Anglo American: sob o brilho dos diamantes e do ouro

Dos primeiros passos na África do Sul, em 1917, até hoje, a Anglo American vem demonstrando que o arrojo e resiliência às adversidades são seus melhores atributos

Ao longo de 100 anos de existência, a Anglo American PLC, mineradora de origem sul-africana e ‘headquarter’ em Londres, Reino Unido, vem demonstrando uma série de atributos não diretamente ligados à indústria mineral, porém, fundamentais no universo do empreendedorismo. Ao longo de um século de existência, a alta direção da organização agregou inúmeras atividades bem sucedidas alheias à mineração e, com o mesmo arrojo por tomar tais decisões, também despiu-se dessas responsabilidades agregando ao seu portfólio o conhecimento adquirido em tais experiências.

Tudo começa em 1917, na África do Sul, quando o alemão Ernest Oppenheimer, com um capital de 1 milhão de libras subscrito no Reino Unido e nos Estados Unidos, fundou a Anglo American Corporation para explorar ouro em solo sul-africano. Dados os primeiros passos vitoriosos na produção do metal precioso, o empresário e sua bem sucedida mineradora de ouro ingressam, em 1926, como acionistas no corpo societário De Beers, para explorar diamante também na África do Sul. Algum tempo depois acrescenta a exploração de platina e, em 1928, abre a primeira mina de cobre em Zâmbia, dando início ao chamado ‘cinturão do cobre’, ampliando ainda mais os promissores horizontes da empresa.

Ao longo da primeira década de existência surgem os negócios com explosivos e o agroquímico. Na década seguinte, de 1930, entra em cena uma fábrica de brocas para mineração e em 1947 a corporação acrescenta a lavra de carvão mineral. Vale lembrar que todas as atividades constituídas desde o primeiro ano de existência da Anglo American foram implementadas na conhecida África Meridional. Com a morte do fundador, em 1957, seu filho, Harry Oppenheimer, assume a direção dos negócios e imprime imagem ainda mais forte de empresa inovadora. Esse caráter original de empresa que busca cotidianamente soluções inovadoras, acabou transformando-se numa das ‘marcas’ da Anglo American.

Os anos 1960 podem ser considerados importante ‘marco divisor de águas’ dentro da história da Anglo American. Representam, de um lado, o aprofundamento da diversificação dos ativos da empresa na África do Sul e Meridional; e de outro, a internacionalização da mineradora. Nessa década a Anglo American já detinha portfólio respeitável de negócios no setor mineral do continente – dispunha de operações em ouro, diamante, carvão mineral e platina em franca atividade. Por força da extraordinária demanda por minério de ferro do então emergente Japão, a companhia instala, em 1960, sua primeira operação dessa commodity na vizinha Suazilândia. E completa seu impulso desbravador abrindo, na África do Sul, empresas ligadas à indústria da construção e siderurgia.

Nem tanto pela similaridade, mas, por decisões do seu novo líder empresarial, a empresa adquire, ao longo dos anos 1960, um jornal, uma cervejaria, uma empresa de seguro de vida, uma de alimentos, uma de madeira/papel/embalagens e um banco. Em paralelo a esse esforço por reforçar a estrutura industrial, administrativa e financeira da companhia, a alta direção da Anglo American decide romper os limites territoriais da África Meridional e realiza seu primeiro investimento no exterior – em 1961 abre mina de cobre no Canadá. Estava dado o salto inicial no programa de internacionalização da Anglo American.

Chegada ao Brasil

No início da década de 1970 a empresa amplia sua atividade internacional. E é exatamente a partir dessa época que iniciam as primeiras ‘trocas de olhares’ que acabaria em longevo ‘casamento’ entre a Anglo American e o Brasil, representado por ativos minerais nas áreas de ouro, níquel, nióbio, tungstênio, fosfato e minério de ferro. Em 1972, uma missão comercial portuguesa visita o País. Na pauta dos encontros, a prospecção de oportunidades comerciais e indústrias numa nação totalmente envolvida com o progresso, o desenvolvimento e a industrialização, via programa ‘Milagre Econômico’, colocado em prática pelos militares brasileiros responsáveis pelo governo federal no período de 1964 a 1985.

