Reforma tributária: Redução da carga tributária do setor industrial corrige defeitos do sistema vigente

Sancionada pelo Presidente da República em 16 de janeiro de 2025, a Lei Complementar 214 é a primeira regulamentação da reforma tributária, cujo texto é originado do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, aprovado em 17 de dezembro de 2024, pelo Congresso Nacional.

De forma resumida, a proposta substitui cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por dois sobre valor agregado: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), administrada pelo governo federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por estados e municípios, e mais o imposto seletivo, que será cobrado dos produtos ou atividades nocivos à saúde ou meio ambiente. Os tributos, com previsão de entrada em vigor em 2026, serão cobrados no local onde o bem é adquirido ou o serviço prestado, marcando uma transformação estrutural no sistema tributário brasileiro.

O projeto aprovado elenca as regras de cobrança e pagamento desses tributos, indica os produtos que pagarão mais ou menos e aqueles que ficarão livres de tributação. A implementação do novo sistema terá um período de transição até 2033, impactando, diretamente, mais de sete milhões de empresas de todos os portes e setores, gerando a necessidade de todas as organizações se prepararem adequadamente e evitarem surpresas em seus planejamentos e balanços.

Essa legislação, aprovada pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023, e regulamentada pela Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, resultou da fusão de duas propostas: a PEC 110/2019 e a PEC 45/2019, é uma obra muito bem estruturada, com base nos modelos de sistemas tributários de dezenas de outros países.

Com limitações e ainda indefinições, a Reforma Tributária se constitui avanço importante e trará benefícios significativos para toda a economia, mas de forma mais acentuada para o setor industrial que é o mais prejudicado no atual sistema de tributação do consumo por suportar a maior carga tributária. No novo sistema, haverá melhor distribuição dessa carga, corrigindo um dos maiores defeitos do sistema atualmente vigente.

Para Sato, “a indústria de máquinas e equipamentos será uma das mais beneficiadas pela aplicação do princípio do crédito pleno do IBS e da CBS pagos nas operações anteriores e do ressarcimento imediato (em no máximo 75 dias) de eventuais créditos não compensáveis, medidas que deverão reduzir drasticamente as necessidades de capital de giro e estimular investimentos.”

Por outro lado, a desoneração plena do IVA Dual para os adquirentes de bens para o ativo imobilizado contribuirá para a ampliação do mercado de máquinas e equipamentos pelo efeito positivo sobre o custo e seu reflexo no preço de máquinas e equipamentos.

Outra resposta importante para o setor produtivo se materializa em alívio relacionado ao capital de giro, pelo efeito combinado da eliminação do recolhimento antecipado de tributos (antes do recebimento das vendas), e da não ocorrência de acúmulo de créditos tributários. Por outro lado, espera-se que a Emenda Constitucional – ao assegurar que a Reforma não aumentará a carga tributária sobre o PIB, e considerando os inúmeros méritos do novo sistema tributário – proporcione melhoria substancial do ambiente de negócios, com repercussões positivas sobre a dinâmica da economia como um todo.

A expectativa é de que, em conformidade com estimativa de alguns órgãos de pesquisa econômica, a atual carga tributária suportada pela indústria de transformação da ordem de 47% do PIB, cairia para 25%, proporcionando justiça e equidade entre os grandes setores da economia.

Os pontos positivos não eliminam a necessidade de ajustes, como a antecipação de 2033 para 2029 ou 2030 do fim do período de transição para a substituição o ICMS o do ISS pelo IBS/CBS, mantendo-se a exceção do IPI para os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus.

E mais: “Algumas disposições da Lei Complementar 214/205 (capítulo III, seção IV) que dispõem sobre bens de capital deveriam ser revistas para assegurar segurança jurídica na sua aplicação. Ou seja, o crédito pelo adquirente ou a suspensão da incidência na saída dos bens destinados ao ativo imobilizado do comprador deveriam ser automáticos, sem estarem sujeitos a atos normativos específicos”, reivindica Sato, expressando o entendimento da ABIMAQ e seus associados.

