membro do Comitê de Líderes da MEI – Mobilização Empresarial pela Inovação e foi superintendente do Sebrae (PE). Também contribuiu para a fundação do Parque Tecnológico Porto Digital, em Recife (PE), instituição que presidiu por 11 anos, e que é apontada como um dos mais destacados ambientes de empreendedorismo inovador do País, voltado ao desenvolvimento de software e indústrias criativas. Antes de assumir a presidência da Embrapii, esteve à frente da Anprotec (Associação Nacional de Parques Tecnológicos e Áreas de Inovação).