Da comitiva que visitou o Brasil fazia parte Mário Ferreira, executivo da Anglo American sediado em Lisboa. Mário Ferreira retorna à Europa entusiasmado com a diversidade e potencial em recursos minerais disponíveis no Brasil. Encaminha relatório a Joanesburgo, na África do Sul, no qual aconselha investimentos futuros na região. No mesmo ano a empresa articula a vinda ao Brasil de comitiva própria, chefiada por Julian Ogilvie Thompson, diretor da Anglo American, para detalhamento das oportunidades identificadas. Em seu retorno, Thompson reafirma as impressões favoráveis mencionadas por Mário Ferreira. Como resultado direto desses relatórios e projeções positivas, a alta direção da companhia instala escritório, em 1973, na cidade do Rio de Janeiro.

Se, por um lado, a chegada da Anglo American em território nacional representou resposta bastante ágil à prospecção de negócio realizada pouco tempo antes, o início das atividades haveria de encaminhar-se de forma distinta. Para complicar, o Brasil praticava, à época, legislação mineral que impedia empresas estrangeiras de terem participações acionárias majoritárias em negócios locais. Depois de abrir escritório em território brasileiro e constituir a Anglo American Corporation do Brasil (Ambras), a corporação sul-africana, respeitando legislação em vigor, fechava parceria, em 1973, com a Indústria e Comércio de Minérios (Icomi), que pertencia ao grupo Caemi (Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração), do empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes.

Ouro de Morro Velho

Fruto da parceria com a Icomi surge, em 1973, a Jacobina Mineração, mina de ouro instalada e ainda em operação no interior da Bahia sob a direção de outros gestores. A partir dessa instalação industrial, começam voos mais ousados, como a incorporação ao portfólio brasileiro da Anglo American, a mina de Morro Velho, localizada no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais e respeitada por ser a mais antiga operação de ouro do País. Em 1976, a Anglo American (por intermédio da Ambras) dá os primeiros passos em estudos para compor participação acionária no grupo Excibra, controlado pela multinacional Hochschild, que detinha uma plêiade de empresas no Brasil. Fruto dessa proximidade e sinergia de interesses, a Excibra propõe que a Anglo American ingressasse também nos demais ativos do grupo Hochschild na América do Sul. No Brasil esses ativos incluíam ‘níquel’ (Morro do Níquel e Codemin), ‘tungstênio’ (Mineração Sertaneja, Acauan e Tungstênio do Brasil), ‘nióbio’ e ‘fosfato’ (Mineração Catalão de Goiás), ‘fornos industriais’ (Brasimet), ferroligas (Termoligas) e ‘petroquímicos’ e ‘fertilizantes’ (Copebras).

Sintonia estabelecida entre os dois grupos, a Anglo American assume, em 1981, 40% da Empresas Consolidadas Sudamericanas, companhia responsável pelos interesses do grupo Hochschild na América do Sul. Três anos depois, em 1984, a mineradora sul-africana formalizava a aquisição dos 60% restantes e o empreendimento passou a denominar-se Anglo American of South America. Algumas dessas atividades enfrentavam problemas. A mina de Morro do Níquel beirava o esgotamento; o tungstênio, que enfrentava concorrência violenta de fornecedores chineses e acabou descontinuado; e o negócio ‘negro de fumo’, então principal produto da Copebras, não se enquadrava ao core business da Anglo American e foi vendido em 1998.

Entre os ativos que mantiveram interesse estavam a renomada Brasimet (indústria de fornos industriais para tratamento térmico de metais) e as participações em ativos minerais como níquel, nióbio e fosfato. As minas de nióbio, em Catalão e Ouvidor (ambos municípios de Goiás), e a planta de ferronióbio, em Catalão, começam operar em 1976. As minas de níquel (Niquelândia e Barro Alto, também em Goiás) e as plantas industriais de ferroníquel, uma em Niquelândia e outra em Barro Alto, partiram em épocas diferentes (Niquelândia em 1982 e Barro Alto em 2011). As minas de fosfato (em Catalão) e a planta industrial (em Cubatão/SP) começam a operar em 1976. Em abril do ano passado (2016), os negócios nióbio e fosfato, incluindo a planta industrial de fertilizantes de Cubatão, foram vendidos para a China Molybdenum.