Princípios do novo Sistema de Tributação do Consumo

  • Simplificação – Pela instituição de um único tributo (IVA Dual) que desmonta o atual sistema de cinco impostos regidos por três regulamentos federais de extrema complexidade, 27 legislações estaduais (sendo uma do Distrito Federal) e 5.565 normas municipais.
  • Base ampla – O IBS e a CBS abrangem todas as operações com bens e serviços, de modo a permitir que a sua incidência, no momento do consumo, corresponda exatamente à alíquota estabelecida, sem deixar resíduos de tributos ao longo da cadeia produtiva, por mais longa que seja.
  • Não cumulatividade – Possibilita crédito pleno do tributo pago nas operações anteriores através do princípio do “credito financeiro”, ao invés do “crédito físico”, além de abolir incidências cruzadas de um imposto sobre o outro, como ocorre no atual sistema.
  • Desoneração dos investimentos e das exportações – Mediante adoção do crédito integral e imediato ou da suspensão da incidência na aquisição de todo e qualquer bem destinado ao ativo imobilizado. Aplicação do conceito de imunidade tributária para as operações de exportação ao exterior de bens e serviços.
  • Tributação no destino – De modo a evitar o ônus financeiro da antecipação do pagamento de tributos ao longo da cadeia produtiva, e eliminar de vez a possibilidade de “guerra fiscal” entre os entes federados (União, Estados e municípios).
  • Segurança jurídica aos contribuintes – A aplicação dos princípios aqui relacionados permitirá que os contribuintes tenham mais segurança jurídica nas suas transações, reduzindo drasticamente os conflitos e a litigância judicial de natureza fiscal.

Imposto sobre valor agregado

A principal característica da Reforma Tributária é a adoção do IVA – Imposto sobre Valor Agregado, na forma pura, que substitui os atuais cinco tributos que incidem sobre o consumo de bens e serviços: o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), de competência da União; o ICMS (imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), a cargo do Distrito Federal e dos Estados; e o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), arrecadado pelos municípios.

Apresar de o IVA ter sido subdividido em duas partes (IVA Dual), uma arrecadada pela União e que se chama Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e a outra pelo Distrito Federal, Estados e municípios, sob denominação de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), esse imposto será regido por uma única legislação e recolhido através de um só procedimento. Sua regulamentação foi encaminhada pelo Poder Executivo, através de dois Projetos de Lei Complementar, que estabelecem regras gerais para o IBS e a CBS e regem as atribuições e o funcionamento do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços.

Um deles, o PLP 68/2024 foi aprovado pelas duas Casas do Congresso Nacional e sancionado como Lei Complementar nº 214, de 14 de janeiro de 2025, enquanto o segundo, PLP 108/2024, após aprovado pela Câmara dos Deputados, encontra-se atualmente no Senado Federal, tendo sido encaminhado em 17 de março de 2025 à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e ainda está recebendo emendas.

Neste sentido, o período de transição, relativamente longo para a substituição dos atuais tributos pelo IVA Dual, pode trazer incômodos operacionais aos contribuintes que terão de administrar os atuais e os novos impostos.

Imposto Seletivo

A Lei Complementar 214/2025 instituiu também o Imposto Seletivo, como um apêndice do novo Sistema de Tributação do Consumo, com função mais educativa do que arrecadatória, tendo como objetivo desestimular o consumo de produtos considerados como prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Dois alertas de Sato sobre o Imposto Seletivo merecem destaque: “Ao contrário do IBS e da CBS, o Imposto Seletivo tem caráter cumulativo, ou seja, incide em cada operação sem o crédito do que foi pago nas operações antecedentes. Além disso, a incidência desse imposto sobre bens minerais, embora com alíquota máxima de 0,25%, fere o princípio da não cumulatividade da tributação do consumo, quando se tem em conta que são insumos industriais de relevante importância.”

Tentativas anteriores não vingaram

A Constituição brasileira de 1988, considerada como a Constituição Cidadã, carreia avanços importantes no resgate dos direitos civis e na reestruturação dos arcabouços político e social do País, mas pouco fez em termos de modernização do sistema tributário concebido pela Constituição de 1946, com as mudanças pontuais inseridas ao longo da sua vigência, comenta Sato, recordando que “a tentativa mais relevante ocorreu no início do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2003), com o encaminhamento ao Congresso Nacional da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 175/1995, de reforma do sistema tributário do consumo. A proposição, entre outras medidas, adotava o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), simplificando e arejando a economia engessada com a incidência de múltiplos tributos sobre a produção e consumo de bens e serviços.”

Contudo, a PEC 175/1995 foi extinta em agosto de 2003, com o pedido de retirada encaminhado pelo Poder Executivo de então, depois de mais de oito anos de tramitação, causado enorme frustração, sobretudo aos setores produtivos.