Empresa global

A terceira investida da Anglo American na América do Sul ocorre no Chile, através de uma mina de cobre, em 1980. Em 1992 fecha participação e passa a explorar cobre no Peru. Em 1995 começa a explorar carvão na Colômbia. Em 1999, um novo cenário mundial e mudanças internas atingiriam as empresas que a Anglo American operava no Brasil e, também, no exterior. Essa alteração institucional originava-se em duas questões de extrema importância – a distensão política ocorrida na África do Sul, a partir de 1994, com o fim do truculento regime segregacionista do ‘apartheid’, e o irrefreável processo de ‘globalização’ que perpassaria o planeta a partir do início dos anos 1990. Especialmente o segundo motivo passara a exigir da alta cúpula da Anglo American uma nova forma de ‘enxergar’ o negócio mineração em nível mundial. Não havia mais espaço para administrações regionalistas, ou negócios gigantescos e independentes.

O conglomerado sul-africano começara a sentir a urgente necessidade de respostas mais imediatas, não apenas para alavancar negócios em operação, como, também, para identificar novas oportunidades de investimentos que começavam a brotar por força exatamente desse processo de ‘globalização’. Nesse sentido, o board da multi mineradora toma duas decisões fundamentais. Primeira, reunir numa só denominação todos os ativos da Anglo American e da Minorco (o braço europeu da companhia criado exclusivamente como guarda-chuva de operações internacionais da mineradora em função das restrições políticas que campeavam até então pela África do Sul). Segunda, criar – na esteira da primeira decisão – a Anglo American PLC, empresa global, listada primeiramente na bolsa de valores de Londres e, secundariamente, na bolsa de Joanesburgo.

Desinvestimento

Entre 2000 e 2010 realiza seu mais profundo processo de desinvestimento na África do Sul. Deixa todas as atividades alheias à mineração que vinha operando e mantém apenas as minas de diamante, platina, carvão e minério de ferro. Ao seu portfólio de minas internacionais agrega, a partir de 2010, outra de cobre no Peru e mais uma da mesma substância na Finlândia. Em 2016 adota política focada em determinadas commodities e traça sua política de enfrentamento das dificuldades globais. Surge, então, uma Anglo American resiliente, totalmente capaz de enfrentar, mundo afora, as adversidades e superá-las.

Em 2000 a Anglo American adquire minas de carvão na Austrália. Em 2003 aumenta a capacidade de produção de minério de ferro na África. Nesse ano adquire sua primeira mina de minério de ferro no Brasil e agrega uma mina de diamante e outra de carvão, ambas no Canadá. Em 2007 faz uma revisão em seu portfólio e decide investir, realmente, em minério de ferro, um produto que não era expressivo em sua carteira. Em 2008 inicia investimento em minério de ferro no Brasil, através do projeto Minas-Rio (complexo para produzir 26 milhões de toneladas de minério de ferro, incluindo mina em Conceição do Mato Dentro/MG, mineroduto de 529 km de extensão entre Minas Gerais e Rio de Janeiro e usina de beneficiamento e porto do Açu, para exportação da commodity pelo litoral Norte do Rio de Janeiro).

Em 2012 é aberta a mina de minério de ferro em Conceição do Mato Dentro e em 2014 ocorre a primeira exportação de minério de ferro do projeto Minas-Rio pelo porto de Açu. Também nesse ano ocorre a mudança dos escritórios dos negócios ‘níquel’, ‘nióbio’ e ‘fosfato’ (de São Paulo) para Belo Horizonte, onde já estava localizado o escritório central do negócio minério de ferro. Em fins de 2016, início de 2017, a companhia informa que o projeto Minas-Rio deverá receber investimento de R$ 1 bilhão, durante os próximos três anos, para expansão (Fase 3) da capacidade de produção no complexo Minas-Rio, que poderá alcançar 26,5 milhões de toneladas até 2019.